O dean da Católica Lisbon diz que o interesse em melhorar competências subiu e que a escola que lidera tem mesmo tido um aumento significativo de candidaturas, até de estrangeiros. E fala dos planos de expansão, que passam por um novo campus, a abrir em 2023, com um investimento de 50 milhões.
Há muitos desafios também no ensino superior. Que lições é que retiramos deste tempo e o que vão ficar para o futuro?
No ensino superior apesar da surpresa inicial, correu marcadamente bem – e não só na Católica. Mas as condições eram mais propícias. Nós fizemos recentemente um inquérito aos alunos e a maior parte dos universitários têm acesso a computador, à internet. Os professores também. E apesar de haver alguma resistência natural intrínseca há muito tempo que se fala em ensino digital. As universidades em geral moveram-se muito pouco neste caminho e de repente, numa semana, tiveram de estar a dar aulas online, e conseguiram. As pessoas perante a falta de alternativa deram esse passo e não houve praticamente interrupção. O ano correu bem, as avaliações foram online e acho que também os alunos são mais maduros, têm mais responsabilidade e houve uma reação positiva à transição.
E o novo ano letivo, como será?
Os alunos disseram-nos que a adaptação ao ensino online foi boa, mas a maioria (60%) ainda acha que consegue manter a atenção e aprender mais presencialmente. Cerca de 30% gostaram das aulas online e alguns até sentiram que aprenderam mais, mas claramente o ensino presencial ainda deve ser dominante exceto em certos nichos – e é esse o plano que temos para o próximo ano. No ensino superior e na Católica em particular estamos numa situação privilegiada no sentido em que os alunos querem esse direito de ter acesso e entrar na universidade. Não vamos ter redução de procura neste ano, pelo contrário, temos notado aumento de procura. E curiosamente, os nossos mestrados tiveram um aumento de 30% de candidaturas internacionais.
Isso quer dizer que os estrangeiros nos veem como um país seguro, apesar da pandemia?
Sim, eu acho que houve ali um fenómeno que em parte é estrutural e em parte conjuntural. No período de candidaturas – de março a maio –, a situação de Portugal era muito favorável face a Espanha, França, Itália, e ao mesmo tempo sentem que Portugal reagiu bem à crise, é um país seguro, tranquilo e com universidades de qualidade. Um segmento de que as pessoas não falam mas que se aguentou muito bem é o turismo de educação. Todo o turismo foi arrasados: férias, eventos... menos o de educação. Nós, por exemplo, vamos ter 250 alunos estrangeiros de mestrado, muitos deles da Europa do norte – alemães, italianos, escandinavos – que decidiram passar ano e meio em Portugal a estudar. Isto é só na Católica Lisbon, no mestrado. Ao nível do ensino superior deve haver dezenas de milhares. São pessoas que ficam um ano e meio, aprendem a língua, alugam casa, têm atividades, alguns se calhar ficam depois do seu programa a lançar uma startup ou a trabalhar. Aqui é mais difícil porque os níveis salariais são muito diferentes entre, por exemplo, a Alemanha e Portugal, mas temos notado que há muitos alunos alemães no segmento da inovação e do empreendedorismo que ficam. As candidaturas internacionais aos mestrados aumentaram mais de 30%, vamos ter mais alunos estrangeiros a entrar. As candidaturas ao nosso International Undergraduate Program, a vertente internacional do nosso programa, aumentou cerca de 50%, e é um misto de alunos portugueses que querem um programa internacional, alunos de escolas internacionais em Portugal e alunos estrangeiros que vêm para cá.
Nas licenciaturas houve algum receio de que pudesse haver menos candidaturas porque as famílias estão depauperadas?
Neste ano não faz sentido. É um problema que se poderá levantar no futuro. A crise ainda é muito recente, estamos num processo de hibernação e ajustamento e o ensino superior é visto como uma prioridade. É das últimas coisas a serem adiadas, porque as opções neste momento são muito poucas. Há quem pense: não vou já para a universidade, vou trabalhar; mas arranjar emprego neste ano é quase impossível. Ou, vou fazer um gap year e viajar durante um ano...
Também não se pode viajar…
Isso, portanto a única opção é o ensino superior. Eu acho que não vai haver redução de candidaturas, pelo contrário, até poderá haver subida. O potencial acentuado da quebra económica e da quebra dos rendimentos das famílias, do fim das moratórias e do aumento do desemprego poderá ter um efeito no ano seguinte, mas não neste.
Há novidades da Católica para anunciar nos próximos dias...
Isto é uma estratégia que já temos vindo a seguir desde o ano passado mas que agora se tem acelerado e tem que ver com um ponto mais fundamental. Eu acredito na inovação social e a Católica Lisbon também acredita que muita da resposta para os desafios que enfrentamos tanto a nível nacional como de desenvolvimento sustentável ao nível global vai partir das empresas e da sua responsabilidade enquanto ator económico fundamental, da existência de boas políticas económicas. Boa gestão e boa economia são grande parte da solução para os problemas que o país e o mundo enfrentam e tem de ser parte dessa solução. Às vezes em parceria público-privada, às vezes em articulação como setor da inovação social. Há um grande papel que as empresas – e quanto maiores, maior a sua responsabilidade – têm perante os desafios que o mundo enfrenta. Temos vindo a criar projetos internos nesta área. No ano passado lançámos o center for responsible business & leadership exatamente para trabalhar com empresas e promover esta sinergia entre a estratégia da empresa e a sustentabilidade social e ambiental do planeta. Durante a pandemia, como contributo, criámos o PROSPER: Center of Economics for Prosperity – no fundo, como é que podemos desenhar melhores políticas económicas para promover a prosperidade, o bem-estar, a inclusão… Fizemos um estudo sobre o impacto da covid no emprego e lançámos esse estudo. Vamos continuar a fazer outros estudos muito aplicados e rigorosos que permitam desenhar melhores políticas económicas, são duas áreas em que estamos a trabalhar. A economia e os negócios ao serviço da sociedade.
Estamos a criar equipas nessa área e vamos lançar agora dois programas novos que são pioneiros. Um é o primeiro mestrado executivo em sustainable business and social innovation, que confere o grau de mestre se a pessoa fizer a parte da tese. Vai ser lançado agora para arrancar a 17 de outubro e visa exatamente criar um conjunto de quadros empresariais e empreendedores, inovadores sociais e agentes de política pública que saibam trabalhar no interface entre a estratégia empresarial, a sustentabilidade e a inovação social. Portanto, que permita que as empresas percebam a vantagem de abraçar os desafios da sustentabilidade e de os incorporarem não como responsabilidade social periférica ao seu negócio, mas como core da sua estratégia quer a nível nacional quer internacional. E eu acho que é importante, cada vez, mais mostrarmos os casos de sucesso, como pode haver um win-win entre as empresas e sociedade. Há hoje muito um discurso negativo contra o privado. Parece que é privado vs. público, o privado é mau, os interesses privados são maus, o público é bom. O que é bom é a governança, a transparência e a responsabilidade de cada um dos atores. E o ator empresarial tem um papel fundamental no desenvolvimento económico e social e deve continuar a assumir esse papel. E nós queremos ser parte dessa solução.
E a segunda novidade?
A segunda novidade é também nesta linha e na linha do aumento da digitalização. É um curso inteiramente online chamado Purpose Driven Business e que vamos lançar a 28 de outubro em parceria com a Fundação Gulbenkian, que vai dar algumas bolsas para participantes deste curso, que é mais curto, demora um ano, para quadros médios que queiram formar-se e receber um grau de mestre ligado ao Centre for Business and Social Innovation. É um curso de formação executiva curto mas desenhado de raiz para ser entregue online. Fizemos um conjunto de vídeos com CEO nacionais e internacionais sobre o tema do purpose driven business e temos um conjunto de casos de estudo que vamos explorar com os participantes.
Qual é o grande objetivo deste conceito?
O Larry Fink, CEO da BlackRock, lançou o desafio à comunidade empresarial mundial do profit with purpose e do Purpose Driven Business, que é um tema de que se fala muito hoje em dia mas que as pessoas ainda não conseguem corporizar e substanciar a sua estratégia. O que é isto de ter uma empresa com um propósito claro e como é que este propósito informa a estratégia e informa a alocação de recursos? É isso que o curso vai trabalhar com um conjunto de exemplos e de metodologias, ajudar quadros médios e superiores de empresas a perceber como é que podem encontrar um propósito orientador para a sua empresa, que se alinhe com os objetivos da sociedade e consiga criar um win-win entre a criação de valor para a empresa e a criação de valor para a sociedade. Nós não acreditamos naquela linha de “o que é bom para o privado é bom para o público, e vice versa” ou que um vai roubar do outro. Não. Com estratégias inteligentes as empresas podem criar valor para si próprias e para os seus stakeholders e para a sociedade ao encontrar soluções com escala para problemas que todos defrontamos. Na área da saúde, na área da inclusão, ambiental, inovação de produtos e processos. Este curso vai também dar exemplos muito claros e concretos e vai ser todo online. São dois exemplos, mas o ponto principal é querermos ter cada vez mais uma estratégia de conhecimento, aprendizagem e impacto. Alinhar tudo o que fazemos enquanto escola de referência em business and economics com o impacto social positivo na sociedade.
Há ainda o projeto de criar um campus novo para a área mais executiva da Católica, ali muito perto da Avenida Lusíada. Como é que está esse projeto?
Não é só na parte executiva. O campus na Universidade de Lisboa da Católica cresceu muito nos últimos 20 anos, mas manteve a sua instalação física e está no limite da sua capacidade. A Universidade tem potencial para crescer não só na Católica Lisbon, na escola de negócios, mas também na Faculdade de Direito e de Ciências Humanas. O que vai acontecer é a criação de um novo campus, o Veritati, do outro lado da Lusíada, que fica integrado e ligado ao campus atual da Palma de Cima, mas terá um edifício novo para onde vai mudar a nossa escola, permitindo libertar o nosso para as outras escolas da Universidade. Vai também ser criado um edifício multiusos para serviços gerais da universidade com um grande auditório de cerca de 850 lugares, uma dimensão que não existe muito em Lisboa. Há muitos auditórios de 500/600 lugares, alguns acima de mil, mas poucos neste range. Vai ser um potencial de expansão do campus de Lisboa da Católica.
A obra já arrancou?
Já temos o arquiteto identificado, o Carrilho da Graça, o projeto está desenhado e desenvolvido, estamos em articulações com a Câmara de Lisboa para o licenciamento e prevemos que em 2021 possamos arrancar com o concurso público e as obras em si. O objetivo era poder inaugurar em 2023, em setembro, que coincide com a vinda do Papa a Portugal para as jornadas da juventude. Estamos numa situação excecional, mas este é um projeto estratégico para a universidade e a pandemia é uma questão conjuntural de um ou dois anos e não se deve adiar projetos estratégicos para os próximos 10/15 anos por uma questão conjuntural.
O novo campus expande para quantos alunos?
Com esta expansão, vamos crescer em termos de alunos de programas de grau mais de 50%. Neste momento temos cerca de 2 mil alunos destes programas, mil em licenciatura e mil em mestrado. Vamos conseguir aumentar, muito pelo mercado internacional. Já mais de metade dos nossos alunos de mestrado são internacionais e o mercado europeu é enorme. Enquanto em Portugal estaremos limitados pela dimensão do mercado interno e do número de alunos que existe, que vai reduzir-se nos próximos anos pela demografia, o mercado europeu está aberto e muito interessado em Portugal como destino de excelência para ensino e para viver. Esse aumento iria ser maior nos programas de mestrado. Temos um programa de licenciatura de excelência com muito bons alunos e aí vai haver um pequeno aumento, porque queremos manter a qualidade elevada dos alunos que admitimos. O crescimento vai ser maior nos mestrados e na formação executiva porque vamos ter instalações de mais qualidade para programas mais interativos e inovadores.
Qual é que é o investimento estimado no novo campus?
Cerca de 50 milhões é o que prevê o plano inicial. Pode ser um grande investimento nos próximos anos em Portugal com todo o spillover que poderá ter em termos de atividade económica. Portugal precisa de grandes investimentos. Esta crise é severa mas é também conjuntural e de curto/médio prazo, e as empresas que têm planos e querem investir não devem adiar o seu investimento. O pior possível é que quem tenha projetos e investimento os adie.