"Falar em tsunami de malparado com o fim das moratórias não nos ajuda a ver o problema"

Entrevista a Rui Baleiras, coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), a equipa de seis peritos que ajuda os 230 deputados do Parlamento a descodificar os assuntos orçamentais do País.
Publicado a

Rui Nuno Baleiras nasceu em 1963 e é doutorado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa. Foi secretário de Estado do Desenvolvimento Regional no primeiro governo liderado por José Sócrates, entre 2005 e 2009. Coordenou a estratégia de utilização do quadro de fundos europeu QREN, avaliado em 21.500 milhões de euros, e a implementação do seu modelo de governação.

Juntamente com a economista Teodora Cardoso, foi cofundador do Conselho das Finanças Públicas. Desde 2018 que é coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), a equipa de seis técnicos que faz consultoria especial para o Parlamento português em matérias de Orçamento do Estado e contas públicas. É um dos maiores especialistas do País em finanças públicas locais, tendo publicado vários trabalhos sobre o tema.

Nesta entrevista "A Vida do Dinheiro", ao Dinheiro Vivo e à TSF, fala sobre dossiês difíceis, como o Novo Banco, e sobre o que se espera nas contas públicas dos próximos anos, que vão ser fortemente marcados pelo Programa de Recuperação e pelo regresso do Pacto de Estabilidade e da consolidação orçamental. Parte 2 de 4.

Vamos continuar na banca. As moratórias bancárias públicas vão terminar em setembro, mas o Governo está a procurar uma solução para empresas ou setores mais fragilizados, alguns relacionados com o turismo, e outros que sofreram muito com os confinamentos. Isso pode passar por mais garantias do Estado aos empréstimos que vencem. Que impacto pode ter nas contas públicas? É mais um risco acrescido para o futuro?

Sinceramente, acho que por força da pandemia que atravessámos e das medidas políticas que foram tomadas, e a grande maioria delas com grande propriedade, nós temos neste momento um stock de passivos, ou seja, de obrigações patrimoniais que o Estado tem perante inúmeros potenciais credores, que é difícil de quantificar, precisamente pela própria natureza de serem passivos contingentes. Por exemplo, as moratórias ao crédito em si não são uma obrigação para o Estado, porque, no fundo, do que se trata é de um acordo entre um credor e um devedor para que não haja pagamento do serviço da dívida dentro de um determinado período. O que nós sabemos, até da crise financeira de há 10 ou 12 anos, é que há um enorme risco se houver uma massa significativa de credores incapaz de voltar a pagar as suas dívidas, que isso ameace a estabilidade do sistema financeiro. Se o problema tiver dimensão sistémica lá estamos nós contribuintes. Provavelmente seremos convidados a pôr a mão por baixo.

O que acha desse risco sistémico, tem solução?

Acho que ainda há tempo para se fazer o trabalho de casa. A minha ideia é que mais vale planear do que remediar. Trata-se de um problema coletivo, estas moratórias do crédito, mas é um problema coletivo, que respeita à sociedade, mas é importante que não sejam afastadas as responsabilidades individuais. E aqui temos responsabilidades individuais de quem? Dos mutuários, ou seja, das empresas e das famílias que pediram as moratórias, dos bancos que concederam essas moratórias, do supervisor financeiro português e das instituições europeias competentes, porque aquilo que for possível fazer, por exemplo, uma extensão do período das garantias ou alguma intervenção pública, tem de ser concertada a nível da área do euro, no mínimo. Portanto, Portugal não pode agir isolado. Espero é que todas estas partes interessadas estejam a planear para que não tenhamos que correr atrás do prejuízo.

Estava a questioná-lo sobre esse risco sistémico porque vários presidentes de bancos portugueses já ilustraram o que pode vir a seguir. Paulo Macedo, o presidente da Caixa Geral de Depósitos, falou de um tsunami de malparado com o fim das moratórias. Se o Estado vai ter de entrar ou reforçar garantias, o que é que isso representa para a estabilidade de médio e longo prazo num contexto de consolidação orçamental que vai ter que existir, aparentemente?

Sim. Bom, eu afasto palavras catastrofistas, também não nos ajuda a ver o problema com clareza. Não se deve aligeirar as responsabilidades próprias dos bancos. Recordo que renegociação de dívidas é uma coisa que os bancos sabem fazer e sempre fizeram ao longo da sua vida e continuarão a ter que fazer. Mas há uma diferença e que eu acho que é positiva e que desse ponto de vista é um risco descendente, até para o envolvimento do Estado no setor, é que esta crise, ao contrário da anterior, provavelmente terá uma recuperação mais rápida e as medidas de minimização do impacto que foram tomadas, apesar de tudo, conseguiram preservar muito mais capital produtivo do que na crise que tivemos de 2009 a 2013.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt