Na zona histórica de Albufeira ouve-se uma versão do Hey Jude
tocada à flauta por índios sul-americanos. Para meia dúzia de
turistas ingleses sentados na esplanada, o postal é perfeito: o mar
e sol de março para corar a pele branca, a música dos Beatles para
embalar a caneca de cerveja do meio-dia. A duas semanas da Páscoa,
os hotéis de cinco estrelas já têm a lotação esgotada para os
próximos dias. Mas esta época, tal como a passagem de ano e
Carnaval, pode não ser mais do que um balão de oxigénio, num
sector que desde 2007 enfrenta cada vez mais dificuldades: só este
mês, os preços na região, que concentra quase metade das unidades
hoteleiras algarvias, caíram 20%.
"É a única forma de manter os níveis de competitividade.
Mas o impacto nas contas das empresas é grande", diz Elidérico
Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos
Turísticos do Algarve (AHETA). Entre 2011 e 2012, o volume de
negócios do alojamento turístico no Algarve caiu 10% e este ano
"estima-se mais uma quebra de 5% a 6%." A isto, "junta-se
o esforço das unidades hoteleiras, que oferecem mais serviços ao
mesmo preço".
Em Albufeira, as esplanadas estão praticamente vazias e o ar
descontraído dos turistas contrasta com o desalento de quem os tenta
convencer a almoçar. Há cataplanas a 20 euros para duas pessoas,
refeições individuais a sete. À porta de um restaurante uma
empregada inglesa repete a frase "five euros a meal, everyday".
Não é apenas o preço das dormidas que desceu: o comércio e
restauração também tiveram de ajustar valores para sobreviver.
Pelas ruas abundam anúncios em montras tapadas onde se lê "voltamos
em abril". "Há casas que consomem 300 e tal euros de luz
por mês", explica o empresário Jaime Simões, dono de um bar
junto à praia. "Aqui só ligo quatro máquinas, e abro porque o
espaço é meu."
Sandra Lázaro, dona do restaurante A Ruína, um dos mais antigos
e luxuosos situado no cais Herculano, vê as diferenças. "Temos
um preço médio alto, ou seja, agora os clientes limitam a sua
refeição ao prato principal." Até agora, "o verão tem
dado para compensar o inverno", mas a quebra de 10% no volume de
negócios obriga a expectativas mais moderadas: "No futuro vamos
ver."
Para muitos comerciantes, os três meses de enchente no verão não
chegam para compensar os outros nove de inatividade. "É como
Torremolinos há uns anos: acabada a época, tranca-se as portas",
compara Jaime Simões. O problema não é exclusivo da região - este
ano a média nacional dos hotéis fechados no inverno atingiu 16% -,
mas no Algarve, zona estratégica, a dimensão é outra: 48%
fechados.
Mas há outro lado: o Epic Sana Algarve abriu portas esta semana
na praia da Falésia, cinco estrelas com 162 quartos, 24 suites e 43
apartamentos. Inaugurar espaços novos em época de crise pode
parecer loucura, mas a verdade é que os grandes grupos e os cinco
estrelas ainda são os que melhor conseguem sobreviver. "Embora
estejamos a atravessar períodos mais difíceis do ponto de vista
económico, Portugal, e em especial Lisboa e o Algarve, continua a
ser dos destinos preferidos e com maior procura ao nível
internacional", garante o diretor-geral da Sana, Carlos Silva
Neves (leia a entrevista aqui). Nos últimos dois anos,
o grupo investiu 230 milhões e em 2014 inaugurará uma nova marca, a
Evolution Hotels, em Lisboa
Para alguns grandes grupos que têm várias unidades no Algarve, a
solução passa por encerrar umas e manter outras. "No passado,
os hotéis eram vistos como uma espécie de bancos, nunca iam à
falência", diz Elidérico Viegas. Hoje, temos vários
estabelecimentos em rutura financeira e insolvência. No Algarve, há
uma componente forte de aldeamentos que têm fechado. Não há dados
porque as empresas não são obrigadas a comunicar as cessações de
atividade. As pessoas fecham as portas e não entram na estatística."
2008, o ano da viragem
Ainda em Albufeira, quem passa na Avenida dos Descobrimentos,
dificilmente deixa de reparar no empreendimento turístico que se
ergue no alto. Com vista privilegiada para a lagoa, o Ocean Ville,
que inclui um aparthotel de quatro estrelas e várias casas de
aluguer, tem tudo o que é necessário para o negócio: arruamentos,
piscinas, jardins, parque infantil, tabuletas nas esquinas a indicar
a receção e outros serviços. Tem tudo, menos pessoas. Um deserto.
Hoje, à mercê dos caprichos do clima e da erosão, não passa de
uma zona fantasma, onde a vegetação engoliu bancos de jardim e a
relva fofa deu lugar à erva daninha desgovernada. Os vidros do
edifício principal revestiram-se de uma camada de pó que mal deixa
perceber a piscina luxuosa no centro, em forma de círculo. Embora
abandonado, o empreendimento surge em sites estrangeiros. Preço: a
partir de 169 mil euros.
"Havia investimentos em curso que, durante a crise de 2008,
foram suspensos até poderem reequacionar e reestruturar
financiamentos. Outros estão a abrir porque parar seria pior",
diz o presidente da AHETA.
As dificuldades das empresas não são alheias à quebra das taxas
de ocupação verificadas depois de 2007, o ano que marca a viragem,
quando o nível caiu quase 10%. Por outro lado, o mercado português,
que durante anos foi o principal motor do turismo algarvio, conheceu
quebras enormes, não tendo sido compensado pela chegada de
estrangeiros. Com a crise no Reino Unido, o principal fornecedor
internacional do Algarve teve uma quebra superior a 14% (em 2011 a
média de ocupação por cama era de 47,9%; caiu para 33,2%).
Estratégico para a economia portuguesa, o turismo (dados do
Banco de Portugal de 2012) movimenta 8600 milhões de euros/ano.
Destes, uma fatia de 40% deve-se ao Algarve. Mas as estatísticas da
região contrariam o desígnio português de aumentar as exportações:
nos quatro principais mercados (Reino Unido, Alemanha, Países Baixos
e Espanha), entre 2011 e 2012, a taxa de ocupação caiu. A solução
é aguentar. Com menos IVA, mais promoção e menos taxas
aeroportuárias, pedem as associações. E tudo para inverter a perda
de três milhões de dormidas desde 2002 e suavizar a principal
fraqueza do sector na região: o sol e a sazonalidade.
*"Uma refeição de cinco euros por dia, todos os dias"