Portugal era o terceiro país num grupo de 28 economias analisadas com a maior carga de empréstimos em moratória face ao total de crédito concedido pelos bancos, alerta um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado esta terça-feira..A fotografia foi tirada no quarto trimestre de 2020, ainda antes, portanto, da terceira vaga da pandemia e do duro confinamento imposto em janeiro. Foi numa altura em que se previa que o país crescesse 6,5% em 2021, número que o FMI reviu em forte baixa agora, para 3,9%..No Relatório sobre a Estabilidade Financeira Mundial de abril de 2021, sugestivamente intitulado "Antecipação face um legado de vulnerabilidades", o FMI diz que países como Portugal estão numa posição "crítica" por causa deste mecanismo da moratória das amortizações de empréstimos..O desmame está a começar e as moratórias vão acabar por desaparecer o que coloca uma alta pressão nas famílias, empresas e nos bancos (que vão ter de arranjar capital novo para fazer face a um eventual "tsunami" de malparado). A expressão "tsunami" foi usada recentemente pelo presidente da CGD, Paulo Macedo..De acordo com o estudo, na tal fotografia da situação no final do terceiro trimestre, Portugal surgia com quase 18% do crédito total concedido em moratórias (PRT corresponde a Portugal, no gráfico em baixo, barras a verde escuro)..A carga de créditos cujo pagamento foi adiado -- para aliviar famílias e empresas num contexto de pandemia e de encerramento e redução enorme de muitas atividades -- sobe para cerca de 21% do total se juntarmos as garantias públicas (avales do Estado) prestados para o efeito..As duas medidas combinadas dão a terceira maior taxa de esforço e de vulnerabilidade ao adiamento de amortizações de prestações do banco entre os 28 países analisados. Superior só no Chipre (quase 35%) e na Hungria (23%). Estas marcas ficam muito acima da média do universo de economias estudadas pelo FMI..Para o FMI, as consequências de uma saída gradual (phase-out) mal gerida podem ser más e fragilizar ainda mais a economia. Particulares, empresas e bancos..O FMI reconhece que a figura das moratórias para os reembolsos de empréstimos e as garantias do governo "têm sido um apoio para manter fluxos de crédito que são tão necessários" à saída desta crise.."As moratórias reduziram drasticamente o incumprimento dos pagamentos, o que teria atingido diretamente o capital [dos bancos que teriam de incorporar quantidades avassaladoras de malparado] e reduzido o apetite por mais empréstimos", diz o FMI. No caso dos avales idem.."No entanto, os empréstimos sob moratória estão programados para expirar na maioria dos países durante 2021 e os empréstimos garantidos, embora ainda crescendo em algumas jurisdições, devem diminuir gradualmente à medida que esses empréstimos vencem"..O FMI teme que o fim dessas políticas de apoio ao pagamento dos créditos "podem levar a incumprimentos mais elevados e exigir que os bancos aumentem as provisões e apliquem critérios de risco mais elevados nos novos empréstimos não garantidos". Isto é, pode levar a que o crédito seja bastante mais caro, mesmo com as políticas dos bancos centrais em prol da manutenção de taxas de juro extremamente baixas e de dinheiro ultra barato..O Fundo não duvida que "as reservas para perdas com empréstimos podem ter que ser aumentadas para absorver o fim das moratórias", por exemplo.."Entre os bancos europeus monitorizados pela Autoridade Bancária Europeia, os empréstimos sob moratória chegaram a 600 mil milhões de euros, ou mais de 3% do total de empréstimos no terceiro trimestre de 2020. No entanto, em alguns países, esses empréstimos representam mais de 10% do total de empréstimos.".Em Portugal, como referido, essa carga era o dobro..Portugal. Mais de 45 mil milhões de euros por pagar ao banco.Os valores em causa são, de facto, avassaladores. O Banco de Portugal começou a publicar uma nova estatística sobre o tema no final de março.."No final de janeiro de 2021, 54 mil sociedades não financeiras [empresas] tinham empréstimos em moratória, no montante global de 24 mil milhões de euros (33,2% do total de empréstimos obtidos junto de instituições financeiras)."."As empresas de alojamento e restauração eram as que mais se destacavam com 57% do montante dos seus empréstimos abrangidos por esta medida. Nos setores mais vulneráveis, tais como definidos no Decreto-Lei 22-C/2021 de 22 de março de 2021, 8,4 mil milhões de euros estavam em suspensão de pagamento, o que representava 34,4% do total de empréstimos das sociedades não financeiras em moratória", detalhou o banco central de Mário Centeno..Em cima destes, "16,1% dos empréstimos a particulares estavam em moratória, no montante global de 20 mil milhões de euros, 86% dos quais correspondiam a empréstimos para habitação. Uma análise do número de devedores mostra que 8,8% dos particulares tinha pelo menos um contrato abrangido por moratória"..O setor imobiliário e da habitação também estava exposto, claro. "O montante de empréstimos à habitação sob moratória privada era de 3,7 mil milhões de euros"..Segundo o BdP, "esses empréstimos [cobertos por moratórias e garantias] são geralmente de qualidade inferior do que as carteiras gerais dos bancos, com uma parcela maior de empréstimos arriscados e menor cobertura de reserva para perdas com empréstimos". É o tal risco potencial referido pelo FMI. Se corre mal, os bancos vão precisar de muito mais capital por causa disto. E o impacto surgirá de rompante, como um "tsunami"..FMI receia impacto bancário e macroeconómico maior em países como Portugal.O estudo do FMI referia-se à situação no final de setembro último, altura em que o Banco de Portugal contou cerca de 48 mil milhões de euros de créditos em moratória. O último levantamento oficial mostra uma descida ligeira, para 45,6 mil milhões de euros, um valor que continua a ser enorme tendo em conta a grande maioria dos países com os quais Portugal compara..Segundo o FMI, "o fim das moratórias de empréstimos exigirá, portanto, um aumento no provisionamento para perdas com empréstimos" quando os bancos precisarem de manter rácios de capital..Portugal aparecia aos olhos do FMI como o país com o quinto maior impacto nos rácios de estabilidade da banca no grupo 28 analisados. O potencial destrutivo é grande. Grécia, Itália e Espanha estão ainda pior..Para o Fundo, a situação ainda pode ser "gerível", mas fica o aviso.."Nos países onde a pandemia está a ter um impacto macroeconómico maior, uma estratégia de saída das moratórias cuidadosamente gerida é mais importante."."Alguns sistemas bancários que podem enfrentar os maiores riscos negativos com a eliminação gradual das medidas de moratórias e garantias também são os que têm amortecedores financeiros comparativamente baixos", acrescenta o FMI.."São os países onde a pandemia está a ter um impacto macroeconómico maior, pelo que uma estratégia de saída cuidadosamente gerida será crítica", remata a instituição sedeada em Washington.