Futuro da Nowo em causa após chumbo da venda à Vodafone

Espanhóis da MásMóvil, dona da Nowo, riscaram Portugal do plano de negócios. Sem venda, o registo de uma imparidade e prejuízos no quarto operador de telecomunicações português, o futuro da Nowo incerto.
Miguel Venâncio, presidente do conselho de administração da Nowo, e Meinrad
Spenger, presidente executivo grupo MásMóvil, em 2019, aquando do anúncio da compra da Nowo pelo grupo espanhol. Foto: D.R
Miguel Venâncio, presidente do conselho de administração da Nowo, e Meinrad Spenger, presidente executivo grupo MásMóvil, em 2019, aquando do anúncio da compra da Nowo pelo grupo espanhol. Foto: D.RD.R.
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O chumbo da Autoridade da Concorrência (AdC) à compra da Nowo pela Vodafone Portugal vai pressionar o futuro da operação do quarto operador de telecomunicações português. O plano de investimentos da MásMóvil, dona da Nowo, não visa Portugal e, sem outro comprador para a Nowo, que acumula prejuízos e representa já uma imparidade nas contas do grupo de telecomunicações espanhol, o encerramento do operador poderá mesmo acontecer.

O Dinheiro Vivo questionou a Nowo e a MásMóvil sobre o futuro da operação, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta de fontes oficiais. Não obstante, a informação que consta nos relatórios de contas de 2021, 2022 e 2023 da dona da Nowo permite depreender que, sem uma alternativa ao negócio com a Vodafone, os cenários possíveis não serão animadores. Além disso, a 25 de fevereiro, ao jornal Eco, Miguel Venâncio, presidente do conselho de administração da Nowo, admitia a hipótese mais drástica: “Esse é um dos cenários que poderá vir a acontecer, que é, sim, o encerramento da Nowo em Portugal”.

Por que razão, não havendo uma venda, o futuro da Nowo está em causa? Porque a empresa tem uma operação limitada, com uma quota de mercado abaixo dos 3% e prejuízos acima dos 20 milhões de euros (em 2022), e representa hoje uma perda de valor para a MásMóvil que poderia ser compensada ou recuperada através da venda da empresa. Além disso, a MásMóvil está focada apenas no mercado espanhol, sem interesse em apostar em Portugal.

“O grupo reconheceu uma imparidade em instrumentos financeiros [da Cabonitel, veículo através do qual detém a Nowo] no montante de 38,237 mil euros, a 31 de dezembro de 2023”, lê-se no relatório de contas do último ano da MásMóvil, que reporta também um crédito de 13,4 milhões de euros relativo ao exercício de 2022 para ajustar ativos e passivos ao "justo valor" no momento da aquisição pelos espanhóis face aos custos da venda pretendida agora. Também dá conta da venda da Alterlinks - fornecedor de fibra ótica da Cabonitel - por 5,3 milhões de euros à Gigas, em outubro de 2023 para, precisamente, garantir a alienação da Nowo.

Comprar para revender
A MásMóvil adquiriu a Cabonitel ao fundo norte-americano KKR, em 2019, passando a controlar a Nowo e a Oni (vendida em 2020 à Gigas, também uma empresa espanhola, por 40 milhões de euros).

Entrou no mercado português embalada pelo crescimento do grupo em Espanha e porque a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) usou o leilão do 5G para atrair novos operadores, com o argumento de estimular a concorrência - entre os termos do leilão estava o roaming nacional (que permite a partilha de rede com um operador já estabelecido e com rede móvel própria). A Nowo investiu 70,2 milhões de euros no leilão de frequências.

No final de 2021, o negócio em Portugal não representava “quaisquer perdas”, segundo o relatório de contas daquele ano. Em 2022, contudo, a MásMóvil perdeu o interesse em Portugal.

Por um lado, a entrada do operador de origem romena Digi no mercado nacional - também por via do leilão do 5G - tornava mais difícil assegurar a rentabilidade do negócio, devido à dimensão do mercado português. Por outro, a MásMóvil já se encontrava a preparar a fusão com a Orange em Espanha (aprovada em fevereiro deste ano).

As contas de 2022 revelam que só em abril daquele ano, a MásMóvil  passou a controlar a 100% a Cabonitel e, por sua vez, a Nowo, após acordos entre acionistas e parceiros de negócios. No relatório, o veículo de controlo da Nowo é mencionado como  “subsidiária exclusivamente para revenda”.

Em setembro de 2022, foi anunciado o acordo que previa a venda da Nowo à Vodafone Portugal, com o relatório de contas a revelar que o negócio ascendia a 72 milhões de euros.

O chumbo da AdC

A AdC levou um ano e meio a analisar o negócio, até que a 25 de março deste ano, fonte oficial daquela autoridade confirmou que o projeto de decisão chumba a compra da Nowo pela Vodafone, porque esta última “falhou em demonstrar que esta aquisição não teria impacto negativo na concorrência”.

A Vodafone tinha apresentado dois pacotes de medidas corretivas para evitar o chumbo, incluindo a cedência de espetro à Digi. Mas, para a AdC, o sucesso operação “poderia levar inclusivamente a aumentos dos preços”, ao acabar  com a “pressão concorrencial que a Nowo atualmente exerce”.

Em causa estará o chamado "efeito Nowo". Como os serviços da Nowo não cobrem todo o território nacional, mas apenas algumas regiões, nos concelhos em que Nowo opera a pressão concorrencial é superior à sua quota de mercado (não chega a 3%). Ou seja, nessas regiões todos os operadores praticam preços mais baixos do que no resto do país. A Nowo terá um valor concorrencial teórico superior ao que a empresa terá na prática e, por isso, a Concorrência acredita que esse efeito acabe se o operador for incorporado no universo da Vodafone (ou de um dos outros dois operadores históricos, Altice ou NOS).

A formalização da decisão da AdC deverá ocorrer no final de abril ou meados de maio, após as audiências às partes interessadas sobre o projeto de decisão (que é, na prática, um anúncio preliminar do veredito final). O acordo entre Vodafone e a MásMóvil tem validade até 15 de maio, segundo o relatório de contas de 2023, mas é pouco provável que o sentido da decisão da AdC mude. E quando for formalizado a inviabilização do tema a Vodafone não insistirá mais no tema.

A Vodafone já fez saber que “lamenta e discorda” da decisão da Concorrência, alertando que o chumbo  “inviabiliza o reforço do investimento da Vodafone no mercado nacional”, e que quaisquer acordos dependentes do sucesso deste negócio caem por terra. A empresa liderada por Luís Lopes também opinou que a decisão da AdC "se distancia, surpreendentemente, da prática consolidada da Comissão Europeia, que ainda há poucas semanas aprovou em Espanha uma operação de muito maior dimensão [a fusão MásMóvil-Orange], aceitando um pacote de compromissos substancialmente mais leve".

Sem uma alternativa para a Nowo, que não oferece serviços em todo o território, poderão ficar em causa perto de 150 empregos diretos e uma operação que serve cerca de 250 mil clientes do serviço móvel e cerca de 140 mil clientes do serviço fixo. A rede fixa cobre menos de um milhão de casas e os serviços móveis ainda são assegurados pela rede móvel da Meo (Altice), devido a um acordo de operador móvel virtual. Apesar de ter licenças 5G, a Nowo ainda não tem uma rede móvel própria.

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