pandemia acelerou tendências como a digitalização ou a mudança não veio para ficar?
Sim, acelerou a digitalização, sem dúvida nenhuma. É um facto que a digitalização nas organizações foi acelerada em todos os setores e também na educação. E penso que outra coisa que mudou claramente, que já se verifica e que veio para ficar, tem que ver com a flexibilidade exigida pelas pessoas.
Penso que quando discutimos questões como o teletrabalho, se trabalhamos a partir de casa ou não, estamos a perguntar-nos de quanta flexibilidade precisamos e penso que existe uma procura evidente de mais flexibilidade que calculo que tenha vindo para ficar. E isto está relacionado com outra questão que tem que ver com a forma como, enquanto indivíduos, nos queremos relacionar com a organização, com a equipa e com as pessoas com quem trabalhamos. E penso que se trata de uma abordagem mais individual: as pessoas querem ter escolhas e querem ter uma palavra cada vez mais forte sobre até que ponto querem comprometer-se em estar fisicamente num lugar. E também tem que ver com a confiança que é depositada no trabalho que fazem, etc. Penso que esta é mais uma mudança importante que se espera que tenha vindo para ficar, na verdade.
Considera que este equilíbrio entre o trabalho e a vida irá tornar-se uma das questões em causa no trabalho a partir de casa? Pelo menos aqui em Portugal, as pessoas começaram a dizer que estavam a trabalhar muito mais e que não havia uma fronteira entre a vida pessoal e o trabalho. Vamos encontrar um equilíbrio?
Sim. Aconteceu tudo muito de repente e com um ímpeto extremo, pelo que tivemos de nos adaptar muito depressa e não tivemos tempo de analisar com muito cuidado as diferentes componentes do processo e perceber qual é a melhor forma de nos organizarmos. Penso que uma das coisas que percebemos que precisamos é de mais flexibilidade, que podermos trabalhar a partir de casa pelo menos algum tempo até pode ajudar. Mas esse aspeto também tem de ser organizado da melhor forma para que se definam fronteiras com regras claras. Quando é que posso ser contactado, a que horas do dia, o que se pode esperar de uma pessoa que está a trabalhar a partir de casa, etc.
E tudo isto tem de ser definido e é por isso que precisamos de mais tempo. Mas esta era uma questão que já se fazia sentir no passado. Antes da pandemia, já havia organizações que, por exemplo, limitavam a disponibilidade ou especificavam a disponibilidade individual dos trabalhadores e que diziam que eles não era obrigados a, por exemplo, responder a mensagens de correio eletrónico a certas horas do dia ou em certos momentos da semana, etc. E eu penso que não há dúvida de que agora se tornou ainda mais necessário encontrar a melhor forma de organizar o trabalho, uma vez que estou certo de que haverá muito mais pessoas a trabalhar a partir de casa ou a trabalhar a partir de qualquer outro lugar que desejem alternadamente em diferentes momentos.
Poderá a digitalização dar um novo impulso à formação de executivos e permitir um ensino à distância de qualidade?
Eu penso que é um facto que a tecnologia e a tecnologia digital abrem um novo caminho para uma nova forma de interação entre as pessoas e, por conseguinte, um novo meio de ministrar o ensino. E funciona bem para umas coisas, mas não tão bem para outras. Mas, afinal, haverá certamente mais oportunidades e penso que o que vamos acabar por verificar será a existência de ofertas diferenciadas. Haverá algumas atividades e alguns programas que serão completamente presenciais, porque têm necessidades específicas e porque os altos executivos aprendem muito quando interagem uns com os outros. Isto, porque, pelo menos neste momento, a interação tem mais possibilidades de ser mais eficaz e mais poderosa se for uma interação presencial direta. E há outras experiências de aprendizagem que poderão ser híbridas ou até passar a ser completamente on-line. Penso que o que vamos verificar no ensino de executivos é uma oferta mais diferenciada. As pessoas irão fazer escolhas tendo em conta as possibilidades que têm no que respeita a tempo, acesso, recursos, etc., bem como a oferta certa para as suas necessidades.
Penso que também é uma oportunidade para a escolas serem inovadoras e usarem diferentes formatos, bem como para se tornarem mais personalizadas e oferecerem soluções mais à medida das pessoas.
Qual é a importância de frequentar aulas?
Quer dizer, estamos a falar das nossas escolas, estamos a falar, em princípio, sobre pessoas que já têm experiência de trabalho, que foram líderes experientes e podem continuar a exercer funções de alto nível, ou que não atingiram um nível tão elevado, mas que já têm experiência. E, neste contexto, a aprendizagem acontece através da troca de pontos de vista, do desafio mútuo entre pessoas com essa experiência, o que significa que, naquele momento, cada pessoa aprende com a própria experiência, que ativa através deste processo, ao mesmo tempo que aprende com a experiência dos outros que estão à sua volta no grupo de aprendizagem do programa em que estão a participar. E isso é muito importante. E o que é que significa? É evidente que significa que a frequência é um requisito básico. Se quisermos fazer parte de uma discussão, se quisermos aprender com os outros, com a experiência deles, temos de estar presentes e vice-versa. Os outros também podem aprender connosco, pelo que é algo muito básico que não pode ser substituído. Na verdade, neste método de aprendizagem, não importa se é on-line ou presencial, tem de se estar lá.
Numa altura em que é impossível em falar em empregos para a vida, as escolas de gestão são ainda mais relevantes. Em que áreas poderão estas escolas ajudar as pessoas que desejem atualizar-se ou mudar as suas vidas profissionais?
Penso que o que estamos a experienciar atualmente e o que prevemos que vá acontecer é que as pessoas vão mudar mais frequentemente. Pelo menos, a organização para a qual trabalham ou até talvez o trabalho que fazem - falta saber até que ponto acontecerá -, mas será com certeza mais frequente do que era e eu penso que, neste aspeto, as transições são sempre bons momentos para olharmos para trás e refletirmos sobre o que temos vindo a fazer, tirarmos ensinamentos dessa experiência de aprendizagem e prepararmos os passos seguintes. E considero que é aqui que as escolas de gestão podem atuar como instituições que permitem esse tipo de experiência de aprendizagem e penso que temos programas para diferentes fases da carreira em escolas como o AESE e o IESE para líderes emergentes, pessoas que ocupam posições de gestão intermédia, altos líderes, etc. Ou seja, existem programas específicos que podem contribuir com essa experiência e eu penso que é importante que exista uma conversa - aquela conversa individual - com um conselheiro de aprendizagem experiente que seja capaz de nos dizer, a partir da conversa e do conhecimento sobre daquilo que fizemos até agora, qual é o passo mais adequado em cada momento. Porque, afinal, a resposta é uma resposta individual que só nós podemos dar.
Quais são as áreas de formação mais adequadas para os desafios atuais?
Bem, essa é uma questão muito difícil porque um líder tem de fazer muitas coisas e algumas dependem do contexto, pelo que temos de fazer umas coisas e outras não dependendo do momento. Agora, se o contexto é o da pandemia, se o contexto é o da mudança tecnológica no mundo em que vivemos na atualidade, penso que, por um lado, existe a necessidade de lidar com a incerteza que nos consome e que teve origem na pandemia, tanto do ponto de vista da organização como do ponto de vista individual, para mantermos o equilíbrio justo perante a incerteza e a angústia que ela cria.
Ou seja, por um lado, penso que há esta componente de liderança, que considero muito importante neste momento. E o outro aspeto mais importante neste contexto é precisamente compreender para onde é que esta mudança tecnológica está a levar o nosso setor e a nossa organização e quais são as oportunidades que cria. Penso que é claramente, digamos, a outra componente que é muito relevante neste momento.
Qual é o conselho mais útil que pode dar a alguém que esteja a começar os estudos universitários?
Se os estudantes universitários me perguntassem o que deveriam ter em conta quando começam, penso que seria algo como pensarem em grande, terem uma ambição profunda relativamente ao que querem fazer na vida, mas não a associarem necessariamente - e, com certeza, não imediatamente - a demasiados resultados específicos, como, por exemplo, pensarem que têm de dar exatamente aquele passo na carreira, e olharem mais para essa ambição profunda tendo em conta o impacto que querem que a sua vida tenha no mundo e na sociedade em que vivem.
Podem usar esta ideia como uma lente pela qual podem olhar à medida que avançam na carreira. Estou no caminho certo? Estarei de facto a trabalhar para atingir o meu objetivo e não a deixar-me levar por considerações imediatas mais insignificantes que encontro no meu caminho?
Ou seja, por outras palavras, qual é o objetivo que têm na vida e como poderão segui-lo. Podem pensar de que forma podem alinhar os passos seguintes com esse objetivo.
Como vê o futuro do ensino superior e de que forma irá o ensino mudar nos próximos dez anos?
Dado que o mundo está a mudar, ainda mais do que no passado, já referimos que vemos a forma como as carreiras mudam, como há mais mudanças nas carreiras individuais, como as organizações mudam... Espero que o ensino em geral venha a ser ainda mais importante porque é através do ensino que preparamos as pessoas para os passos seguintes do nosso futuro.
Haverá mais procura de ensino, penso que isso é claro, mas também será mais personalizado, pelo que não será necessariamente o tipo de experiências ou programas educacionais para um grande número de pessoas como os que conhecemos hoje. Penso que as pessoas vão querer ter uma resposta mais personalizada para as suas necessidades de desenvolvimento e nós vamos ser capazes de lha dar precisamente porque, no futuro, haverá mais tecnologia e mais soluções individualizadas.
Penso que a tecnologia no setor educativo permitirá respostas mais personalizadas e dedicadas às necessidades de desenvolvimento.