"Falta capacidade de liderança para fazer a transição energética"

Patricia Espinosa, antiga ministra dos Negócios Estrangeiros do México e uma das figuras principais nas negociações do Acordo de Paris, lamenta que a passagem das palavras ao atos esteja a levar tanto tempo e que faltem apoios aos países em desenvolvimento
Patricia Espinosa liderou a  Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima
Patricia Espinosa liderou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do ClimaDireitos Reservados
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Patricia Espinosa, antiga ministra dos Negócios Estrangeiros do México e presidente da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), acredita que tem faltado “capacidade de liderança” ao mundo, seja a nível político seja em termos empresariais, para passar das palavras ao atos no que à transição energética diz respeito. “Espero sinceramente que os países do G7, que estão reunidos em Itália, e, mais tarde, os do G20 - encontro que ocorrerá em novembro, no Rio de Janeiro - possam chegar a decisões que sinalizem o reconhecimento que este tema é uma responsabilidade de todos e que tem de ser alcançada em conjunto”, defende.

Patricia Espinosa, que foi também uma das figuras de proa nas negociações do Acordo de Paris, será uma das oradoras, no próximo dia 20 de junho, na conferência We Choose Earth que a EDP organiza em Munique, na Alemanha. Esta é a segunda edição do evento que, no ano passado, decorreu em Madrid, com intervenções de Amal Clooney, advogada de renome no domínio dos Direitos Humanos, Céline  Cousteau, cineasta e ativista ambiental, e Adam Grant, psicólogo organizacional, entre outros. Este ano, Ban Ki-Moon, antigo secretário-geral das Nações Unidas, Cate Blanchett, atriz e Embaixadora da Boa Vontade do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e  Joschka Fisher, antigo ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, são alguns dos oradores que se juntarão para debater o futuro do planeta, com o CEO da EDP, Miguel Stilwell D’Andrade.

Antecipando o encontro, o Dinheiro Vivo entrevistou Patricia Espinosa sobre o tema da transição energética justa. A empresária, fundadora e CEO da Onepoint5, consultora especializada nas temáticas da sustentabilidade ambiental, social e de governança, o chamado ESG, e das alterações climáticas, admite que “há boas notícias” no que às renováveis diz respeito, já que, sublinha, de acordo com os dados da Agência Internacional de Energia, “a capacidade instalada das energias renováveis tem triplicado, a cada ano, desde que o Acordo de Paris foi assinado, em 2015”, o que se prende, defende, com políticas implementadas, economias de escala e com a redução, na ordem dos 40%, no custo das tecnologias eólica e solar. 

O problema, reconhece, é que “este crescimento tem acontecido, sobretudo, nos países mais desenvolvidos e os do chamado sul global [os do terceiro mundo e em vias de desenvolvimento] continuam a enfrentar condições muito difíceis de acesso à tecnologia, ao financiamento e até à capacidade produtiva deste tipo de projetos.

“Esse é o grande desafio. Precisamos de uma mudança de mentalidade daqueles que podem fornecer as soluções e das instituições financeiras, que precisam de reconhecer que investir na transição energética é dos investimentos mais importantes que podem fazer, porque tem a ver com o futuro das pessoas e do planeta”, diz Patricia Espinosa, que se assume algo desiludida com a falta de acordo na conferência climática de Bona, na Alemanha, sobre financiamento climático.

“Os líderes têm que transformar os discursos e as palavras em ações no terreno. E o que temos visto, em alguns casos, são alguns grupos a insistir que precisam de mais tempo, que não é possível cumprir com as metas. É verdade que, pelo meio, temos assistido a situações muito complicadas como a da guerra na Ucrânia, e as suas consequências a nível energético, devido à subida dos preços do petróleo. Mas se a União Europeia tivesse realmente investido em renováveis há 30 anos, este problema não se teria colocado”, diz.

Espinosa reconhece que a janela de oportunidade para se cumprirem as metas assumidas em Paris está a fechar-se e cita o recente relatório de Johan Rockström, diretor do Potsdam Institute for Climate Impact Research , segundo o qual só os eventos climáticos extremos do ano passado geraram perdas de 250 mil milhões de euros. “É muito difícil. E, por isso, precisamos tanto que o setor privado se envolva também e exerça a sua capacidade de liderança e o seu poder de influência junto do poder político para que fique claro  que esta é uma Agenda de todos”, frisa. E acrescenta: “Claro que há a questão dos custos e, nos negócios, o custo é tudo. Mas não basta contabilizarem a implementação das medidas, sem terem em conta os desastres naturais e quanto eles custam.”

Sobre as soluções, Patricia Espinosa diz que todos sabemos o que é preciso fazer. “Os Acordos de Paris foram criados sob a assunção de que esta é uma agenda que todos aceitam, mas há alguns que têm uma responsabilidade maior, não só ao nível da redução de emissões, mas em ajudar outros a fazê-lo. Não basta que nos concentremos nos maiores emissores porque essa abordagem tem levado a que os mais vulneráveis às alterações climáticas não tenham a atenção necessária”, defende.

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