Filhas de José Eduardo dos Santos não correm risco de detenção, garante PGR de Angola

Vice-procurador de Angola, Mota Liz, garantiu que as descendentes do antigo presidente angolano poderão entrar e sair do país para o funeral
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As filhas de José Eduardo dos Santos podem entrar e sair de Angola nesta altura, sem recearam uma possível detenção. A garantia foi dada esta segunda-feira pelo vice-procurador angolano, Mota Liz, citado pelo diário angolano, Novo Jornal.

Mota Liz, que falava no velório do antigo presidente de Angola, (cujo corpo ainda não foi trasladado de Barcelona, onde morreu na passada sexta-feira), declarou que não "se prendem pessoas em dias de óbito, a própria Lei exclui essa possibilidade". De acordo com aquele jornal, Mota Liz afirmou que "é preciso que haja consenso da família para não prejudicar aquilo que é património da nação".

"O Presidente José Eduardo dos Santos, apesar de ser da família, é património da nação e é preciso que haja bom senso da família para não prejudicar aquilo que é a nação. Nem se prendem pessoas em dias de óbito, a própria lei exclui essa possibilidade. Mas a prisão não é o remédio, os seres humanos têm de conversar sempre", remetendo para as negociações que estão a decorrer para que as cerimónias fúnebres possam decorrer em Angola.

Também Francisco Queiroz, o ministro angolano da Justiça e dos Direitos Humanos fez questão de salientar que acredita no bom senso da família de José Eduardo dos Santos para permitir que o ex-governante seja sepultado na sua terra natal. No entanto frisou que "a família tem, de facto, a última palavra neste domínio. Embora seja uma questão de Estado, mas essa matéria não pode passar ao lado da família".

Afirmação secundada pela socióloga angolana, Luzia Moniz, que à agência Lusa declarou que o corpo de José Eduardo dos Santos "pertence aos familiares", segundo as tradições do país.

Para Luzia Moniz, o impasse que persiste sobre o destino do corpo de José Eduardo dos Santos engloba a perspetiva do direito tradicional, mas o cerne da questão "é, sobretudo, política".

O "futuro de Angola" é, no entender da socióloga angolana, o cerne desta discussão que não se restringe apenas à realização de um funeral de Estado ou o provável alívio das tensões entre a família de José Eduardo dos Santos e o atual Presidente angolano, João Lourenço. "O que está em discussão é o futuro de Angola, porque dependente de como for e onde for o funeral de José Eduardo dos Santos estará também dependente disto o futuro político de João Lourenço. E se nós pensarmos nisso estaremos também a pensar no futuro de Angola", disse Luzia Moniz que considera ainda que a campanha eleitoral para a eleições gerais de agosto próximo será a discussão à volta do corpo do antigo presidente angolano.

José Eduardo dos Santos, que governou Angola durante 38 anos, morreu numa clínica em Barcelona, Espanha, onde esteve internado há semanas em coma induzido, foi também líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido que governa o país desde 1975.

As autoridades espanholas anuíram a realização de uma autópsia ao seu cadáver na sequência de uma providência cautelar interposta pelas filhas, que defendem a realização do seu funeral em Barcelona.

Welwitchia "Tchizé" dos Santos é uma das filhas de José Eduardo dos Santos que reiteradas vezes critica e responsabiliza o Governo angolano, sobretudo João Lourenço, pela morte do pai.

Angola cumpre hoje o terceiro dos sete dias de luto nacional decretado pelo Presidente angolano, que criou também uma comissão interministerial para tratar das exéquias de José Eduardo dos Santos, sendo que alguns membros da mesma se encontram em Barcelona para "desbloquear" o cadáver.

Luzia Moniz considera, por outro lado, que os angolanos vivem, "há muito tempo, numa contradição, pelo facto de o poder político ter adotado quase todas as leis com base ao ordenamento jurídico de Portugal, que tem como base o direito europeu e não o direito costumeiro angolano".

"Nós abandonamos e não introduzimos na nossa Constituição o direito costumeiro, porque mesmo que José Eduardo dos Santos morresse em Angola em termos de direito positivo estaríamos a passar por isso em que estamos a passar".

"O corpo não pertence ao Estado, pertence à família, e mesmo em termos do nosso direito costumeiro pertence à família, mas mesmo no nosso direito costumeiro a família não se limita à família nuclear, que é pai, mãe e filhos, a família é ampla", recordou.

Segundo a socióloga, "há uma subordinação etária nas nossas relações de parentesco e essa subordinação etária significa que os mais novos são tutelados ou se submetem à decisão dos mais velhos".

Isso "significaria Isabel (dos Santos), Tchizé a submeterem-se à decisão de Marta e Luís dos Santos (irmãos de José Eduardo dos Santos), mas nós não estamos perante isso, estamos perante um direito que entra em contradição com o nosso direito costumeiro", sublinhou.

"Então, à luz desse direito o corpo pertence à família e quem decide onde levar e como fazer com o corpo, não tendo o falecido deixado nada escrito, são os filhos e o cônjuge", frisou.

A também jornalista fez também alusão à figura de Ana Paula dos Santos, viúva de José Eduardo dos Santos, "contestada pelas filhas por suposto abandono do pai", considerando estar-se diante de "mais uma batalha para se enfrentar".

"Elas (as filhas) ainda levantam essa questão, se aquela senhora (Ana Paula dos Santos) ainda é cônjuge, então estamos perante muitos problemas", apontou.

"E do que sair desta questão, e seja qual for a decisão, o Presidente João Lourenço já é um derrotado, porque à luz da Constituição o Presidente João Lourenço é um dos presidentes mais poderosos do mundo", disse.

Luzia Moniz acrescentou: "Ele (João Lourenço) tem esses poderes e os exerceu ao longo desses cinco anos, só que, ironia do destino, apesar daqueles todos poderes ele precisa da Tchizé e Isabel para sobreviver politicamente, e isso é uma derrota".

A conhecida socióloga angolana defendeu também que João Lourenço poderia optar em abraçar a ideia do funeral de JES ser realizado apenas depois das eleições gerais, "como é pretensão de uma das filhas", referido que este seria um "mal menor".

Mas, "esse mal menor", observou, é outra derrota porque João Lourenço precisa do cadáver de José Eduardo dos Santos, porque na nossa cultura africana e judaico-cristã não há luto e óbito sem cadáver, é preciso o cadáver para fazermos o luto e João Lourenço precisa de politicamente disso".

"Até porque ele vive uma guerra civil dentro do seu partido. Os "eduardistas" não são poucos dentro do país, aquelas manifestações, verdadeiramente espontâneas, pelas redes sociais de populares a chorarem com cânticos e responsabilizando João Lourenço pela precipitação da morte de José Eduardo dos Santos, isso significa que o povo adotou a narrativa da Tchizé", salientou.

João Lourenço "está em condição de desvantagem" e deveria dar sinais de distensão como liberar 'Zenu' (José Filomeno dos Santos, filho varão de José Eduardo dos Santos) para ir ao encontro da família e não o manter como uma espécie de refém dependente do que vai acontecer".

"Ele precisa de fazer aquilo que na nossa linguagem chamamos de "boa muxima" (dar sinais de abertura e proximidade). João Lourenço precisa de fazer "boa muxima" e então esse um sinal de "boa muxima", libertar o Zenu para neste momento difícil estar com a família em Barcelona", assinalou.

"O outro sinal era libertar os meios de comunicação social de forma que a voz da Tchizé passasse na televisão, porque a Tchizé é uma espécie de porta-voz dos filhos que não querem entregar o corpo a João Lourenço. Aquele discurso truculento, ameaçador não é bom", rematou Luzia Moniz.

O Presidente angolano, João Lourenço, procedeu esta segunda-feira, em Luanda, a abertura oficial de um velório público em memória a José Eduardo dos Santos, a quem sucedeu após as eleições gerais de 2017.

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