No dia 19 de abril de 2011, a troika constituída pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional (FMI) aterrava no aeroporto de Lisboa. E com ela a austeridade. Uma década depois, a nova chefe de missão do Fundo diz que, apesar do muito que foi feito, ainda ficaram reformas por realizar, sobretudo no mercado de trabalho.
O programa de ajustamento económico apresentado em 2011 baseou-se em reformas estruturais para o crescimento, numa estratégia de consolidação orçamental e na salvaguarda do sistema financeiro através da recapitalização e da desalavancagem. De acordo com o FMI, todos os objetivos foram atingidos ou ainda há hoje trabalho a fazer?
A implementação do programa por Portugal e a prossecução das políticas no período pós-programa foram bem-sucedidas nas finanças públicas, na melhoria da posição externa e na solidez do sistema bancário, lançando as bases para um crescimento sustentável e criação de emprego. Em 2019, o produto interno bruto (PIB) ultrapassou o nível de 2008 e o desemprego reduziu-se para níveis historicamente baixos. No entanto, o crescimento da produtividade foi moderado, limitando a convergência com a zona euro. O endividamento, público e privado, também continua elevado.
Em Portugal, as reformas estruturais foram muito discutidas, especialmente no mercado laboral. As reformas ainda são necessárias? E quais?
Foram levadas a cabo importantes reformas. No entanto, a legislação laboral ainda apresenta uma rigidez significativa. A proteção do emprego para contratos sem termo continua a ser uma das mais fortes da área do euro, resultando na segmentação do mercado de trabalho. O reforço da flexibilidade do mercado de trabalho, tornando os contratos permanentes mais flexíveis, ajudaria Portugal a adaptar-se a choques adversos, a promover o crescimento do emprego e a aumentar a produtividade e os rendimentos. Além disso, melhorar a qualidade do ensino e da formação, aumentar a eficiência dos processos de insolvência e de execução de dívidas e reforçar a qualidade das finanças públicas são medidas importantes para impulsionar o crescimento a longo prazo.
A crise de há dez anos preparou-nos melhor para a atual, mesmo que sejam de natureza e características diferentes?
Portugal entrou na atual crise com uma posição muito mais sólida do que no passado. Comparando com o início da crise financeira global, em 2019 o sistema financeiro português estava mais resiliente, as finanças públicas em melhor forma. Além disso, a dívida privada é mais baixa e há maior rentabilidade das empresas. Embora o declínio do PIB de 2020 tenha sido comparável à queda que se verificou entre 2008 e 2013, o desemprego aumentou apenas marginalmente e o crédito continuou a fluir para famílias e empresas graças a uma "almofada" mais forte, bem como uma robusta resposta política. No entanto, desconhece-se ainda o impacto total da pandemia na economia portuguesa.
Nem tudo correu como planeado. A discussão sobre os multiplicadores orçamentais foi muito grande. A abordagem seria diferente agora?
De acordo com o relatório da IEO (2016), os multiplicadores orçamentais foram inicialmente subestimados, embora posteriormente ajustados. Por outro lado, os erros de previsão do crescimento de Portugal para os anos do programa ficaram geralmente alinhados dos da zona euro como um todo, sugerindo que Portugal sofreu a mesma desaceleração inesperada do que o resto da zona euro.
O risco de Portugal entrar numa crise semelhante à de há dez anos está afastado? Em particular, o risco de uma crise da dívida soberana?
Portugal conseguiu melhorias acentuadas nas finanças públicas e conseguiu uma consolidação orçamental. Nomeadamente, o défice orçamental, que atingiu um pico de 11% do PIB entre 2010 e 2014 e foi eliminado em 2019. Assim, as autoridades puderam responder de forma eficaz quando o choque pandémico chegou. Os juros da dívida pública mantiveram-se contidos graças ao apoio do BCE e às condições favoráveis dos mercados.
Mas a dívida pública está acima dos 130% do PIB.
A dívida pública tem sido uma das principais vulnerabilidades económicas de Portugal. Tal como na maioria dos países, a crise da covid tem inevitavelmente afetado as finanças públicas, com o rácio da dívida pública a atingir um novo máximo histórico em 2020. Esperamos que a dívida retome o declínio a partir de 2021, embora existam riscos significativos muito ligados à evolução da pandemia. O governo elegeu o combate à pandemia como prioridade máxima, mas salvaguardar a sustentabilidade orçamental a médio prazo garante medidas temporárias e que podem ser retiradas na fase da recuperação. Uma vez estabelecida a retoma, será também necessário um plano de médio prazo para reduzir a dívida. As reformas orçamentais de fundo são também importantes para salvaguardar a sustentabilidade das contas públicas. Por último, os fundos comunitários de grande dimensão proporcionam uma oportunidade única para aumentar o crescimento e reforçar a sustentabilidade e a resiliência orçamentais.
A União Europeia também teve um comportamento diferente. O BCE implementou uma política monetária mais flexível. Até onde pode ir tal política?
As dinâmicas da inflação sugerem que a manutenção de uma política monetária acomodatícia pode revelar-se necessária. O recente reforço do programa de compras de emergência pandémica (PEPP, na sigla inglesa) para 1,85 biliões de euros e a sua extensão, pelo menos a março de 2022, proporcionaram ao Banco Central Europeu (BCE) um poder de fogo significativo para limitar o risco de fragmentação do mercado. O compromisso para reinvestir as amortizações das obrigações ajudará a amortecer o impacto quando o programa expirar. No entanto, se os riscos negativos se concretizarem, há espaço para a política monetária fazer mais. Uma expansão dos programas de compra de ativos deve ser a primeira linha de defesa, mas outras opções também devem ser consideradas.
Todos esperamos que a recuperação económica comece no verão. Quais são os maiores riscos que antecipa?
Espera-se que a reabertura da economia e a vacinação suportem a recuperação da economia a partir do segundo trimestre. Prevê-se que o turismo contribua para o crescimento do produto na segunda metade do ano, embora mantendo-se abaixo dos níveis de 2019 até 2023. Espera-se que os fundos da União Europeia ajudem ainda mais o crescimento. Dito isto, a incerteza em relação à recuperação e aos riscos descendentes continua a ser significativa. Portugal é particularmente vulnerável à fraca procura externa, sobretudo na zona euro, e à evolução da pandemia, dado o peso do setor do turismo. As empresas altamente endividadas representam novos riscos.