Com a nomeação no fim-de-semana dos ministros dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente, o presidente eleito Jair Bolsonaro fechou o seu governo com 22 ministérios em vez dos 15 prometidos em campanha eleitoral..Como em política as aparências contam, Bolsonaro ter deixado para o fim aquelas duas pastas dá bem uma noção de quais são as suas prioridades – afinal, o Brasil desistiu de receber a maior conferência mundial sobre clima, cuja organização ainda há dois meses tinha sido celebrada por Michel Temer, hoje visto, imagine-se, como um paradigma de modernidade..Desses dois ministros, que encerraram mês e meio de convites a conta-gotas, ouviram-se, no entanto, algumas das melhores pérolas do bolsonarismo..Sugeriu Ricardo Salles, o novo ministro do Meio Ambiente, usar a bala, até porque a pólvora é o fetiche do novo regime, contra “três pragas”: o javali, a esquerda em geral e o Movimento dos Sem Terra, uma organização social que defende a reforma agrária..Salles, que é alvo de uma ação por fraude ambiental, foi descrito pelo Observatório do Clima, uma organização ecologista, como “um ajudante de ordens” da ministra da agricultura nomeada, Tereza Cristina, a deputada que lidera a chamada Bancada do Boi, grupo supra-partidário criado para defender o lóbi dos latifundiários. Ele próprio foi sugerido para o governo pelas organizações ligadas aos grandes proprietários e, por isso, os mais interessados em desmatar a Amazônia, pulmão do Brasil e do planeta Terra..Antes de Salles, foi apresentada a ministra dos Direitos Humanos Damares Alves, pastora do culto Evangelho Quadrangular que recusa encarar o aborto como questão de saúde pública, apesar das milhares de mortes a cada ano de mulheres pobres em operações clandestinas. Ela acredita ainda que “será a igreja evangélica, e não o governo, a mudar o Brasil”..Para Damares, que assessorou um deputado que quis legislar sobre a cura gay, “ninguém nasce homossexual”. Ela, que assessorou também Magno Malta, o grotesco pastor íntimo de Bolsonaro, disse ainda que “a mulher nasce pra ser mãe mas infelizmente tem que ir para o mercado de trabalho”..Antes já dois ministros, o da Relações Exteriores e o da Educação, haviam feito manchetes com as suas opiniões. Para o primeiro, Ernesto Araújo, o presidente dos EUA é uma espécie de salvador do mundo, alguém que, escreveu, “atua na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais”..“Somente um Deus”, defendeu, “poderia salvar o Ocidente, um Deus [presume-se que Donald Trump] operando pela nação – inclusive e talvez principalmente a nação americana”..Araújo é um pregador contumaz contra o que chama de “marxismo cultural vigente”, onde se inclui a teoria do aquecimento global, mais ou menos a mesma visão de Ricardo Vélez, o novo titular da educação para quem existe no Brasil “uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista”..Vélez acha ainda que a data do golpe de 1964, que resultou numa ditadura militar, deve ser lembrado e comemorado..Nas escolas, sob Bolsonaro, vai portanto glorificar-se a ditadura militar, omitir-se um pensador incontornável, nem que seja para o detestar, como Marx e ensinar que a homossexualidade tem cura, logo é doença. Até já se fala em trocar o darwinismo pelo criacionismo. Será que o terraplanismo vai ser estudado?.Na política externa, vai demonizar-se o aquecimento global e adotar-se uma política de seguidismo bovino ao mais imbecil de todos os presidentes americanos..Nas políticas sociais, os radicais evangélicos – leia-se Edir Macedo, Silas Malafaia e outros charlatães - vão ditar o ritmo. No ambiente, a Amazônia será vista como alvo a abater em nome de mais uns tostões para desgraça do Brasil, do mundo e do Brasil aos olhos do mundo..E, caso alguém discorde, bala em toda a gente..Mas se Bolsonaro mentiu em campanha no número de ministros, no conteúdo do seu governo está apenas a ser coerente com tudo o que prometeu: ele prometera, por outras palavras, que se votassem nele, no dia 1 de Janeiro o Brasil regressaria, feliz e contente, a 1919.