O acidente ferroviário de Soure em julho de 2020, a queda de uma avioneta numa praia da Costa de Caparica em agosto de 2017 e as falhas no controlo de tráfego aéreo no Porto e em Ponta Delgada detetadas nos últimos dois anos têm um ponto em comum. Os acontecimentos foram escrutinados pelo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF).O gabinete teve um diretor em substituição durante mais de seis anos. Apenas no início de outubro foi nomeado um líder efetivo, com mandato de cinco anos..Desde 2017, o Governo tentou encontrar um nome efetivo para o lugar. O processo foi liderado pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP). A comissão fez várias tentativas ao longo do tempo, "não tendo sido encontrados três candidatos com o mérito exigido para o cargo", refere o despacho publicado esta semana em Diário da República..Perante o impasse, a última palavra coube a João Galamba. "Designo o engenheiro Nélson Rodrigues de Oliveira para exercer, em regime de comissão de serviço, por um período de cinco anos, o cargo de diretor do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários, conforme resulta do seu currículo académico e profissional que evidencia a competência técnica, aptidão, experiência profissional e formação adequadas ao exercício das respetivas funções..O GPIAAF nasceu em abril de 2017. Resultou da fusão entre o Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários (GISAF) com o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (nascido em 1999)."Em países europeus, como a Áustria, a Bulgária, a Croácia, o Luxemburgo, a Noruega e a Suécia, os organismos responsáveis pela prevenção e investigação de incidentes e acidentes, têm atribuições concentradas na área da aeronáutica e na área ferroviária, contribuindo, assim, para uma visão integrada na área da investigação de incidentes e acidentes nestes modos de transportes, potenciando o aproveitamento de sinergias e a partilha de competências", justificou o então Ministério do Planeamento e das Infraestruturas..Desde a fundação, o GPIAAF foi liderado por Nélson Rodrigues de Oliveira em regime de substituição, após presidir, por três anos e meio, ao antigo gabinete de investigação de acidentes nas linhas de comboio. Chegou ao lugar depois do processo de seriação da CReSAP. Antes da fusão, o GISAF esteve praticamente três anos sem funcionar: o lugar de diretor ficou vago entre janeiro de 2011 e outubro de 2013, após a saída de Vítor Manuel de Sousa Risota..Investigar sem punir.A investigação de acidentes nos caminhos-de-ferro em Portugal data de meados do século XIX. Durante mais de 100 anos, sempre que ocorriam desastres, eram nomeadas comissões independentes para apuramento de causas e de responsabilidades. "Esta prática manteve-se praticamente inalterada, sendo a investigação oficial dos acidentes conduzida por técnicos do organismo Estatal ao qual, em cada época, incumbia a fiscalização dos caminhos-de-ferro", lê-se na página do GPIAAF. Até abril de 1975, a CP era uma empresa privada, pondo os comboios nos carris através de contratos de concessão assinados pelo Estado..Após a nacionalização da CP, as investigações aos acidentes deixaram de ser autónomas porque passaram a ser "realizadas por comissões de inquérito constituídas essencialmente por elementos da transportadora ferroviária nacional, eventualmente com a participação de representante do Ministério da Tutela nos casos de maior gravidade"..A peritagem apenas voltou a ser autónoma em 1998, ano em que as investigações passaram para um novo regulador, o Instituto Nacional do Transporte Ferroviário. O instituto foi extinto em 2007 e, no ano seguinte, nasceu o GISAF, após transposição de uma nova diretiva comunitária. Cada país da União Europa teve de criar um organismo "independente na sua organização, estrutura jurídica e processo de decisão, da autoridade nacional de segurança ferroviária, da entidade reguladora dos caminhos-de-ferro, de qualquer gestor de infraestrutura, empresa ferroviária, organismo de tarifação, entidade responsável pela repartição da capacidade e organismo notificado, e de qualquer outra parte cujos interesses possam colidir com as tarefas que lhe são confiadas"..Atualmente, o papel do GPIAAF é "exclusivamente técnico" e "não tem qualquer função ou objetivo de determinação de culpas ou responsabilidades nos acidentes ou incidentes". Após a investigação de acidentes ou de incidentes que ponham em causa a segurança do transporte ferroviário, é elaborado um relatório com recomendações que "visem reduzir a probabilidade da sua ocorrência ou a gravidade das suas consequências". Além dos comboios de passageiros e de mercadorias, a atuação do gabinete de investigação incide sobre os metropolitanos de Lisboa, Porto e Sul do Tejo, os funiculares dos Guindais e de Viana do Castelo, além dos ascensores do Bom Jesus (de Braga) e da Nazaré e ainda do Elétrico de Sintra.