Babel: “A transformação digital da Administração Pública não pode parar com o fim do financiamento europeu”

O country manager da Babel Portugal, Pedro Malato Branco, considera que estamos a viver uma oportunidade única para modernizar o Estado de forma estrutural e duradoura.
Babel: “A transformação digital da Administração Pública não pode parar com o fim do financiamento europeu”
Reinaldo Rodrigues
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Pedro Malato Branco, country manager da Babel Portugal, destaca a evolução significativa da digitalização dos serviços públicos em Portugal, e salienta que a eficiência interna desses serviços ainda é um desafio, mas está em curso. O gestor em Portugal da multinacional tecnológica espanhola especializada em transformação digitalacredita que a transformação digital continuará para além do PRR, graças ao novo modelo de gestão com prazos definidos pela UE, que é bastante resiliente face às mudanças políticas. “Esta transformação deixou de estar totalmente dependente das flutuações ou variações da política nacional. Os processos passaram a obedecer a um calendário e a um plano rigoroso, o que induz uma forma diferente da Administração Pública olhar para as suas responsabilidades e prioridades”, considera.

A Inteligência Artificial é muitas vezes vista como uma ameaça ao emprego. Que ideia considera mais adequada termos hoje sobre o impacto da IA no mercado de trabalho?

Acho que, acima de tudo, a inteligência artificial, mais do que um risco ou uma ameaça, é uma oportunidade tremenda. Provavelmente, na maior parte dos casos, só por uma questão de iliteracia é que se pode pensar que a inteligência artificial é uma ameaça. Quando falo em inteligência artificial, refiro-me a qualquer tipo de tecnologia. O que temos de garantir é que a inteligência artificial é uma oportunidade, um facilitador que nos permite ser cada vez mais eficientes, ter a informação mais estruturada e a capacidade de aceder a quantidades cada vez maiores de dados. Isso permite-nos, de facto, tomar decisões muito mais informadas e sustentáveis. E essa é a grande diferença.

Fala de iliteracia e há uma questão de formação também. Por um lado, os profissionais têm de procurar um upskilling e, por outro, a empresas têm de promover a formação. Senão, haverá um desfasamento. Como é que isso se faz?

Sem dúvida, e ainda bem que fala nesse tema — é absolutamente crucial. Ou seja, não pode haver duas velocidades. A empresa não pode afirmar que adotou inteligência artificial nos seus processos, por exemplo, para gerar maior eficiência, e depois não dotar as suas pessoas dessas capacidades e competências.

Sobre isso, por exemplo, falando globalmente, ministrámos 32.000 horas de formação aos nossos colaboradores. Isso é um indicador claro do caminho que estamos a seguir. Ou seja, a transformação da empresa é importante, mas essa transformação tem de vir de dentro. É essencial dotar-se das ferramentas, mas, obviamente, ao mesmo tempo que se adquirem essas ferramentas, é preciso capacitar as pessoas para as utilizarem de forma mais eficiente e eficaz no impacto que isso tem no seu trabalho. E repare: o impacto no seu trabalho não é no sentido de substituir as pessoas — isso é um mito.

É de elas se adaptarem à utilização da nova tecnologia.

Serem proficientes e, acima de tudo, conseguirem capitalizar aquilo que a inteligência artificial, na verdade, não tem: a experiência do trabalho no dia a dia, o conhecimento que as pessoas vão adquirindo ao longo da sua carreira, nos projetos que realizam, e o conhecimento específico de cada área de negócio. Isso, conjugado com a eficiência que a utilização da inteligência artificial — e a sua integração nos processos — nos pode trazer, é onde reside, de facto, o maior valor.

Quando referiu aquele número de horas que investiram o ano passado, isso dá mais ou menos quantos por cada trabalhador, em média.

Nós somos 3200 aproximadamente, portanto, estamos a falar de praticamente de 100 horas por trabalhador.

A Babel iniciou este ano uma nova estratégia de IA, em colaboração com a OpenAI.Em que consiste concretamente?

Foi uma colaboração que nós iniciámos no início deste ano. Independentemente de já estarmos a utilizar ferramentas de generative AI, como o ChatGPT e os Large LanguageModels integrados na nossa operação, aquilo que celebrámos foi uma parceria efetiva com o OpenAI. Essa parceria tem dois grandes objetivos. O primeiro — que já referimos, de certa forma — é integrar o ChatGPT e, no fundo, a inteligência artificial generativa na nossa operação, em várias dimensões. Desde logo, ao nível da eficiência operacional: garantir que temos capacidade de aceder a volumes de informação muito superiores, pesquisar em bases de conhecimento que nos permitam obter dados muito mais rapidamente e automatizar tarefas. Estamos a falar, essencialmente, de tarefas repetitivas que, até agora, exigiam intervenção manual — mesmo na nossa área tecnológica. Há tarefas que são, de facto, absolutamente repetitivas, como por exemplo a capacidade de reutilizar código. Isso é algo absolutamente extraordinário: conseguir encontrar componentes de código que respondem rapidamente às nossas necessidades.

São altamente aceleradoras: em vez de se estar a produzir código é possível reutilizar o que já existe e integrar no projeto, não é?

Sem dúvida nenhuma, essa é uma das aplicações-chave. Outra aplicação importante é ao nível da geração de dados sintéticos, que tem sido fundamental para acelerar a realização de testes de software. Esta capacidade de gerar dados, especialmente quando, por questões de RGPD ou pela própria qualidade dos dados, não é possível aceder a dados reais, tem-se revelado muito útil. Isto aplica-se também a outra área onde atuamos de forma significativa: a aplicação da inteligência artificial no combate à fraude, por exemplo, em meios de pagamento. A fraude é um fenómeno altamente desbalanceado — felizmente, existem muitas mais transações legítimas do que fraudulentas. No entanto, para que os modelos de IA sejam eficazes e validados com rigor, é necessário balancear os dados disponíveis para teste. Nesse sentido, utilizamos também inteligência artificial para gerar esses dados sintéticos. Como referi há pouco, integramos a IA na nossa operação diária. Eu próprio utilizo-a todos os dias. A inteligência artificial está hoje embebida em várias das nossas aplicações internas. Somos uma empresa tecnológica e, como tal, precisamos também de soluções tecnológicas para suportar o nosso próprio negócio. Nas nossas ferramentas internas, a IA já está integrada. Dou-lhe um exemplo: usamos o Workday, uma aplicação cloud-based para a gestão de recursos humanos. Todas as nossas pessoas estão registadas nessa plataforma — é onde, por exemplo, posso atualizar a minha morada, e há todo um processo de validação associado. A própria solução já incorpora inteligência artificial, o que nos permite acelerar processos em larga escala. Com isso, conseguimos identificar, por exemplo, as pessoas certas, com as competências certas, para alocar aos projetos certos, em função das necessidades dos clientes. Este é apenas um exemplo de como a inteligência artificial está a transformar a forma como gerimos o nosso negócio, conhecemos as nossas pessoas e, como referi anteriormente, identificamos também as necessidades de formação de cada colaborador.

Como conseguimos hoje identificar as pessoas certas com este mundo do trabalho em transformação?

Isso, de facto, é um grande desafio. Hoje, estamos num mercado altamente competitivo, onde, em algumas áreas de conhecimento tecnológico, há uma escassez clara — ou seja, a procura é muito superior à oferta. Isto é particularmente evidente nas áreas ligadas à inteligência artificial.

Como é que conseguimos, então, identificar as pessoas certas, o bom talento?

Em primeiro lugar, acreditamos que as pessoas são uma peça-chave neste processo. Temos uma equipa de recrutamento interna, altamente qualificada, que utiliza as ferramentas ao seu dispor — entre elas, ferramentas de inteligência artificial — para fazer uma primeira avaliação e comparação de perfis. Mas, acima de tudo, nada substitui a experiência e o conhecimento humano, esse primeiro contacto entre pessoas. Valorizamos muito essa proximidade. O nosso processo é muito bem estruturado: começa com a publicação da vaga, segue com um conjunto de procedimentos internos e inclui sempre contactos pessoais com os candidatos. A inteligência artificial pode ajudar-nos a fazer uma primeira triagem, mas não substitui, de forma alguma, a tomada de decisão nesta matéria.

E o que procuram exatamente nessas pessoas, também para se perceber aquilo que é uma necessidade mais macro que o mercado tem?

Sim, há aqui dois temas importantes — e fazemos sempre questão de os distinguir claramente. Por um lado, temos aquilo a que chamamos hard skills, ou seja, as competências técnicas específicas de cada função. Mas, na verdade, isso já não é suficiente nos dias de hoje. É igualmente essencial considerar as soft skills, as chamadas competências interpessoais: a capacidade de relacionamento, de diálogo, de compreender o negócio dos nossos clientes, de trabalhar em equipa. Um dos nossos valores é precisamente One Team — we are one team. Somos uma equipa. E a capacidade de trabalho colaborativo, de interação com colegas, clientes e parceiros tecnológicos é absolutamente essencial. Por isso, quando procuramos pessoas, além das competências técnicas e de um perfil ajustado a cada necessidade ou projeto, valorizamos muito essa capacidade de relação interpessoal — algo que, de certa forma, se perdeu com o contexto de isolamento vivido recentemente. Durante esse período, as pessoas estavam muito mais isoladas, em casa, e os relacionamentos passaram a acontecer de forma digital. O que procuramos hoje é precisamente um equilíbrio: entre as competências técnicas e esta capacidade de relação humana e colaborativa.

Engraçado porque as empresas tecnológicas foram as primeiras a adaptar-se ao context de teletrabalho e, de repente, vocês também se sentem a necessidade de dizer ‘temos de ter contacto humano’...

Sem dúvida, é absolutamente crítico. As empresas tecnológicas foram, naturalmente, as primeiras a avançar, porque já tinham os meios e as ferramentas à sua disposição. E deixe-me aproveitar para fazer um parênteses: as empresas tecnológicas não são apenas aquelas que prestam serviços tecnológicos. Um banco é hoje uma empresa tecnológica. Uma seguradora é uma empresa tecnológica. Um hospital é, também, uma empresa tecnológica. Na verdade, eu diria que, hoje em dia, não há nenhum negócio — seja um organismo público ou uma empresa privada — que não tenha a tecnologia como base e alavanca fundamental para o seu funcionamento. Se, por exemplo, um hospital não for uma empresa tecnológica, terá sérias dificuldades em tratar dos seus pacientes (ou clientes), em gerir os seus processos administrativos ou de pagamento. A tecnologia é, portanto, uma base comum a todas as organizações que operam no mercado. E é nesse contexto que atuamos: apoiamos as empresas neste processo de digitalização e de suporte tecnológico, para que possam ser mais eficientes e prestar um melhor serviço ao seu cliente, focando-se verdadeiramente no seu core business.

Olhando ainda para o mercado de trabalho: vocês estão também descentralizados em relação a Lisboa, apesar de uma grande parte do vosso negócio em Portugal estar concentrada aí. O que significa, na prática, essa descentralização? Onde é que estão presentes e por que razão escolheram esses locais?

Além de Lisboa, estamos também em Proença-a-Nova, onde temos um centro de competência — o nosso Digital Center, como lhe chamamos — e estamos ainda nos Açores. Começando por Proença-a-Nova: esta presença surgiu da necessidade de acompanhar um dos nossos principais parceiros tecnológicos, a OutSystems, que ali criou também um centro tecnológico. Como somos um dos principais parceiros da OutSystemsem Portugal, quisemos acompanhar esse movimento e estabelecer ali um centro de desenvolvimento. Este polo tem permitido duas coisas muito relevantes. Primeiro, responder à realidade que se acentuou durante e após a pandemia, em que muitas pessoas saíram das grandes cidades. Havia uma necessidade real de criar uma referência para quem está fora dos centros urbanos. Hoje temos em Proença-a-Nova pessoas de várias localidades da região: Castelo Branco, Portalegre, Guarda, Coimbra — e da própria vila de Proença. Criámos, assim, uma identidade e uma estrutura de apoio para estas pessoas, que podem continuar a viver fora dos grandes centros urbanos, com mais qualidade de vida, mas com um ponto de ligação à empresa. Isto permite-nos não só aceder a talento qualificado que é formado nestas regiões, como também reter esse talento, ao oferecermos condições de trabalho sem obrigar à deslocação para Lisboa ou outras grandes cidades. Nos Açores, o racional é muito semelhante. Estamos a falar de uma Região Autónoma, com autonomia financeira e administrativa, e a nossa presença ali permite-nos estar mais próximos do centro de decisão regional e responder melhor às necessidades específicas daquela realidade.

Em 2024 tiveram um crescimento de 62,2%. Quais foram os principais fatores que explicam esta aceleração em Portugal?

Antes de mais, é importante contextualizar que a nossa empresa funciona com base em planos estratégicos. Até recentemente, estávamos a seguir um plano denominado Marte 2025, que previa alcançar um determinado volume de negócios e uma certa dimensão à escala global até ao ano de 2025. O que aconteceu foi que antecipámos esse objetivo — ou seja, conseguimos atingir as metas previstas para 2025 já em 2024, um ano antes do planeado.

Aconteceu em 2024 e agora criaram o plano Hiperspace 2029 Hiperspace. Porque é que está sempre direcionado para o espaço?

Trata-se de uma visão de crescimento. Uma visão de futuro, sem limitação espacial — sem limites. Repare: em 2024, crescemos cerca de 62%, e esse crescimento aconteceu por duas vias. Por um lado, através do crescimento orgânico, ou seja, aquele que resulta da nossa própria operação — contratação de pessoas, aumento do número de clientes e do volume de negócios. Por outro lado, também crescemos por via da aquisição. Em 2024, realizámos a nossa primeira aquisição em Portugal.

Com a integração da empresa KinetIT.

A KinetIT, uma empresa especializada em desenvolvimento OutSystems, era o nosso core business na altura da aquisição. Com essa integração, crescemos em cerca de 60 profissionais, o que permitiu aumentar significativamente o nosso volume de negócios. Fechámos o ano de 2024 com um volume de negócios de 11,5 milhões de euros, resultado claro destas duas dimensões de crescimento que, para nós, têm de coexistir: o crescimento orgânico e o crescimento por aquisição. Com isso, conseguimos concretizar o plano Marte 2025 — não apenas em Portugal, mas também nas outras geografias onde operamos —, o que nos permitiu retomar o pensamento estratégico sobre o futuro: qual seria o próximo plano? E assim nasceu o Hyperspace 2029, o novo plano que nos guiará até 2029, com o objetivo ambicioso de alcançar um volume de faturação global próximo dos mil milhões de euros. Este plano é também desdobrado por geografias, com a meta de estarmos no top 10 das empresas tecnológicas a operar em cada uma dessas regiões.

Em Portugal também?

Portugal não é exceção — é, aliás, uma das principais geografias do grupo. Espanha é atualmente o nosso maior mercado, seguida pela Costa Rica, que funciona como um centro tecnológico estratégico na América Latina. Portugal surge logo depois, com um crescimento também bastante acelerado. O plano Hyperspace 2029 continuará a assentar nestas duas dimensões de crescimento: por um lado, o crescimento orgânico — continuamos a contratar e a expandir a nossa operação, ao ponto de, como referi anteriormente, as nossas instalações começarem a ser pequenas para a dimensão atual da empresa —; por outro lado, o crescimento por aquisição. Estamos ativamente no mercado à procura de oportunidades estratégicas que nos permitam reforçar a nossa presença e capacidades.

Ou seja, vão às compras aqui em Portugal, é isso?

Estamos ativamente “às compras” em Portugal. Já fizemos uma aquisição no ano passado e pretendemos continuar esse caminho, com mais aquisições no mercado nacional.Estamos também a olhar para outras geografias, claro — faz parte da nossa estratégia global —, mas, focando-nos em Portugal, posso dizer com toda a clareza: estamos no mercado, atentos e preparados para avançar com novas oportunidades.

Qual é o investimento que querem fazer nessas compras em Portugal?

Isso depende muito do nosso objetivo estratégico e do perfil das empresas que procuramos. Temos um conjunto de critérios bem definidos que orientam esse caminho.Nos últimos anos, uma parte significativa do nosso crescimento tem vindo do setor público — cerca de 60% do nosso volume de negócios provém dessa área. É um setor que tem investido bastante, impulsionado também pelos fundos do PRR. No entanto, o que pretendemos agora é equilibrar esse volume de negócios entre diferentes setores. Procuramos, por isso, empresas que tenham uma presença efetiva em áreas complementares ao nosso foco atual. Mais concretamente, estamos interessados em empresas com presença forte nos financial services — como banca e seguros —, no setor da energia e utilities, e também na área da saúde. Estas são as três grandes áreas onde queremos reforçar a nossa atuação, em complemento com o setor público, que continua num contexto de forte aceleração digital — um movimento para o qual temos contribuído ativamente. Acreditamos que esta complementaridade com setores que já têm uma certa maturidade digital, mas que ainda têm um caminho relevante a percorrer, é fundamental para o próximo passo da nossa estratégia.

Esses são os setores também mais concorrenciais neste momento.

É verdade — e esses setores de que falávamos são também áreas onde temos vindo a consolidar conhecimento, muito por via da experiência das nossas pessoas. Repare: quando contratamos, não procuramos apenas competências técnicas ou soft skills — como a capacidade de comunicação ou o trabalho em equipa. Procuramos também profissionais que tragam consigo experiência e conhecimento específico em determinados setores de atividade. Acredito firmemente que essa combinação — entre competências técnicas, relacionais e conhecimento setorial — fará toda a diferença nos próximos tempos.

E olhando para o setor Público em Portugal, quando falamos da modernização administrative, qual é que é a evolução que vocês notam?

Notamos uma evolução muito relevante. Li, aliás, um dado recentemente que me pareceu particularmente interessante: 95% dos serviços públicos já estão, de uma forma ou de outra, disponíveis online — seja pela capacidade que temos de interagir diretamente com esses serviços e realizar ações, seja pelo simples acesso à informação. Este é um indicador muito significativo do ponto de vista do processo de digitalização da Administração Pública. Naturalmente, uma coisa é podermos interagir com um serviço público; outra, bem diferente, é a eficiência com que esse serviço consegue, internamente, gerir os seus processos digitais e responder de forma célere e eficaz às solicitações dos cidadãos. O que nos parece é que estamos, de facto, a caminhar na direção certa. Há investimentos substanciais a ser feitos nesse sentido. Mas há também ainda muito trabalho por fazer. Esse trabalho, aliás, não termina com o fim do PRR. A execução dos fundos está prevista até junho de 2026, mas acreditamos que está a ser criado um movimento estrutural, que vai muito além da vigência dos fundos. É um caminho que terá continuidade — porque a transformação digital da Administração Pública não pode parar com o fim do financiamento europeu.

Temos estado em sucessivas eleições legislativas. As mudanças são negativas para esta evolução da modernização do Estado?

Pessoalmente, acho que não. Não creio que esta transformação vá parar — e explico porquê. Em primeiro lugar, há este movimento de mudança de que falávamos há pouco e que, uma vez iniciado, venceu aquela inércia inicial. E isso é já, por si só, muito significativo. Por outro lado, há também os prazos definidos pela União Europeia para a execução do PRR. Tivemos recentemente, aliás, uma reprogramação do plano — anunciada na passada sexta-feira — e isso demonstra que o PRR nos trouxe não só financiamento, mas também uma nova forma de trabalhar e de encarar estes processos.Esta transformação deixou de estar totalmente dependente das flutuações ou variações da política nacional. Os processos passaram a obedecer a um calendário e a um plano rigoroso, o que induz uma forma diferente da Administração Pública olhar para as suas responsabilidades e prioridades. Na minha perspetiva, ganhámos alguma imunidade face às instabilidades políticas. E isso trouxe — e continuará a trazer — mais eficiência na execução desta transformação digital. Acima de tudo, é algo muito positivo. Para os cidadãos, claro, mas também para os agentes do Estado, para os funcionários públicos, para todos os que lidam diariamente com o serviço público. Esta é uma oportunidade única para dotar a Administração Pública de ferramentas e processos mais ágeis, com maior controlo, eficiência e qualidade nos serviços prestados.

Temos um ecossistema de empreendedorismo muito forte em Portugal e dentro da Europa. Como é que este país pode fazer a diferença nesse contexto?

Portugal tem-se afirmado, nos últimos anos, como um país atrativo para centros de competência internacionais. Este movimento começou a intensificar-se por volta de 2020, durante a pandemia — embora já existissem sinais antes disso. Hoje, temos em Portugal muitos centros de competência internacionais, o que é naturalmente positivo para a economia, mas que também gera uma concorrência interna significativa pelo talento qualificado. Esta atratividade começou com a instalação de vários centros internacionais no país, por várias razões. Desde logo, o ecossistema de startups em Portugal desempenhou um papel fundamental na criação de uma imagem de país inovador e tecnologicamente avançado. Depois, há um fator crucial: a qualidade da nossa academia. As universidades portuguesas têm capacidade para formar profissionais altamente qualificados, com forte preparação técnica e científica. Soma-se a isso a facilidade linguística — muitos jovens portugueses falam inglês fluentemente, e em alguns casos é praticamente uma segunda língua. Hoje temos cursos superiores lecionados em inglês, e a produção científica já acontece maioritariamente nessa língua. Além disso, somos um país que sabe acolher. Isso atrai não apenas empresas, mas também talento — o que é importante tanto para reter talento nacional como para atrair profissionais estrangeiros qualificados. Este ambiente tem favorecido o surgimento de muitas startups, graças à combinação de talento, ideias, inovação e acesso a investimento. Mas também tem gerado uma concorrência natural entre empresas — veja-se o nosso caso: somos uma empresa portuguesa de capital espanhol, como muitas outras que operam hoje em Portugal após processos de aquisição por grupos internacionais. Ao mesmo tempo, conseguimos, a partir de Portugal, prestar serviços para outras geografias, em regime nearshore, com grande eficácia. E isto não acontece apenas em centros de competência ligados à tecnologia. Empresas como a Nokia ou a Siemens já há muitos anos que têm centros em Portugal. O mesmo vale para instituições financeiras — por exemplo, o centro da Natixis. Hoje, a concorrência pelo talento não vem apenas de empresas tecnológicas, mas também de empresas de diferentes setores que precisam de centros de competência em países como Portugal.

Porquê?

Porque aqui têm acesso a talento qualificado, com competências técnicas e linguísticas, capazes de prestar serviços de qualidade — e, sejamos claros, a custos bastante mais competitivos do que nas geografias de origem dessas empresas.

Terminamos da forma como começámos: o que acaba de dizer leva também a que uma empresa como a Babel tenha de ser bastante resiliente, num mercado de talento cada vez mais concorrencial, com multinacionais a apostarem em Portugal. Como é que isso tem sido feito e como é possível fazer em estruturas como a vossa?

Nessa matéria, acreditamos — como qualquer outra empresa, mas com convicção própria — que temos algo distintivo. Desde logo, pelos nossos valores principais: Somos uma equipaFazemos acontecer e Somos imparáveis. Estes três pilares orientam toda a nossa operação e têm-nos permitido criar um verdadeiro espírito de entreajuda e colaboração. O trabalho em equipa é muito valorizado, e procuramos garantir que, desde o primeiro dia, qualquer pessoa que se junte a nós se sinta parte integrante da equipa. O Fazemos acontecer traduz-se na nossa resiliência. Tal como qualquer organização, enfrentamos desafios, mas temos a capacidade de os superar. O facto de trabalharmos em rede com todas as geografias onde a Babel está presente permite-nos trazer competências complementares para os projetos em Portugal, quando necessário, garantindo que há sempre alguém com o conhecimento certo para fazer a diferença. Reutilizamos aprendizagens e experiências de projetos noutras geografias, e fazemos algo que consideramos muito relevante: transferir conhecimento entre setores — ou seja, aplicar soluções desenvolvidas num setor específico a contextos totalmente distintos. Isso tem funcionado muito bem no nosso percurso. Quanto ao sermos imparáveis, é isso que nos faz olhar para o futuro com ambição. Dá-nos a capacidade de traçar uma visão desafiante, mas alcançável — e já provámos que conseguimos chegar lá. Tudo isto nos torna, acreditamos, num verdadeiro polo de atração de talento. Continuamos a ser uma empresa que oferece oportunidades reais de evolução de carreira — seja através da participação em projetos desafiantes, seja pela forte aposta que fazemos na formação contínua. Temos programas de desenvolvimento de talento, programas de valorização e reconhecimento, e promovemos a evolução dos nossos colaboradores com base no mérito. A progressão pode ser vertical ou lateral, e incentivamos ativamente a mobilidade interna: se alguém quiser mudar de área tecnológica ou de conhecimento, apoiamos essa transição. No final do dia, ao conjugar todas estas dimensões, acreditamos que somos — e continuaremos a ser — uma empresa atrativa, que aposta nas pessoas, que lhes dá espaço para crescer e que vê nelas a sua maior força: são elas que impulsionam o nosso crescimento e que nos permitem mostrar, aos nossos clientes, o conhecimento que temos dentro de casa.

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