O chumbo da Autoridade da Concorrência (AdC) à compra da Nowo pela Vodafone Portugal vai pressionar o futuro da operação do quarto operador de telecomunicações português. O plano de investimentos da MásMóvil, dona da Nowo, não visa Portugal e, sem outro comprador para a Nowo, que acumula prejuízos e representa já uma imparidade nas contas do grupo de telecomunicações espanhol, o encerramento do operador poderá mesmo acontecer..O Dinheiro Vivo questionou a Nowo e a MásMóvil sobre o futuro da operação, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta de fontes oficiais. Não obstante, a informação que consta nos relatórios de contas de 2021, 2022 e 2023 da dona da Nowo permite depreender que, sem uma alternativa ao negócio com a Vodafone, os cenários possíveis não serão animadores. Além disso, a 25 de fevereiro, ao jornal Eco, Miguel Venâncio, presidente do conselho de administração da Nowo, admitia a hipótese mais drástica: “Esse é um dos cenários que poderá vir a acontecer, que é, sim, o encerramento da Nowo em Portugal”..Por que razão, não havendo uma venda, o futuro da Nowo está em causa? Porque a empresa tem uma operação limitada, com uma quota de mercado abaixo dos 3% e prejuízos acima dos 20 milhões de euros (em 2022), e representa hoje uma perda de valor para a MásMóvil que poderia ser compensada ou recuperada através da venda da empresa. Além disso, a MásMóvil está focada apenas no mercado espanhol, sem interesse em apostar em Portugal..“O grupo reconheceu uma imparidade em instrumentos financeiros [da Cabonitel, veículo através do qual detém a Nowo] no montante de 38,237 mil euros, a 31 de dezembro de 2023”, lê-se no relatório de contas do último ano da MásMóvil, que reporta também um crédito de 13,4 milhões de euros relativo ao exercício de 2022 para ajustar ativos e passivos ao "justo valor" no momento da aquisição pelos espanhóis face aos custos da venda pretendida agora. Também dá conta da venda da Alterlinks - fornecedor de fibra ótica da Cabonitel - por 5,3 milhões de euros à Gigas, em outubro de 2023 para, precisamente, garantir a alienação da Nowo..Comprar para revender A MásMóvil adquiriu a Cabonitel ao fundo norte-americano KKR, em 2019, passando a controlar a Nowo e a Oni (vendida em 2020 à Gigas, também uma empresa espanhola, por 40 milhões de euros)..Entrou no mercado português embalada pelo crescimento do grupo em Espanha e porque a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) usou o leilão do 5G para atrair novos operadores, com o argumento de estimular a concorrência - entre os termos do leilão estava o roaming nacional (que permite a partilha de rede com um operador já estabelecido e com rede móvel própria). A Nowo investiu 70,2 milhões de euros no leilão de frequências..No final de 2021, o negócio em Portugal não representava “quaisquer perdas”, segundo o relatório de contas daquele ano. Em 2022, contudo, a MásMóvil perdeu o interesse em Portugal..Por um lado, a entrada do operador de origem romena Digi no mercado nacional - também por via do leilão do 5G - tornava mais difícil assegurar a rentabilidade do negócio, devido à dimensão do mercado português. Por outro, a MásMóvil já se encontrava a preparar a fusão com a Orange em Espanha (aprovada em fevereiro deste ano)..As contas de 2022 revelam que só em abril daquele ano, a MásMóvil passou a controlar a 100% a Cabonitel e, por sua vez, a Nowo, após acordos entre acionistas e parceiros de negócios. No relatório, o veículo de controlo da Nowo é mencionado como “subsidiária exclusivamente para revenda”..Em setembro de 2022, foi anunciado o acordo que previa a venda da Nowo à Vodafone Portugal, com o relatório de contas a revelar que o negócio ascendia a 72 milhões de euros..O chumbo da AdC.A AdC levou um ano e meio a analisar o negócio, até que a 25 de março deste ano, fonte oficial daquela autoridade confirmou que o projeto de decisão chumba a compra da Nowo pela Vodafone, porque esta última “falhou em demonstrar que esta aquisição não teria impacto negativo na concorrência”..A Vodafone tinha apresentado dois pacotes de medidas corretivas para evitar o chumbo, incluindo a cedência de espetro à Digi. Mas, para a AdC, o sucesso operação “poderia levar inclusivamente a aumentos dos preços”, ao acabar com a “pressão concorrencial que a Nowo atualmente exerce”..Em causa estará o chamado "efeito Nowo". Como os serviços da Nowo não cobrem todo o território nacional, mas apenas algumas regiões, nos concelhos em que Nowo opera a pressão concorrencial é superior à sua quota de mercado (não chega a 3%). Ou seja, nessas regiões todos os operadores praticam preços mais baixos do que no resto do país. A Nowo terá um valor concorrencial teórico superior ao que a empresa terá na prática e, por isso, a Concorrência acredita que esse efeito acabe se o operador for incorporado no universo da Vodafone (ou de um dos outros dois operadores históricos, Altice ou NOS)..A formalização da decisão da AdC deverá ocorrer no final de abril ou meados de maio, após as audiências às partes interessadas sobre o projeto de decisão (que é, na prática, um anúncio preliminar do veredito final). O acordo entre Vodafone e a MásMóvil tem validade até 15 de maio, segundo o relatório de contas de 2023, mas é pouco provável que o sentido da decisão da AdC mude. E quando for formalizado a inviabilização do tema a Vodafone não insistirá mais no tema..A Vodafone já fez saber que “lamenta e discorda” da decisão da Concorrência, alertando que o chumbo “inviabiliza o reforço do investimento da Vodafone no mercado nacional”, e que quaisquer acordos dependentes do sucesso deste negócio caem por terra. A empresa liderada por Luís Lopes também opinou que a decisão da AdC "se distancia, surpreendentemente, da prática consolidada da Comissão Europeia, que ainda há poucas semanas aprovou em Espanha uma operação de muito maior dimensão [a fusão MásMóvil-Orange], aceitando um pacote de compromissos substancialmente mais leve"..Sem uma alternativa para a Nowo, que não oferece serviços em todo o território, poderão ficar em causa perto de 150 empregos diretos e uma operação que serve cerca de 250 mil clientes do serviço móvel e cerca de 140 mil clientes do serviço fixo. A rede fixa cobre menos de um milhão de casas e os serviços móveis ainda são assegurados pela rede móvel da Meo (Altice), devido a um acordo de operador móvel virtual. Apesar de ter licenças 5G, a Nowo ainda não tem uma rede móvel própria.