Artur, Cristina, Joana, Nuno e Ricardo são cinco das mais de 40 pessoas que já receberam uma bolsa da Fundação José Neves (FJN) para mudar de carreira, em plena pandemia. Em meio ano de existência, a fundação recebeu mais de 500 candidaturas para a iniciativa que aposta na educação ao longo da vida através de bolsas de estudo reembolsáveis.
"Pagam-nos o curso e só quando começamos a trabalhar e a ganhar acima do valor mínimo previsto no contrato é que começamos a devolver o dinheiro. O que nos facilita muito a vida", resume Ricardo Lopes ao Dinheiro Vivo.
Licenciado em Filosofia desde 2018, o bolseiro completou, em dezembro, uma formação de nove semanas em web development na escola de programação Ironhack.
Este é um dos mais de 125 cursos (mestrados, pós-graduações e bootcamps) que dão acesso às bolsas nas áreas do digital, ciência, engenharia, matemática, economia, gestão, arquitetura e design.
À beira dos 30 anos, Ricardo conta que outros colegas e amigos "fizeram isto antes". Acabaram por trabalhar na área e está a correr tudo bem. "Seria muito irresponsável da minha parte se não fizesse o mesmo." A procura de emprego nesta área é mais fácil: "Posso fazer programação sem ter de me preocupar em arranjar dinheiro para pagar as prestações."
Em tempo de pandemia, os programadores continuam na lista dos trabalhadores mais procurados, assim como analistas de vendas, mecânicos e reparadores de máquinas, indica a base de dados Brighter Future, também da FJN.
Joana Monteiro estava ligada à gestão e aos eventos. "Aos 26, percebi que as qualificações eram insuficientes para ter mais confiança no meu trabalho." Escolheu uma pós-graduação em Marketing, Estratégia e Inovação na Nova SBE para "corresponder às novas necessidades na área do marketing e vendas".
A morar em Lisboa, Joana ainda falou com bancos para conseguir um empréstimo, recusado por "estar numa situação precária". Com a FJN, a jovem escolheu a primeira opção e tem "toda a flexibilidade" para devolver a bolsa.
Em 2019, apenas 10,5% dos portugueses em idade ativa tinha feito alguma formação ao longo da vida, segundo os dados da OCDE. "É óbvio que isto não está a funcionar em Portugal e é urgente desenvolver mecanismos de formação ao longo da vida", salienta Carlos Oliveira, presidente da fundação.
Aos 48 anos, Artur Denominato trabalha em programação há mais de duas décadas. "Senti que era preciso passar para outra tecnologia e descobri o curso ideal para aquilo que quero fazer nos próximos anos." Recorrendo à FJN, "pude focar-me muito mais no curso, sem haver pressão do orçamento", adianta.
O curso de desenvolvimento de aplicações com baixa programação está prestes a terminar. "Criam-se outras expectativas de carreira. Se não aprendermos nada durante uma semana ou um mês, na informática, ficamos constantemente desatualizados."
Nuno Feio tentou tirar um mestrado integrado em Engenharia de Materiais. "Mas dava por mim a estudar design e programação", conta. Seguindo o conselho de amigos, decidiu fazer um curso intensivo de 14 semanas em programação na Academia de Código.
As bases "foram importantes" mas o jovem está a tirar mais formações na internet. "Com este programa, não estou a ser pressionado por um banco. Se não ganhar acima do valor fixado, estou confortável. As pessoas podem mudar de carreira em qualquer idade. A fundação dá essa margem, desde que sejamos sérios", destaca.
Quem também ganhou margem para apostar na carreira foi Cristina Padilha. Formou-se em Arquitetura pela Universidade do Minho em 2006 e acabou por ficar a trabalhar no Instituto Ibérico de Nanotecnologia, mais ligada à área da inovação.
Mais de uma década depois, escolheu um MBA Executivo na Porto Business School, que terminará daqui a mais de um ano. "Preciso de mais ferramentas e de conhecimento para progredir na carreira e ficar ao nível de uma administradora. Já fiz imensa coisa sem formação e sei que se tivesse tido ferramentas, teria sido mais bem sucedida."
A FJN foi decisiva para que desse esse passo. "Em abril de 2019, a minha filha teve um cancro muito agressivo no cérebro. As estatísticas apontavam os piores cenários mas ela recuperou. Desde então, investimos todas as nossas poupanças em atividades para pôr o cérebro a trabalhar de forma diferente. Com a fundação, posso estudar sem prejudicar a minha família."
Apesar de as bolsas da Fundação José Neves terem um orçamento próprio de 5 milhões de euros nos primeiros dois anos, o valor devolvido pelos alunos vai financiar a atribuição de novas ajudas. O programa funcionará como uma espécie de economia circular, com ainda mais valor na época em que a pandemia acelerou a mudança do mundo.