Falta de seguro, dístico e contratos representam metade das infrações dos motoristas TVDE

Conduzir um Uber ou um Bolt sem seguro foi a transgressão que mais aumentou este ano, com o número de coimas a subir 21%, segundo o IMT. Prestar serviços fora das plataformas é outra das contraordenações mais praticada. Associação TVDE defende que o aumento do número de licenças está a “saturar” a atividade.
Falta de seguro, dístico e contratos representam metade das infrações dos motoristas TVDE
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A utilização de veículos sem dístico e sem seguro representou mais de um terço das infrações cometidas este ano pelos motoristas de transporte em veículo descaracterizado a partir de plataforma eletrónica (TVDE). De acordo com os dados do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) cedidos ao DN, estas duas transgressões em conjunto assumiram um peso de 36% no total dos 391 autos registados desde janeiro.

Segundo o IMT, o número global de contraordenações diminuiu 23% em 2024, mas há tipologias de infração que registaram um crescimento, como é o caso dos carros sem seguro, que subiu 21%.

A ausência de contratos escritos entre motoristas e operadores é a segunda infração mais praticada, seguindo-se a prestação de serviços TVDE fora da plataforma eletrónica. A Associação Portuguesa de Transportadores em Automóveis Descaracterizados (APTAD) salienta que, embora a grande maioria dos motoristas cumpra com a documentação exigida por lei, a falta de contratos “é um reflexo direto da precariedade que domina o setor, onde a baixa rentabilidade e a falta de motivação para estabelecer contratos robustos tornam esta prática comum”.

A APTAD alerta que esta prática acaba por comprometer não só a segurança jurídica das relações laborais, mas também as condições de trabalho dos motoristas. “Adicionalmente, há casos em menor número de pessoas que utilizam documentação de outro motorista para conduzir veículos TVDE. Esta é uma situação grave que não só viola as normas legais, como também compromete a segurança dos passageiros e a integridade do setor”, destaca o presidente da associação, Ivo Fernandes.

Outra das ilegalidades que sustenta uma fatia expressiva das multas é a prestação de serviços fora das plataformas Uber ou Bolt, atualmente as únicas a operar em Portugal. A baixa rentabilidade aliada às comissões cobradas por estes operadores retira os profissionais destas aplicações levando-os a procurar alternativas mais rentáveis como serviços de transporte privado, regulares ou turísticos. “Com uma média de rendimentos que varia entre os quatro a seis euros por hora, muitos motoristas sentem que o trabalho através das plataformas não compensa os custos operacionais associados à atividade. Esta situação torna aliciante para os motoristas procurarem alternativas”, esclarece Ivo Fernandes.

O responsável defende que é imperativo um maior equilíbrio no setor e apela à implementação de uma tarifa mínima obrigatória, que garanta que os motoristas recebam uma “remuneração justa, proporcional aos custos operacionais e ao esforço despendido”.

Licenças aumentam 10% 
O número de motoristas a trabalhar no setor TVDE continua a crescer. Atualmente existem  73 595 certificados de motorista TVDE válidos, um aumento de 10% face a 2023 indica o IMT. Desde que o regime jurídico da atividade entrou em vigor, em 2018, foram emitidos 88 351 licenças. A diferença entre os certificados emitidos e os que estão atualmente válidos justifica-se pelas 14 756 licenças que caducaram. A lei prevê que as licenças sejam renovadas a cada cinco anos o que significa que desde o ano passado o número de documentos a expirar disparou.

Já o número de operadores TVDE, ou seja, as empresas registadas que fazem a intermediação com os motoristas, atingiu os          20 762. Ivo Fernandes analisa os números com preocupação e sublinha que a atividade está “saturada”. “Este crescimento não é sustentável, pois continua a pressionar negativamente a taxa de ocupação dos veículos, contribuindo para a redução dos rendimentos e da qualidade de trabalho dos motoristas ativos”, indica.

O porta-voz da APTAD explica que embora a procura pelos serviços TVDE continue a crescer, não é suficiente para absorver o incremento do número de veículos inscritos nas plataformas. Outro dos desafios, elucida, é o excesso de carros em atividade, que acaba por reduzir o número de viagens por veículo. Este cenário, alerta Ivo Fernandes “obriga os motoristas a trabalhar longas jornadas para alcançar um rendimento mínimo e promove uma precariedade de rendimentos, comprometendo, inevitavelmente, a qualidade do serviço oferecido aos passageiros”.

“Há também uma questão de insustentabilidade económica, com operadores e motoristas a enfrentar dificuldades crescentes para cobrir os custos operacionais. Este desequilíbrio ameaça a viabilidade do setor e sublinha a urgência de medidas regulatórias, como a implementação de uma taxa de ocupação mínima, que visa controlar o número de veículos ativos em função da procura real”, sugere.

Imigrantes são rosto do setor
A probabilidade de chamar um Uber ou um Bolt e ser conduzido por um motorista estrangeiro é cada vez maior. O número de profissionais de outras nacionalidades tem vindo a ganhar peso. Os dados do IMT indicam, ainda assim, que os portugueses lideram a tabela das principais nacionalidades a operar neste setor, com uma representação de 56%. Seguem-se os condutores do Brasil (20%), Índia (10,12%), Paquistão (4%) e Bangladesh (4%), entre as principais.

A APTAD alerta que estes números estão “desfasados da realidade” e que se justificam pelo facto de a maioria das licenças que foram emitidas nos primeiros anos da legalização da atividade, e que correspondem a portugueses, ainda não ter caducado. 
A associação garante que mais de metade dos seus associados são estrangeiros e que essa é a leitura correta do quadro atual, com os portugueses a fugir das plataformas devido à precariedade laboral.

“Face aos rendimentos paupérrimos proporcionados pela atividade TVDE, é evidente que cada vez menos portugueses se sujeitam às condições de longas horas de trabalho para obter rendimentos tão baixos. A evolução da mão de obra estrangeira neste setor é um reflexo direto dos migrantes que chegam ao nosso país à procura de melhores condições de vida e que acabam por aceitar trabalhar longas jornadas, muitas vezes em situações economicamente precárias”, refere o representante.

Para Ivo Fernandes, a maior expressão de motoristas imigrantes levanta desafios como a integração linguística e cultural. É imperativo, diz, que apresentem “competências básicas de comunicação oral em português, para garantir um nível mínimo de interação eficiente e de confiança no serviço” e para manter o setor acessível a todos os utilizadores.

A APTAD continua a bater-se pela revisão da lei 45/2018, conhecida como a Lei Uber, que deveria ter avançado em 2022, ou seja, conforme estipulado pelo regime jurídico, três anos após a sua entrada em vigor. A associação que representa o setor propõe ainda uma taxa de ocupação mínima de 70% como medida regulatória com o intuito de travar novas inscrições de veículos sempre que a ocupação média semanal dos existentes cair abaixo desse patamar.

“Esta solução assegura que os novos registos sejam proporcionais à procura real do mercado, protegendo a sustentabilidade do setor e prevenindo a degradação das condições de trabalho dos motoristas”, elucida o presidente. A revisão da legislação que regula o setor TVDE deverá agora avançar no próximo ano, conforme inscrito no OE2025. 

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