O turismo é um dos setores que pagam a fatura mais pesada da pandemia. A vacina é a chave para a recuperação da confiança e dos turistas, defende Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal (CTP).
2020 foi um ano péssimo para várias áreas e ainda pior para o turismo. Que expectativa tem para 2021?
Costumo dizer que não tenho uma bola de cristal e não gosto de me pôr a adivinhar o que é que vai acontecer. Acho difícil que 2021 seja pior que 2020 mas temos de ser realistas; lembro-me que, no início da pandemia, a nossa primeira reunião foi para saber se conseguiríamos salvar a Páscoa de 2020. A Páscoa, o verão, o fim de ano - já tudo passou. Neste momento, temos duas épocas que tradicionalmente são boas para o turismo - Carnaval e Páscoa - mas todos estamos informados sobre o que se passa. Vimos as notícias e, quer em Portugal quer no mundo, o número de infetados e de mortos bateu recordes. O nosso inverno começou há cerca de 20 dias e está a ser muito rigoroso. Sabemos que o vírus dá-se melhor com climas frios do que com quentes. Não sei se estamos à beira de uma terceira vaga ou não. Tudo se vai prender com a questão da vacina e, neste momento, é muito cedo para perspetivarmos o que venha a acontecer. O que é que gostaria que acontecesse - e espero que não seja diferente do que vai acontecer - é que a grande prioridade que todos temos de ter é a vacinação. É o que pode fazer a diferença. Só com a vacinação poderemos adquirir os hábitos de segurança, de confiança, que são fundamentais porque o turismo implica deslocação de pessoas e isso neste momento não acontece. Com o ganho de confiança e de segurança é que vamos a retomar a confiança que havia antes de março do ano passado.
Que lições o turismo português tira da pandemia? Acredita numa reinvenção do turismo?
Aprendizagem não para o turismo, mas para todos nós: nada é certo nesta vida. Temos de estar permanentemente a reinventarmo-nos. Estou convencido que nesta pandemia irá haver uma alteração no que se chama viagens corporate. O desenvolvimento de todas as plataformas funciona. Deixa de fazer sentido ir a Londres fazer uma reunião de uma hora. Agora, o lazer não se faz por Skype. As viagens de férias, os grandes incentivos, os grandes congressos com a associação ao lazer, isso não tenho dúvida que não vai sofrer grande alteração. Provavelmente, as pessoas vão querer poder fazer mais férias. Portugal foi sempre considerado um destino muito seguro. Cada vez mais seguro e tem de o ser e provar. A segurança não é uma segurança alimentar, terrorista, sanitária. É toda. O conceito de segurança é muito lato e temos que continuar a dar cartas nesse sentido. Somos um país que acolhe como ninguém, com um clima, gastronomia, qualidade de preço ainda imbatível e vamos ser inundados de turistas que tão importantes foram para a retoma da nossa economia. Nunca se esqueça que, a seguir à crise de 2007/2008, a grande recuperação de emprego foi feita pelo turismo. A primeira vez que a balança de transações comerciais foi positiva foi por causa do saldo de 12 mil milhões positivos do turismo e foi o grande contribuidor para o PIB. Não tenho dúvida nenhuma que temos que aguentar, temos de cerrar fileiras. Aliás, o grande investimento - seja da bazuca europeia, seja de qualquer outra - deve ser no turismo porque é o que tem o retorno mais rápido e imediato. E vamos voltar a ser o grande motor da economia.
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A TAP é fundamental para o turismo. O país fez bem em resgatar a companhia?
Tive oportunidade de o dizer ainda há poucos dias: temos uma série de treinadores de bancada em relação à TAP. Conheço a TAP muitíssimo bem por causa da minha atividade profissional. Há 30 anos que tenho uma relação muito estreita com a companhia mas, mesmo eu, não conheço o suficiente para poder falar no plano de reestruturação. Quando as empresas são privadas, os seus acionistas têm que saber o que fazer e serão premiados com resultados ou prejuízos e assumem o que fizeram. No caso da TAP, que é uma empresa maioritariamente pública, tem de ser o Estado a decidir o que fazer e não estar a discutir na praça pública, como vimos todos os dias. A TAP tem sido determinante para o turismo português. A TAP tem sido muito maltratada ao longo destes últimos anos - privatiza, não privatiza, depois privatizou e reverteu - e tem vindo a aguentar tudo. Só lembro as duas últimas grandes apostas da TAP: uma ainda da equipa de Fernando Pinto - no Brasil - e a seguir com a equipa de David Neeleman e a Antonoaldo Neves, nos Estados Unidos. Muitos dos turistas brasileiros e americanos que temos, há 10 anos não existiam. Se forem ver, por exemplo, as ocupações de hotéis de Lisboa, de quatro e cinco estrelas, muitas vezes o primeiro turista - antes da pandemia - era brasileiro e americano e isso deveu-se exclusivamente a apostas que a TAP fez - do hub - quer no Brasil inicialmente, quer nos Estados Unidos. E nos EUA ainda estava a dar os primeiros passos. Há quatro ou cinco anos, tínhamos meia dúzia de voos para os Estados Unidos. Antes da pandemia tínhamos voos diários para uma série de cidades norte-americanas. A maneira de dinamizar mais um destino é ter voos diretos. Foi isso que aconteceu entre Portugal e EUA e foi uma aposta exclusiva da TAP.
O País fez o bem ou não em resgatar a companhia é?
Essa resposta não pode ser dada sem conhecermos todos os dados. Não conheço bem o plano de reestruturação da TAP. Falámos que há - e são várias as correntes e vejo imensas pessoas a defender e a atacar - 4,3 mil milhões, que é o valor que está suposto para a TAP, chega? Não sabemos. Só quem lá está diariamente é que tem todos os dados pode tomar uma decisão. Uma companhia aérea - a TAP - forte, sólida, dinâmica, contribuiu para o turismo português? Claro que contribuiu e muito.
O resgate da TAP pode ser também considerado um resgate indireto ao próprio turismo?
Não diria isso. A TAP é fundamental para o turismo português mas diria que a TAP é fundamental para a economia portuguesa. O turismo é um dos grandes beneficiários por causa da deslocação das pessoas, mas para a economia portuguesa é fundamental ter uma TAP e não estou a falar na parte das ligações às ilhas e países lusófonos. É muito importante uma companhia aérea portuguesa e, no que diz respeito à minha dama, o turismo, é claramente importantíssimo.
A aviação deverá demorar até 2024 a recuperar para níveis de 2019. Quanto tempo vai demorar o turismo português a recuperar para níveis pré-pandemia?
Vamos deixar aqui só um parêntesis que é o aeroporto, porque depende muito da questão do aeroporto. Admitindo que as infraestruturas aeroportuárias estão funcionais, penso que essa projeção de 2024 é das mais pessimistas. Não tenho dúvidas que a procura continua existir. Gosto deste exemplo que aconteceu neste ano: tivemos os corredores com o Reino Unido fechados. Abriram uma semana em agosto e nessa semana houve do Reino Unido para Faro, mais de 50 voos por dia. Por causa desta pandemia, que nos obriga a estar em casa confinados, e por medo, a poupança tem vindo a subir imenso em todo o mundo. Estou convencido que, quando parar a pandemia, e a vacinação for uma realidade [alargada], e quando ganharmos níveis de confiança e de segurança, não tenho dúvidas de que vai haver um boom. Em condições normais, 2024 será talvez a pior hipótese para recuperação do turismo. Espero ter uma recuperação - e estamos a falar comparativamente com o último e melhor ano, 2019 - mais rápida.
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O Orçamento do Estado prevê uma nova avaliação ao aeroporto do Montijo. Por causa da pandemia a urgência não é tão grande, mas faz sentido, nesta altura, debater uma eventual nova localização?
Deixe-me corrigir uma coisa: acho que é fundamental; é urgente.
Debater?
É urgente decidir. Repare: está a dizer-me que para este ano não é importante o que vai acontecer?! Estou completamente de acordo. Vamos penar num cenário: [a opção] Montijo é a mais rápida. Se decidirmos hoje - e está longe de acontecer - que vamos começar a construir o Montijo são precisos quatro anos. Estaremos em pleno, a correr bem, em janeiro de 2025. Já ultrapassaram todas as perspetivas e já retomámos [os níveis] de 2019. Deixe-me dar-lhe um exemplo: se não tem havido a pandemia, este ano [2020], em condições normais, e atendendo aos números que tivemos em janeiro e fevereiro, nem quero saber a bagunça que tinha sido no aeroporto da Portela porque não tem condições. É super urgente tratar disso. Estou muito preocupado com esta situação porque este estudo de Impacto Ambiental Estratégico vai dar para mais um ano ou dois. Tínhamos de estar a construir hoje o Montijo.
A ANA já disse que está pronta para começar a construir em abril.
E é isso que temos de fazer. Que alternativas vamos ter?! Vamos decidir, ou vai haver uma conclusão, que o Montijo é que era a solução?! Perderemos dois anos. Vai se decidir que é outra solução qualquer, por exemplo, a que se fala de Alcochete?! Em relação a Alcochete, não tenho os dados todos, porque já vi estudos que defendem e que atacam. O Montijo tem uma razão muito importante.
Mantém a Portela?!
É o mais rápido, é o mais barato e mantém a Portela. Não nos convém esquecer que o Montijo não é um supermercado; já é uma infraestrutura aeroportuária. É mais rápido de fazer que qualquer outra. Além disso, como disse, mantém a Portela. A Portela é uma vantagem competitiva para os city-breaks que há em Lisboa.
É contra uma infraestrutura aeroportuária que exclua a Portela?
Nesta fase, a Portela é fundamental para o turismo de Lisboa.
O salário mínimo subiu em 2021. Juntando este fator a outros, como é que vai ficar o emprego no setor do turismo e quantos postos de trabalho podem perder-se neste ano de 2021?
Os salários em geral, em Portugal, são baixos. A grande luta que temos de ter é a da produtividade; temos de aumentar a produtividade que é para poder aumentar salários. Dito isto, o que a Confederação do Turismo disse ao governo foi que temos de ser coerentes. Se o governo diz, todos os dias, que estamos na maior crise que alguma vez assistimos, então não pode aumentar o que quer que seja. Não é o salário! É qualquer tipo de despesa porque as empresas não aguentam. E a proposta da Confederação do Turismo foi: vamos esperar, vamos ver e agendamos por exemplo, para a primeira reunião de abril da Comissão Permanente da Concertação Social o tema salário mínimo; pode ser que as condições sejam diferentes porque ninguém se furta a fazer o que fizemos no passado. Na anterior legislatura aprovámos todos - penso que com exceção da CGTP - os aumentos de salários mínimos. O programa de governo para estes quatro anos de legislatura era ambicioso: 600 para 750 euros. Concordámos todos. Fizemos um primeiro aumento para 635 euros. Concordámos todos. Era previsível, dividindo este aumento, que neste ano fosse 670 euros. Ninguém estaria em desacordo. Agora, vamos ser coerentes. Estamos a atravessar a maior crise das nossas vidas.
Sobre o emprego: não gostaria de chamar conquista, porque numa pandemia destas não há conquistas, mas tem sido talvez a variável que melhor comportamento tem tido. Não há dúvida que tem havido um trabalho extraordinário nomeadamente dos empresários portugueses relacionados com o turismo e também do governo, justiça seja feita. Se bem se lembram, em 2007 e 2008, na nossa última crise, tivemos com perto de 17% de taxa de desemprego que, com o grande crescimento dos últimos dez anos que tivemos, foi diminuindo. Penso que estamos a falar em torno dos 6% de taxa de desemprego no final de 2019, que é quase como pleno emprego. Não havia pessoas para trabalhar no turismo. Estamos há dez meses em pandemia. Os últimos números que tenho da taxa de desemprego, penso que são de novembro, não chega aos 8%, quase mais 10% que tivemos há dez anos.
A variável emprego tem corrido muitíssimo bem. Por isso, digo - e já agora a medida do lay-off foi uma medida extraordinária que o governo tomou tem ajudado muito as empresas, tem ajudado os trabalhadores e, por isso - temos ainda só - só porque face à pandemia era previsível que a taxa de desemprego estivesse muito maior. Temos todos aguentado. Acho que é nisso que temos de focar.
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Mas consegue transformar isso em números? Qual é a expectativa para o emprego no setor em 2021?
O que assistimos foi a estas taxas que já vimos e em termos gerais não tem dúvida nenhuma que a maior parte dos desempregados novos está ligada ao setor do turismo, obviamente, embora sejam estes números que estivemos a falar. Sejamos claros: os dois grandes setores mais afetados foram o pequeno comércio e o turismo. Nós inclusive temos empresas que não abrem desde março. O que é que diria: sem termos uma bola de cristal, mas se correrem bem os próximos meses, se parar esta pandemia que ainda não parou, se a vacinação for efetiva, penso que conseguiremos recuperar rapidamente até por isto: os empresários aprenderam algo também, formámos muitas pessoas, temos boas equipas e também não as queremos perder. Estamos a aguentar até ao limite porque conforme estávamos a falar à pouco na TAP, isto vai encolher mas depois vai voltar a números de 2019 e aí temos de ter as equipas constituídas.
No ano de 2020, quantos postos de trabalho se perderam no setor?
Não há esta estatística. Diria que se deve ter perdido cerca de 100 mil e pouco mil trabalhadores na economia em geral e diria que a maior parte foram com certeza relacionados com o turismo.
O acordo para o brexit foi alcançado no final do ano passado. Que efeitos, a juntar à pandemia, isto vai ter sobre o turismo?
É evidente que nos preocupa imenso. Os britânicos são o nosso principal cliente. E é um cliente muito específico porque está muito focado em dois destinos: Algarve e Madeira. E no Algarve muito no verão. É evidente que me preocupa o que venha a acontecer. Ainda não sabemos como vai ser no futuro. Há uma série de condicionantes que estão a ser definidas. Há muitas coisas para as quais ainda há moratórias, chamamos assim se o termo pode ser empregue. Estou a pensar por exemplo na questão dos passaportes que não são necessários até outubro. Mas depois vamos ter de essa questão mas também a das taxas, vistos ... e isso complica. É fundamental que haja facilidade de se poder entrar e vamos entrar num tema em que não vale muito a pena entrar, porque está gasto por outras razões, mas que é a questão do SEF. O SEF no passado foi um elemento muito destabilizador, nomeadamente para o que se chama países terceiros, ou seja, países que não são do Espaço Schengen. Todos sabemos os problemas que tivemos com clientes como brasileiros, americanos. E dou este exemplo: o voo inaugural do Canadá, direto para Portugal, vinha cheio de jornalistas porque era um voo de promoção. E em vez das belíssimas paisagens que temos em Portugal, as fotografias que saíram foram as filas no SEF para entrar em Portugal. Tivemos esses problemas com os chineses e portanto pensar que isso possa acontecer é algo que apavora. Só uma última questão ainda em relação ao brexit: não é pacífico que não vá haver uma recessão também maior no Reino Unido por causa do brexit. Se isso acontecer, é menos rendimento disponível, é menos rendimento para tirar férias.
O governo criou apoios públicos ao turismo, como para outros setores. Dez meses depois da chegada em força da pandemia, que avaliação faz dessas medidas e da gestão que o governo tem feito nesta crise?
Ninguém estava preparado para isto, a começar pelo governo. A realidade é que já o disse e repito: o governo esteve bem no início da pandemia. Tomou uma série de medidas e andou com alguma velocidade. Evidente que as medidas não foram claras na altura, estou a pensar por exemplo na grande medida do lay-off, que teve sete alterações legislativas.
Até se tornou complicado compreendê-las e enumera-las. Já vamos no lay-off 4.0 ou 5.0.
O tecido empresarial português é maioritariamente constituído por micro e pequenas empresas, o que os pequenos empresários tiveram de passar para recorrer a esses tipos de apoios como o do lay-off. Foi difícil mas houve uma capacidade dos empresários para se adaptar. Só para lhe dar uma ideia: em abril, 230 mil funcionários, só ligados ao turismo, estiveram em lay-off. Foi uma medida extremamente importante para nós. Acho é que passou tempo demais. Ou seja, estas novas medidas, espero que sejam aprovadas e legisladas rapidamente, porque aqui pecaram por um bocadinho tardias. Mas vieram. As empresas estão em modo sobrevivência. Estamos há dez meses nesta situação. Estamos numa altura de guerra, portanto não se limpam armas. Estamos a focar-nos na sobrevivência. Temos de assumir isto: houve dez anos muito bons de turismo. As empresas de turismo estavam muito capitalizadas. Também por isso têm aguentado e não recorreram a situações mais drásticas em relação ao pessoal. Agora, essas reservas estão esgotadas. Passaram-se dez meses. E há uma medida que é fundamental: as de capitalização. As medidas de capitalização muitas delas referidas no PEES - Programa de Estabilidade Económica e Social - são fundamentais que cheguem ao mercado. Estamos em modo de sobrevivência; estamos a ver como é que chegamos ao dia de amanhã. As empresas têm de estar preparadas para quando passar a pandemia, a vacinação. A procura, na minha opinião, vai vir em força e temos de estar sólidos e pujantes. É urgente que as medidas de capitalização cheguem ao mercado que é para que neste entretanto as empresas se capitalizarem e estarem preparadas para poderem satisfazer a procura que vai vir em força.
Tinha alertado que a crise estava a chegar às grandes empresas. Podemos assistir à queda de grandes empresas do setor?
Espero que não mas houve uma questão: houve muitos apoios para as pequenas e microempresas, muito poucos para as grandes empresas. As crises estão a acontecer. Não é um problema nacional. O governo alemão aprovou um auxílio à TUI, deverá ser o maior operador [turístico] do mundo de 1,2 mil milhões de euros.
Com muitas viagens para Portugal.
Com imensas viagens para Portugal porque a Alemanha é o segundo maior cliente e a TUI é um grande cliente de Portugal. Ainda bem que isso [resgate] aconteceu, porque quer dizer que iremos continuar a ter a TUI; o mesmo se passa em relação a empresas portuguesas. Há uma nova linha, de 750 milhões para as grandes empresas (...) mas vamos ser claros: isto vai das micro às grandes empresas.