No dia em que a notícia chegou, Paulo Fernandes ainda duvidou do número: até ele, o presidente da Câmara do Fundão e um dos responsáveis pela estratégia da marca cereja do Fundão, ficou surpreendido com o preço da cereja em Helsínquia.
Um quilo custava, naquele maio, 52 euros. A economia da cereja, como lhe chamam os especialistas, nunca esteve tão bem, garante o autarca. O negócio vale mais de 20 milhões de euros todos os anos e a área de cerejais em produção não para de aumentar.
Talvez por isso também sejam cada vez mais os investidores portugueses e estrangeiros interessados em investir em cerejais. “Assistimos a um novo padrão de investidores. Tínhamos já uma economia familiar agrícola. Hoje temos muitos investidores com negócios noutras áreas e que aplicam as suas poupanças, o seu dinheiro, na produção agrícola, nos cerejais, em detrimento, por exemplo, de outro tipo de investimentos de caráter mais especulativo. Isso é uma excelente notícia para nós”, diz Paulo Fernandes.
Nos últimos seis anos, a área plantada de cerejeiras na região - a maior a nível nacional - tem aumentado cerca de 10% ao ano, o equivalente a mais 200 hectares anuais a juntarem-se aos atuais 2600 hectares.
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Cerejeiras em flor, no Fundão.[/caption]
“Quando conseguimos associar um bom produto a uma boa marca estamos obviamente muito mais defendidos e, connosco, também a produção agrícola nacional. Fazemos parte de um grupo restrito de marcas da fruta nacional que inclui a pera-rocha, maçã de Alcobaça, laranja do Algarve, ananás dos Açores”, detalha Paulo Fernandes.
Com uma produção muito próxima das 7000 toneladas anuais, assegurada por cerca de 400 produtores da região, a área de cerejais cresce a olhos vistos, assim como os negócios em torno do setor. “Estamos num momento áureo, sobretudo associado a uma das marcas mais bem-sucedidas do ponto de vista de produção primária.
Nunca se conseguiu pagar tão bem ao produtor - criámos formatos associados àquilo que se chama comércio justo e o preço médio da cereja durante toda a campanha ronda os 1,80 euros por quilo. E o paradigma dos agricultores, pouco organizados e com dificuldade em chegar ao mercado, mudou. Hoje, há cereja do Fundão o ano inteiro, pelo conjunto de novos produtos e subprodutos que temos ligados ao negócio”, esclarece.
Além de eventos como as duas semanas das cerejeiras em flor (que deverá acabar este fim de semana) ou da Festa da Cereja, em junho, este ano e, pela primeira vez, a Câmara juntou-se à Junta de Freguesia de Alcongosta e à Compal na plantação do primeiro pomar de cerejeiras apadrinhadas. Isso significa que qualquer pessoa, a partir de agora, pode apadrinhar uma cerejeira.
O compromisso inclui o pagamento de 20 euros por ano, o cuidado da árvore ao longo dos anos pela Junta de Freguesia e dois quilos de cerejas entregues em casa dos padrinhos, todos os anos até a árvore dar fruto. A partir desse momento, os padrinhos ficam responsáveis pela colheita. Paulo Fernandes explica que esta é mais uma ideia para convidar as pessoas a voltar à região, pelo menos, uma vez por ano.
Investigar e empreender
Polpas mais duras, novas espécies e aperfeiçoamento das que já existem e são da região. Além de atrair visitantes - ainda, na maioria, portugueses -, a região está também na mira das novas gerações. “Assistimos a um enorme rejuvenescimento do padrão de produtores com os jovens agricultores a chegarem em força.
Fala-se de que, nesta região, apareceram nos últimos anos mais de 1000 projetos de jovens que estão, neste momento, no seu quadro de início ou desenvolvimento, o que altera completamente o patamar: traz mais conhecimento, mais sangue novo, mais energia para o processo, enquadrado numa região onde sempre mantivemos os agricultores tradicionais. Ou seja, podemos falar de novos investidores porque o conhecimento tradicional, esse ‘saber fazer’ nunca se perdeu”, diz Paulo Fernandes.
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Vista sobre o Fundão[/caption]
A Meca da inovação do Fundão está, desde há um ano, a cargo do centro de investigação de biotecnologia vegetal: é nos seus laboratórios que muitos investigadores testam receitas e tentam aperfeiçoar espécies, sobretudo para tornarem a cereja mais resistente, um passo muito importante em termos da afirmação da marca a nível internacional.
Um dos alvos desse aperfeiçoamento é a espécie autóctone cereja saco, polpa dura, quase preta e com um teor de açúcar muito elevado, uma das mais de 50 espécies em produção na região. “O valor que hoje se consegue criar na economia da cereja já permite um investimento intensivo nas novas tecnologias e isso é excelente. Começamos a trabalhar, por um lado, na defesa das espécies autóctones. Mas, por outro, estamos a querer orientá-las para aquilo a que se chama polpas duras, que resistem mais e são melhores do ponto de vista logístico e do transporte, por causa da exportação”, assinala.
Cerca de 15% da produção de cereja do Fundão vai para exportação. Os principais mercados são Angola, Brasil, Inglaterra e países nórdicos, onde a cereja do Fundão chega mais cedo do que qualquer outra devido ao clima português. A região tem ainda apostado nos contactos em Macau e Médio Oriente.