Financiamento da descentralização insuficiente face às competências dos municípios em 2022

“A Comissão de Acompanhamento da Descentralização pouco ou nada se pronunciou acerca da adequabilidade dos recursos financeiros associados a cada área de competências, tendo também sido comprovado que não dispôs de informação detalhada para desenvolver essa missão”, refere o Tribunal de Contas em relatório
O presidente do Tribunal de Contas, José Tavares
O presidente do Tribunal de Contas, José TavaresLusa
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As verbas destinadas às competências descentralizadas para os municípios do continente foram insuficientes em 2022 face ao acréscimo da despesa destas autarquias, segundo um relatório divulgado pelo Tribunal de Contas (TdC), que recomendou mecanismos de financiamento mais claros.

No relatório “Auditoria à dimensão financeira do processo de descentralização de competências (2022)”, o TdC destacou que nesse ano “o financiamento das competências descentralizadas não foi suficiente face ao acréscimo de despesa em que os municípios incorreram com o seu exercício, algo que terá sido corrigido” em 2023, com a publicação de portarias e despachos com reforços das verbas para este fim.

Apesar deste subfinanciamento, “as 93 contas dos municípios analisados [num universo de 278 concelhos do continente] não apresentaram sinais de desequilíbrio orçamental e financeiro, facto que se deve, em grande parte, à evolução das receitas próprias, designadamente de índole fiscal relacionadas com as transações imobiliárias”, destacou o TdC.

O Tribunal destacou ainda problemas na monitorização da descentralização nesse ano, em que não houve “um apuramento e registo universal e criterioso dos montantes financeiros associados ao processo”.

“A Comissão de Acompanhamento da Descentralização pouco ou nada se pronunciou acerca da adequabilidade dos recursos financeiros associados a cada área de competências, tendo também sido comprovado que não dispôs de informação detalhada para desenvolver essa missão”, realçou.

O TdC sublinhou que a Lei das Finanças Locais (LFL) “não previu mecanismos de financiamento claros e estáveis”, remetendo a disciplina financeira da descentralização para os diplomas setoriais e Leis do Orçamento do Estado (LOE).

No entanto, em relação à área da Educação, que nesse ano já era exercida por grande parte dos municípios do continente, a entidade salientou que os critérios de apuramento das verbas financeiras necessárias ao exercício das competências descentralizadas “não estão definidos, no respetivo diploma setorial, de forma clara, direta e transparente”.

Por outro lado, o Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD), previsto desde 2018, só foi constituído pela publicação da LOE em junho de 2022 e regulamentado em outubro.

“No primeiro ano da sua vigência ainda não cumpriu o objetivo de ser um mecanismo transparente na medida em que o respetivo quadro legal não é suficientemente claro, necessitando de aperfeiçoamentos, tal como reconhecido no âmbito do contraditório”, acrescentou.

O Tribunal de Contas destacou que não foram adotados procedimentos “que permitissem aos municípios analisar e perceber os montantes das transferências financeiras relacionadas com as competências descentralizadas”, embora alguns municípios tenham também apresentado “limitações próprias em organizar e reportar informação”.

Foram também identificadas falhas relacionadas com o acesso, por parte dos municípios, às ferramentas informáticas utilizadas pela administração central, “facto que prejudicou o exercício de algumas competências”.

Ainda na área da Educação foram detetados problemas de gestão, controlo e partilha de informação entre entidades da administração central envolvidas na descentralização e evidencias de que a descentralização nesta área “não promoveu a simplificação administrativa nem conseguiu libertar as escolas de tarefas de índole administrativa e financeira”.

Na sequência desta análise, o TdC recomendou à Assembleia da República e ao Governo aperfeiçoamentos no financiamento do processo de descentralização, “incorporando na LFL e nos diplomas setoriais normas claras e objetivas que facilitem a operacionalização e compreensão do seu financiamento”, e a introdução na lei de mecanismos de distribuição do financiamento, tendo em conta “a heterogeneidade dos municípios” e os “objetivos da coesão territorial”.

Ao membro do Governo com a área da Administração Local recomendou melhorias na transparência das transferências a efetuar através do FFD, que assegure que este fundo “incorpora para cada município os valores adequados para o exercício das competências descentralizadas”, e diligências para que seja garantido o acesso dos municípios aos sistemas de informação utilizados pela administração direta e indireta do Estado.

O TdC aconselhou ainda aos membros do Governo responsáveis por áreas descentralizadas medidas que simplifiquem a carga burocrática.

Também a Direção-Geral as Autarquias Locais é visada nas recomendações do TdC, que exortou a entidade à divulgação de informação financeira relacionada com o processo de descentralização e à avaliação sistemática dos mecanismos de reporte à disposição dos municípios.

A estes também aconselhou que “trabalhem no sentido de adequar os sistemas operativos às exigências de reporte da informação financeira”, invistam num subsistema de contabilidade relacionada com a descentralização e que incluam nos Relatórios de Gestão anuais análises ao impacto da descentralização nas contas municipais.

O Tribunal realçou ainda que este novo ciclo de descentralização não foi “fundamentado em estudos técnicos, independentes e científicos”, que poderiam ter ajudado “na tomada de decisões” sobre o processo, devido à “sua abrangência e complexidade”.

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