
Antes da aquisição da Fórmula 1 pela Liberty Media e da realização da série Drive to Survive, na Netflix, as receitas da principal categoria do automobilismo eram de 1,83 mil milhões de dólares. Em 2024, foram de 3,65 mil milhões de dólares. Nunca a F1 gerou tanto dinheiro. Mas a que custo?
Com a expansão do desporto para os Estados Unidos, o país da Liberty Media, e para o Médio Oriente, com destinos como a Arábia Saudita a pagarem astronómicos 55 milhões de dólares para abrigar etapas do Mundial, o calendário cresceu de 20 corridas, em 2017, para as 24 de hoje. E os beneficiados não são apenas a Liberty Media, que lucra mais, nem os adeptos, que vibram com mais fins de semana com corridas, mas também as equipas. “Por elas haveria ainda mais datas, porque, no fim das contas, as provas geram mais dinheiro também para elas”, disse John Hand, advogado que negoceia contratos entre as partes, à revista americana Forbes.
Antes de 2017, o normal seria fim de semana sim, fim de semana não de corridas; hoje chegam a realizar-se três num mês e com travessias continentais, se necessário, cuja preparação se inicia logo após a bandeira xadrez ser desfraldada na prova anterior. E quem sofre são os funcionários anónimos, ou quase, que fazem o circo girar, como mecânicos, engenheiros e restante staff, com mais tempo de trabalho - 12 horas diárias é o padrão -, mais viagens, mais cansaço, mais exaustão e, quem sabe, mais erros cometidos.
“Há tantas decisões a tomar que precisam de ser rápidas, tantas pessoas nas pistas a dependerem de informação enviada pela fábrica, tantas pessoas nas pistas a precisarem de operar os carros em tempo real…”, alertou à Forbes o espanhol Javier Bermejo, engenheiro de performance da Sauber e ex-Red Bull. “Às vezes”, acrescenta o especialista em aerodinâmica italiano Massimo Bigi na mesma reportagem, “não conseguimos dar as informações necessárias à equipa porque nem sequer recebemos os dados a tempo…”
Os casos de burnout e mais problemas de saúde e de falta de tempo para a família e de relações pessoais sob pressão crescem por isso, na Fórmula 1, avisam Bermejo, Bigi e outros. O que os mantém no desporto, então? “Prestígio”, afirmam. Porque o salário - 175 mil dólares por ano para o staff no topo da cadeia - às vezes não compensa, até porque os pilotos ficam com a fatia de leão dos ganhos - 500 mil a 65 milhões por ano graças a bónus e patrocínios que não estão ao alcance do pessoal de apoio.
Mas o prestígio, entretanto, tem um limite: já há funcionários a migrarem para o Mundial de Endurance, categoria secundária do automobilismo, mas, ainda assim, em crescimento. “Além de estarmos a perder pessoas para empresas de tecnologia, porque pagam melhor…”, lembra Adrian Newey, designer e executivo Campeão do Mundo à revista alemã Auto Motor und Sport.
A Fórmula 1, ciente do problema, estabeleceu limites e um recolher obrigatório. Mas equipas de topo de um desporto altamente competitivo não se importam de pagar as multas correspondentes: antes do recente Grande Prémio do Japão, a Mercedes e a Alpine, por exemplo, trabalharam na afinação dos seus bólides até de madrugada.
Outras soluções passam pela rotação de pessoal - o que obrigaria as equipas a contratarem quase o dobro dos profissionais para compensar folgas - ou, voltando ao princípio, por reduzir o número de corridas outra vez para 20, por mais que patrões, equipas e fãs reclamem.
Receita, em milhares de milhões de dólares, da Fórmula 1 em 2024. Em 2017, era de 1,83 mil milhões
Número de corridas do campeonato. Em 2017, antes da empresa Liberty Media comprar a Fórmula 1, eram 20. Há provas até três fins de semana seguidos
Salário anual, em milhares de dólares, dos engenheiros de topo. Os pilotos, estrelas do circo, chegam a ganhar 65 milhões, com bónus e patrocínios