
O Direito foi uma escolha natural, influência involuntária do pai, um conhecido advogado do Porto, e do primo direito João Calvão da Silva (1952-2018), ministro da Administração Interna do breve governo minoritário de Passos Coelho, jurisconsulto e reconhecido professor da Universidade de Coimbra.
Foi em Coimbra que Filipa Urbano Calvão nasceu, a 31 de dezembro de 1970, dois anos depois de Francisco, seu único irmão, igualmente advogado. Às origens paternas transmontanas, a recém-nomeada presidente do Tribunal de Contas, de 53 anos, soma a ascendência beirã. A quinta de Recardães (Águeda), propriedade que a avó Flora partilhava com três irmãs, foi o palco da infância e adolescência, tal como fora de sua mãe. No Natal, Páscoa, férias grandes, ali reuniam irmãos e primos, marcados pela presença das quatro matriarcas, inseparáveis.
“Encontros alegres e divertidos, muito felizes” recorda Constança Urbano de Sousa, cuja mãe é prima direita da mãe de Filipa, “uma menina de estatura pequena, personalidade muito viva, muito alegre e determinada”. A jurista, ministra da administração interna entre 2015 e 2017, é três anos mais velha e diz que a memória da quinta da família marcou diversas gerações. Até hoje: “Os natais e as férias grandes desapareceram, mas uma vez por ano, na Páscoa, juntamo-nos num local próximo para celebrar aquela vivência maravilhosa.” Um almoço que reúne cerca de 70 convivas, “a que a Filipa, mantendo inalterado o sorriso contagiante de infância, nunca falta.”
O lado Urbano, sobretudo com as gerações mais novas, seguiu igualmente o caminho das leis. Urbano de Sousa - que foi aluna em Coimbra, e sucessora no MAI, de João Calvão da Silva - mas também Benedita Urbano, a prima conselheira do Tribunal Constitucional.
De Filipa, Constança destaca “a competência técnica, o rigor, a excelência na área do direito público”. “A determinação e os princípios”. “A capacidade para gerir pessoas, o trato cordato.” Mas exigente, acrescenta.
Com mestrado (1997) e doutoramento (2009) pela Faculdade de Direito de Coimbra, especialização em Ciências Jurídico-Políticas, foi na Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto, a cidade onde cresceu e vive, que obteve a licenciatura, fazendo parte de um curso, o de 93, considerado brilhante. “Deu vários professores à Católica”, lembra o professor universitário Azeredo Lopes. Releva em Filipa “o pensamento estruturado e a consistência”. E uma característica essencial num jurista: “Fiabilidade.”
Professora de Montenegro
Filipa Urbano Calvão obteve a segunda melhor média do curso. “Uma aluna de mérito, que não se enclausurou no Porto, como tantas vezes acontece com os nossos juristas”, diz Tomás Cantista, colega de curso.
Apenas António Frada suplantou a média de Urbano Calvão. Recorda uma jovem “muito descontraída, ótima aluna, mas com tempo para fazer outras coisas. Tempo também para se divertir, desde logo na Queima das Fitas. A Filipa não era marrona”.
O amigo refere “uma vertente também muito importante” - a docência. “A Filipa é uma ótima professora; foi sempre, desde muito jovem. Tem imensa empatia com os alunos”.
Convidada pela Católica para lecionar mal terminou o curso, estreou-se partilhando uma cadeira com Paulo Rangel, dois anos mais velho. “Era uma cadeira do 5.º ano que, por acaso, tinha como aluno Luís Montenegro”, recorda António Frada, também ele, à época, professor do primeiro-ministro.
“Julgo que esse conhecimento da competência da Filipa não terá sido alheio ao convite para presidir à Comissão Nacional de Proteção de Dados” (CNPD), em 2012, era o primeiro-ministro líder da bancada laranja. “É minha perceção que a Filipa é uma pessoa de esquerda, mais próxima do PS do que do PSD; e Luís Montenegro sabe disso”.
O convite, que a levou a suspender a advocacia, “foi um marco”, diz o amigo. “Até então, a vida da Filipa era entre Porto e Coimbra. A partir daí, deu o salto”.
Urbano Calvão chegou à CNPD apostada a marcar a instituição. “Deu-lhe uma alma” refere Azeredo Lopes, reconhecendo na amiga “o perfil típico do alto dirigente da coisa pública”. Sem receio de usar uma mão pesada, porém “sem espalhafato ou alarme”, acrescenta o antigo ministro da Defesa. Trata-se de alguém avesso a protagonismo. “É muito simpática, muito sorridente, mas discreta. Se num salão de amigos ocupa lugar sem ter de fazer por isso, num salão formal não quer protagonismo”.
Nunca hesitou em aplicar multas, trate-se do Estado ou das autarquias. Pesadas: 4,3 milhões de euros ao Instituto Nacional de Estatística por fornecimento abusivo de dados a uma empresa contratada no âmbito da realização dos Censos de 2021; 1,25 milhões de euros à Câmara de Lisboa, na sequência do escândalo “Russiagate” - processos contestados por ambas as entidades. Multa elevada também à Câmara de Setúbal, por esta ter entregue a recolha de dados de refugiados ucranianos a dois cidadãos russos. Porém, não é fácil quem assuma críticas a Urbano Calvão. “Não é o tempo de colocar defeitos. Esses ficarão para mais tarde”, dizem.
Depois de ter cessado funções na CNPD, em meados do ano passado, passou a colaborar com o escritório de advogados Sérvulo Correia, na qualidade de consultora externa, mantendo-se ainda como investigadora da Católica na área do Direito. É professora e investigadora no Católica Research Centre for the Future of Law e autora de diversas monografias e artigos na área do direito público, em especial do direito administrativo.