Prólogo.Num gesto revelador do estado de negação em que se encontram, os partidos mais à esquerda com assento parlamentar não se fizeram representar no ato de tomada de posse do novo Governo..Os bloquistas justificaram a ausência, afirmando que, "tal como aconteceu no passado, o Bloco de Esquerda não estará representado na tomada de posse de um Governo de direita". Já os comunistas adiantaram ser "prática do PCP há décadas não participar na tomada de posse de governos". A verdade é que cinco dias após as eleições de 10 de março, já Paulo Raimundo avisava que a direita pretende "retomar o projeto 'troikiano' interrompido em 2015"..Ato I.Tudo isto assenta num enorme equívoco. Porque a troika não tem nada a ver com esquerda ou direita, mas com falta de dinheiro. Em 2011, Portugal encontrava-se à beira da bancarrota – nessa altura o Estado teria dinheiro para satisfazer os seus compromissos durante poucas mais semanas. A partir daí teria de cancelar os pagamentos, nomeadamente aos funcionários públicos que deixariam de receber os seus salários..Aquilo que o Governo, à época chefiado por José Sócrates, fez foi tentar encontrar uma entidade que estivesse disposta a injetar dinheiro num país, não só crescentemente endividado, mas também com uma competitividade externa cada vez mais reduzida. E, de facto, encontrou alguém disposto a financiar – na verdade, não uma entidade, mas três: o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. O famoso trio ou troika, como ficou para a história..Como é natural, quem se prontificou a emprestar dinheiro a um país aflito quis não só garantir o seu capital e juros (o leitor certamente faria o mesmo se fosse consigo), mas também – e nessa parte creio que só temos de estar gratos – conseguir um compromisso por parte do devedor de que, no futuro, geraria riqueza para fazer face às despesas que tinha. Ou seja, que não iria continuar na senda de gastar mais do que aquilo que produzia..Sinceramente, até aqui não sei o que é que isto tem a ver com direita ou esquerda. Para mim, só tem a ver com sobrevivência..Ato II.A história subsequente também a conhecemos. O Governo de José Sócrates assinou um memorando de entendimento em maio de 2011 através do qual se comprometia a fazer um ajustamento nas despesas do Estado, a introduzir mais eficiência nos serviços públicos e a apoiar a economia para que se tornasse mais competitiva e geradora de riqueza..Também neste ponto não sei o que é que isto tem a ver com direita ou esquerda. Para mim, só tem a ver com condições mínimas de desenvolvimento..Ato III.Acontece que, entretanto, vieram eleições e a coligação PSD-CDS saiu vencedora. O que significa que, honrando compromissos do Estado português, se viu obrigada a implementar o que estava estipulado no memorando de entendimento..Em certos domínios, o Governo de Passos Coelho foi mais longe do que aquilo com que se tinha comprometido, mas noutros ficou aquém, como é o caso da reforma da Administração Pública. A verdade é que a situação do país melhorou significativamente, não só do ponto de vista financeiro mas também económico. O que, aliás, permitiu uma “saída limpa” em maio de 2014 e, mais tarde já com a geringonça, que António Costa tivesse posto fim à chamada “austeridade“..Um governo social-democrata teria feito parecido, embora não se possa negar a mestria política de Costa na gestão de expectativas, dando a entender que iria acabar com a austeridade, mas inventando as “cativações“. E, dessa forma, conseguindo que a esquerda mais radical estivesse também comprometida com a política das contas certas..Bom, a história é esta. Onde está a direita e a esquerda? Só se for na parte final, com a esquerda a pactuar com políticas de direita sem o saber..Carlos Brito, professor da Porto Business School