Fui pela primeira vez passar férias ao Algarve. Fui a medo, insegura e desconfiada. Do Algarve só tinha relatos, relatos sobre as filas para sair e entrar em Lisboa, do calor insuportável, da ausência de ondas, dos prédios encavalitados em cima uns dos outros, das praias apinhadas, dos preços astronómicos e da invasão de estrangeiros que assumem esta nossa região como deles. No Algarve fala-se inglês, diziam-me. E eu, pessoa veraneante no Litoral Oeste, sensível aos escaldões e à carteira, fui apenas fazendo incursões sem nunca me estabelecer no famoso Algarve por mais de dois a três dias. Cada vez que lá ia sol fazia-me doer, o silêncio do mar era coisa que não me embalava o sono. O que é que se faz nestas praias?
Cresci a ver de longe pessoas organizadas em famílias a irem e a voltarem, munidas com os seus escaldões para enfrentar as nortadas, ouvia as suas histórias sobre as noites memoráveis onde não é preciso levar camisola - coisa que sempre invejei e não sei se algum dia arriscarei fazer. No Algarve as pessoas fazem dezenas de quilómetros para jantar umas com as outras apesar de viverem na mesma cidade durante o ano - fenómeno socialmente caricato que sempre estranhei. Assim como estranhei o conceito "amigos do Algarve" - amigos que se conhecem na praia e ali ficam, o ano todo. Também foi de lá que tive notícia remota da possibilidade de se cobrar estacionamento na praia, das massagens na areia, dos toldos a preços de casas de férias, de restaurantes da moda onde se cobra mais para almoçar de fato de banho do que nas nossas cidades para jantar num rooftop.
Há vários Algarves diziam-me. O dos ricos, o dos que para lá vão desde que nasceram - que conhecem praias e vivências só deles - o dos apartamentos em cidades de cimento e muitos outros. É lá que todo o Portugal se encontra no verão, como num jogo da Seleção Nacional. Todinho. Há de tudo, portanto, e a preconceituosa era eu. E era, com o orgulho do Oeste e das ondas grandes e do mar gelado e do raio da nortada.
Dezenas de anos e de férias passaram sem nunca ceder. Mas este ano lá fui. "Mãe, devemos ser as únicas pessoas do mundo que nunca passaram férias no Algarve", observaram eles. E eu, como mãe e com a serenidade de pessoa de meia idade, cedi. Até porque a preconceituosa era eu, não eles.
Pois pus o pé na água e o meu cérebro congelou. Como é que se toma banho em água gelada sem ondas para distraírem do frio? Essa mítica água quente, seria de facto um mito? Depois a nortada, ou "oestada" ou outra "estada" qualquer - não sei onde é o Norte e de onde vem o vento porque aqui o sol põe-se em terra e sou desorientada desde sempre. Posto isto, como é que se sobrevive a vendavais numa praia com areia fina que pica e entra nos ouvidos? "Estás surda?", perguntaram-me. Sim, mas é da areia e não dos mergulhos. Lá, de onde eu venho, a areia é coisa robusta que não sai do chão nem por nada. Por outro lado, não vi praias cheias porque, desconfio, o vento e a água gelada levou-as. Ficámos lá nós, a ver o Algarve. De resto, a maioria das suspeitas confirma-se: o preço dos gelados, os vários Algarves, a maioria absoluta de estrangeiros, o encontro de regiões.
Do Algarve guardo no coração os escorregas, aqueles que só tinha visto em outdoors na cidade. "Um dia irei lá só para isto", sonhava. E fui. Guardo os escorregas e a casa do Vítor que nos acolheu, que apesar do Algarve e do vento e da água parada, é um rascunho do paraíso.