
Com uma nova imagem, a CropLife, antiga ANIPLA, realizou na última semana o seu primeiro congresso - pretexto para uma conversa com Felisbela Torres Campos, líder do organismo.
Que leitura faz dos resultados das eleições europeias em termos de política agrícola?
Independentemente dos resultados e de quem vier a tutelar os cargos de decisão, esperamos que a abertura ao diálogo e à tomada de decisão com base na ciência sejam uma realidade, uma vez que a sua ausência em muito prejudicou o trabalho na anterior legislatura. É urgente que este novo executivo seja capaz de criar condições para que os agricultores possam corresponder às necessidades de produção de alimentos em quantidade, acessibilidade e segurança para uma população.
Pensa que da nova configuração do Parlamento Europeu possa haver alguma alteração de fundo quanto aos compromissos com a sustentabilidade e o clima?
As preocupações com a sustentabilidade e com o efeito das alterações climáticas não irão modificar-se, esse tem de ser um desígnio internacional. A forma de o conseguir é que poderá ser diferente. Como indústria acreditamos que o caminho para endereçar as questões relacionadas com o impacto ambiental da agricultura é através da adoção de novas tecnologias e de abertura do setor à inovação. Isto já acontece noutras partes do mundo, onde ferramentas como novos produtos de proteção de plantas, biopesticidas, plantas adaptadas às alterações climáticas (através das novas técnicas genómicas), bem como a adoção alargada de ferramentas de agricultura digital e de precisão, estão disponíveis para o dia-a-dia dos agricultores. Além destas soluções, práticas como a agricultura de conservação, contribuem para o sequestro de carbono e aumento da resiliência do setor às alterações climáticas. Acreditamos que desbloqueando estas ferramentas na Europa, podemos ter uma grande contribuição para a política climática, bem como cumprir a missão de alimentar o mundo.
O setor que representa está confortável com o rumo da Europa em matéria agrícola e ambiental?
Temos a convicção que é através da inovação e tecnologia que poderemos otimizar a utilização de recursos naturais, e ajudar a atingir objetivos de conservação da natureza como a promoção e preservação da biodiversidade, o sequestro de carbono, enquanto continuamos a ajudar os agricultores a cumprirem a sua missão de produzir alimentos. Atualmente, a Europa encontra-se em contraciclo face a outras geografias na aprovação de tecnologias que têm potencial de concretizar estes objetivos, designadamente as novas técnicas genómicas, os biopesticidas, o uso de drones para aplicação de produtos de proteção de plantas ou mesmo pesticidas de última geração. Há que trabalhar os quadros regulamentares para que a evidência científica e uma justa avaliação de risco sejam tidas em consideração, de modo a não cairmos em bloqueios que podem prejudicar na mitigação dos efeitos das alterações climáticas e na produção de alimentos.
Há disponibilidade do setor para aceitar um menor impacto ambiental das suas produções, mesmo com perdas na faturação?
A sustentabilidade não acontece se não estiverem assegurados os seus três pilares: ambiental, social e económico. Como tal, a produtividade e rendimento dos agricultores têm de ser salvaguardados, por forma a que possam investir em melhores práticas ambientais. O que é facto é que hoje em dia, com a evolução da tecnologia e com os avanços da ciência, os agricultores já estão a conseguir diminuir a sua pegada ambiental ao mesmo tempo que produzem alimentos seguros e em quantidade suficiente para todos. Reiteramos, desta forma, a ideia de que um setor agrícola com menor impacto ambiental, não está dissociado de uma agricultura mais tecnológica e competitiva, bem pelo contrário. A tecnologia e inovação são fundamentais para alcançar a adaptação e mitigação das alterações climáticas.
As atuais opções alimentares estão compatíveis com uma agricultura sustentável?
Os atuais padrões alimentares, tal como nos vêm alertando as instituições ligadas à nutrição, terão de ser alterados por motivos de preservação da nossa saúde. De acordo com os especialistas, as dietas devem convergir, no sentido da nossa dieta mediterrânica. Como tal, sendo a dieta mediterrânica muito baseada em legumes, frutas, leguminosas e com a presença de proteína animal, acaba por ir ao encontro daquilo que são os produtos principais da nossa agricultura, ou seja, as frutas, os legumes, os laticínios e a pecuária extensiva. Todos estes produtos estão em condições de representarem boas opções alimentares, aliadas a uma agricultura sustentável. Assim, quer nas dietas alimentares, quer na agricultura devem fazer-se escolhas baseadas na ciência, que melhor correspondem aos compromissos de sustentabilidade, e que contribuem para a saúde dos consumidores, optando por produtos produzidos em Portugal e na Europa, e respeitando a sazonalidade. Sabendo de antemão, que o que é produzido na Europa tem qualidade e é seguro.
Os agricultores estão preparados para as novas exigências que o clima impõe nas culturas?
Os agricultores estão, de forma contínua, a procurar fazer face a exigências climáticas cada vez mais complexas e estão, sem dúvida, cada vez mais preparados. Contudo, reconhecemos que há ainda um longo caminho a trilhar no que respeita à inovação e avanço científico, de modo que a adaptação às alterações climáticas seja mais efetiva. Por exemplo, a biotecnologia será chave para adaptar melhor as culturas às condições de seca e calor, que se agravam ano após ano, sendo que esta tecnologia tarda em ser implementada em solo europeu. Por oposição, no tema da água, a tecnologia para a sua gestão na irrigação é hoje muito avançada, mas a sua escassez e gestão do armazenamento em grande parte do nosso território ainda não foi solucionada. Assim, para aumentar a resiliência do setor aos fenómenos extremos, teremos de ter uma ação política célere e assertiva, relativamente à gestão da água e das tecnologias.
Qual o papel da indústria que representa na promoção da mudança dos sistemas agrícolas?
Perante os enormes desafios e constrangimentos a que hoje a produção de alimentos está sujeita, a indústria assume um papel de cada vez maior cooperação e capacitação, disponibilizando informação, conhecimento e ferramentas que possam contribuir para a evolução e adaptação do setor às necessidades globais.
Pode concretizar?
Sabemos que a indústria da ciência para a proteção das plantas assume um papel importante na promoção de sistemas agrícolas mais sustentáveis e é esse o trabalho conjunto que temos vindo a desenvolver. Quando falamos do desenvolvimento de produtos mais seguros e ecológicos (seja o caso dos biopesticidas e biofertilizantes, seja em formulações que tornam os produtos ambientalmente mais sustentáveis); quando falamos de agricultura digital e de precisão, de proteção integrada; de promoção de boas práticas agrícolas; primando por estabelecer padrões mais altos para a segurança e sustentabilidade. Somos um setor que, num diálogo tridimensional, envolve agricultores, reguladores e sociedade em geral. Foi precisamente nesse sentido que recentemente abraçámos a identidade CropLife Portugal, com a missão de tornar os profissionais do setor cada vez mais preparados, contribuindo para o enriquecimento da disponibilidade de soluções, permitindo-lhes, num ecossistema de enormes desafios, continuar a produzir alimentos de forma segura e sustentável.
Como vê a situação da agricultura portuguesa no contexto da sustentabilidade?
Portugal carrega consigo uma tradição e herança agrícola muito forte, tem o privilégio de ter uma diversidade climática e agrícola muito ricas, contudo, enfrenta, como todos os outros países, enormes desafios ambientais, económicos e sociais que impactam a sua atividade. A adoção de práticas agrícolas sustentáveis (de que é exemplo a agricultura de conservação), a introdução da tecnologia nas produções (de que é exemplo a agricultura digital e de precisão) são avanços notáveis e aos quais não podemos ficar indiferentes no caminho para a sustentabilidade; por outro lado, a competitividade dos mercados, a exposição a fenómenos extremos e os desafios que se impõem à gestão dos recursos, representam ainda muitas barreiras que é preciso ultrapassar.