Exportações da indústria crescem, mas os empresários estão apreensivos

Guerra na Ucrânia, subida da inflação e aumento dos custos de produção são algumas das questões que não permitem antecipar como evoluirá a economia no resto do ano.
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As exportações das indústrias transformadoras estão em alta, mas os empresários temem que os efeitos da guerra na Ucrânia, da inflação e do aumento e falta de matérias-primas venham a condicionar as vendas ao exterior nos próximos meses. A falta de mão-de-obra é outra das grandes preocupações.

Campeã das exportações, a indústria do metal vendeu para fora, em abril, bens no valor de 1885 milhões de euros, mais 4,1% do que em igual mês de 2021. No acumulado dos primeiros quatro meses do ano, o crescimento foi de 5,8% para 7278 milhões de euros, muito à custa de boas performances em mercados como a Alemanha, França e Espanha, com crescimentos de 17,8%, 9,7% e 5,8% respetivamente. E dos Estados Unidos, país para onde o setor duplicou as vendas no primeiro trimestre do ano, mantendo no quadrimestre "números muito altos", com um aumento de 87% para 281 milhões de euros.

Em termos de produtos, as estruturas metálicas e as peças técnicas são as que têm registado maior dinamismo. Responsável por 15 mil empresas e 240 mil postos de trabalho, esta é uma indústria que contribui com 14% do Produto Interno Bruto e que exporta 60% do que produz para cerca de 200 mercados.

"Os números são ainda muito animadores, embora as empresas continuem bastante inquietas quanto às perspetivas causadas pela guerra", diz o vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), acrescentando que "teme-se um abrandamento por causa da falta de matérias-primas, que continua a ser uma realidade, tal como a falta de recursos humanos". Rafael Campos Pereira alerta ainda que o mercado nacional está já "manifestamente fraco".

Sobre a falta de trabalhadores, a AIMMAP não avança com números exatos, atendendo a que o mercado é "muito dinâmico e muito instável", em especial, no que ao cluster automóvel diz respeito. Rafael Campos Pereira lembra que, num passado não muito distante, a indústria havia apontado para a falta de 30 a 50 mil novos trabalhadores, e reconhece que "hoje o número poderá não ser exatamente o mesmo, mas andará próximo disso".

A questão resulta de um problema demográfico, conhecido de todos, mas também da incapacidade em atrair imigrantes na dimensão pretendida. "Sabemos que Portugal e a Índia têm um acordo assinado nesse sentido, mas que o Consulado português em Nova Deli não emite vistos. As redes consulares não estão, de facto, a agilizar a legalização de trabalhadores estrangeiros de que precisamos", garante.

E se, em termos de energia elétrica, o governo tem vindo a tomar "algumas medidas que podem atenuar" o problema, designadamente a nível da eliminação das tarifas de acesso às redes e do recentemente aprovado mecanismo que vai limitar o preço do gás na formação da tarifa da eletricidade, a questão das matérias-primas é mais delicada. "As empresas continuam, para já, a encontrar soluções, mas é sempre uma incógnita. Trabalha-se no fio da navalha", garante Rafael Campos Pereira, lamentando que, numa fase de "tanta incerteza e preocupações, ainda se esteja a falar em reduzir o horário de trabalho para quatro dias por semana, o que vai seguramente desestabilizar ainda mais o mercado de trabalho e os recursos humanos das empresas".

Já no calçado, as preocupações são relativamente similares. As exportações estão a crescer 21% em quantidade e 28% em valor, o que significa que foram vendidos, nos primeiros quatro meses do ano, mais cinco milhões de pares e mais 138 milhões de euros do que em igual período de 2021. No total, as empresas do setor destinaram aos mercados exteriores, entre janeiro e abril, 27 milhões de pares de sapatos no valor de 635 milhões de euros. O preço médio de cada par exportado cresceu 5,6% para 23,45 euros.

"Não se pode dizer que os negócios estejam propriamente a correr mal, mas olhamos para estes números numa dupla perspetiva: a satisfação com os resultados obtidos é ensombrada por um conjunto de sinais de alerta e preocupação, que não nos permitem fazer previsões para o futuro", diz o diretor de comunicação da APICCAPS. Paulo Gonçalves destaca a "inflação descontrolada" em vários países prioritários para o calçado, a par da "descompensação do mercado ao nível do abastecimento de matérias-primas", a que acrescem as preocupações com a guerra, que "obriga a algumas reservas".

Relutância em "festejar"
As exportações estão a crescer "em todos os mercados", refere o responsável, mas "em particular nos extracomunitários". Só os EUA têm um acréscimo de quase 40%, para 31,4 milhões de euros, enquanto o Reino Unido cresce 22% para 36 milhões. A grande preocupação é mesmo com o aumento dos preços das matérias-primas e outros custos, que ditam a necessidade de as empresas reverem os preços em alta. "Felizmente, o preço médio está a sofrer algum reajustamento, mas acreditamos que não reflete ainda a realidade do setor. Considerando a dimensão do agravamento dos custos de produção, esperávamos que esse aumento fosse na ordem dos dois dígitos", frisa Paulo Gonçalves.

Por fim, a indústria têxtil e do vestuário está a crescer também a dois dígitos, com vendas ao exterior de quase 2082 milhões de euros, mais 18% do que em igual período de 2021. Neste caso, a dinâmica de crescimento é maior para os mercados comunitários, que estão a crescer 18,8% para 1553 milhões de euros. Os extracomunitários crescem 15,5% para 528 milhões. Fonte do setor mostra alguma relutância em "festejar" este crescimento, considerando que parte disto será efeito da inflação sobre as matérias-primas. "Não representa necessariamente que estejamos a fazer mais nem que estejamos a vender mais", defendem.

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