Faturas digitais: poupar no ambiente ou nos custos?

As empresas de serviços incentivam cada vez mais os seus clientes a adotarem a documentação eletrónica em detrimento do papel. No entanto, argumentos ambientais sem fundamentação e a multiplicação de erros de faturação não detetados estão a colocar todo o processo em causa.
Publicado a

Em Portugal, um estudo realizado em 2019 concluiu que metade dos consumidores prefere receber os seus extratos ou faturas em papel. E destes, dois em cada três explicam a sua escolha com o mais fácil acesso à informação ou o facto de não terem acesso a computador/internet. Para além disso, 18% referem que confiam mais nos valores apresentados em papel e que assim os controlam melhor.

Esta confiança pode encontrar explicação no trabalho científico que prova uma melhor compreensão, atenção, revisão e memória na leitura em papel face aos meios digitais. Mas vai além disso. Por exemplo, um relatório de 2019 de uma ONG do Reino Unido dava conta de que, nos 15 anos anteriores, os consumidores tinham sido sobrefaturados por fornecedores de água, energia e telecomunicações no valor de 24,1 mil milhões de libras (mais de 28 mil milhões euros) - sem que os consumidores aparentemente se tivessem apercebido dos lapsos, por não conferirem tão atentamente a fatura. Outros dados referem que 80% das pessoas que recebem extratos em papel verificam as contas, mas, quando se passa para o digital, esta percentagem cai para menos de metade e que os consumidores que não conferem os extratos são menos propensos a identificar transações erróneas ou fraudulentas.

Na Europa, 74% dos consumidores querem escolher como receber os seus documentos. Por cá, a campanha Keep Me Posted - Direito à Escolha do Cidadão apoia este direito de o consumidor escolher, gratuitamente e sem penalizações, se deseja receber as informações importantes, tais como avisos, documentos de liquidação ou relativos a eleições, contas e extratos dos prestadores de serviços, em papel ou digitalmente.

Impacto ambiental
Apesar de todo o valor e conveniência da digitalização, as vantagens do papel continuam a ser superiores, nomeadamente no que respeita ao impacto ambiental:

• Os meios digitais obrigam a um consumo energético considerável. Em 2020, a Comissão Europeia afirmou que a indústria eletrónica e digital - TIC - representava entre 5% e 9% do uso de eletricidade, ou seja, mais de 2% das emissões globais de gases com efeitos de estufa; e as estimativas apontam para que, em 2040, possa representar 14% dessas emissões.

• Esta indústria é uma das responsáveis pela utilização de matérias-primas fósseis como o plástico e o vidro, mas também de determinados metais raros já apontados pela Comissão Europeia como críticos no seu abastecimento.

• A taxa de reciclagem destes materiais digitais é muito baixa: apenas 17% a nível mundial, de acordo com o The Global E-waste Monitor 2020.

Já o papel é um produto natural, renovável, biodegradável e um exemplo ímpar de reciclagem:

• Em 2020, a taxa de reciclagem do papel na Europa foi de 74% (56 milhões de toneladas).

• O papel é um motor de crescimento das florestas - de acordo com a FAO, entre 2005 e 2020, as florestas europeias cresceram 58 390 km2, o que equivale a mais de 1500 campos de futebol todos os dias.

• As florestas plantadas, certificadas e geridas de forma responsável, como as que estão na base do fabrico do papel, desempenham uma importante função enquanto sumidouro de carbono. Em Portugal, a floresta absorve atualmente 8,7 milhões de toneladas de CO2, um valor que o Plano Nacional de Energia e Clima refere que terá de passar para as 12,7 milhões de toneladas até 2030, para cumprir o plano de descarbonização do país. O eucalipto globulus que plantamos, e que é matéria-prima para produtos papeleiros de referência a nível mundial, sequestra 11,3 toneladas de CO2/hectare ao ano, mas, com medidas de gestão florestal e consequente aumento de produtividade em 20%, essa capacidade de sequestro aumentaria para cerca de 13,6 toneladas - ou seja, dada a eficiência de sequestro de CO2 pelo eucalipto, com 20% de aumento de produtividade será possível entregar 50% da ambição do aumento de sequestro da floresta nacional entre 2021 e 2030, sem incremento de área.

• 52% da área florestal na Europa (quase 105 milhões de hectares), é certificada.

• O setor do papel, pasta e impressão é um dos mais baixos emissores industriais de gases com efeito de estufa, sendo responsável por 0,8% das emissões europeias.

• 61% do consumo total de energia primária da indústria europeia de pasta e papel é renovável, à base de biomassa.

Não é, pois, de estranhar que o resultado de um estudo de análise de ciclo de vida entre uma fatura em papel e uma fatura digital tenha concluído que o papel tem vantagem em nove das 16 categorias de impacto ambiental, incluindo as alterações climáticas.

A suposição de que o suporte digital é mais ecológico do que o papel não tem fundamentação factual, e é uma ideia redutora e enganadora. O que leva, então, as empresas a insistirem com os clientes para mudarem para a comunicação digital? Shamel Naguib, presidente da Paperless Productivity, que ajuda empresas a reduzir ou eliminar os documentos em papel, através da digitalização, é claro na sua análise: "Em 99,9% dos projetos, não tem nada a ver com ser mais verde. Tem tudo a ver com poupar dinheiro."

Conhecida como greenwashing, a prática de fazer alegações ambientais enganosas é um problema crescente. A Two Sides, uma organização sem fins lucrativos, criada na Europa em 2008 por membros das indústrias de base florestal, celulose, papel, cartão e impressão, lidera uma campanha global de combate ao greenwashing por parte das empresas. Desde o seu início, em 2010, um total de 710 empresas já removeram estas declarações enganosas das suas comunicações.

Francisco Gomes da Silva, diretor-geral da Biond - Forest Fibers from Portugal

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt