“... e pur si muove!”, sussurrou Galileu Galilei ao ouvir a sua sentença de prisão perpétua, decretada pelo Tribunal do Santo Ofício.
“... e no entanto, ela move-se!”, é a tradução. A constatação refere-se ao facto de Galileu ter tido que renegar a teoria heliocêntrica (a tal que estabelece que a Terra dá voltas em torno do Sol). Galileu queria salvar, literalmente, a pele (de ser queimada) e, para isto, não se incomodou em afirmar um sem número de bobagens mais ao agrado dos bispos e padres. Porém, na sua tergiversação final, quis sublinhar um falso espanto. Afinal, a Terra movia-se (o que não faria sentido caso a Igreja estivesse certa).
“... e pur si muove!”, foi o que pensei ao analisar os primeiros filmes da nova campanha global da Coca-Cola.
Num primeiro momento, lendo as declarações dos altos responsáveis da marca, vendo apenas o filme de lançamento, tinha chegado à conclusão (errada) de que a Coca-Cola estava a renegar as suas últimas três décadas de comunicação e regressado aos anos 80.
Não se engane, o tema é importante. A Coca-Cola é um dos grandes (se não o maior) faróis da indústria publicitária mundial. O que ela faz importa, interessa, merece ser visto, precisa ser analisado.
Fechar o ciclo “Hapiness Factory”, que durou 7 anos, já seria uma decisão importante. Fazer isto e afirmar coisas como (estou a ser grosseiro na interpretação) “acabou a brincadeira, o que vendemos é xarope gaseificado com muito gelo e não experiências sociais”, faz com que as coisas ganhem outra dimensão.
Porém, ultrapassando o filme de lançamento (uma simpática colcha de retalhos de imagens da vida e pouco mais), vendo alguns dos filmes seguintes, descobrimos que, afinal, o passo atrás é seguido de um passo à frente.
https://www.youtube.com/watch?v=_xp2T_TooF0
A nova campanha da Coca-Cola não se furta em contar histórias, não tem medo de assumir a importância do storytelling. Cada spot é um pequeno conto sem diálogos. Trazem temas interessantes (bullying, separações entre namorados, o amor fraternal, a pressão social do desporto). Tudo isto pode estar emoldurado por tons rubis, canções melosas e finais felizes, mas as tensões da vida estão lá.
Até a Coca-Cola sabe que o mundo não é um anúncio da Coca-Cola.
Neste sentido, a anterior campanha, a da “felicidade”, soa até ingénua e desconectada da realidade. Era bonito propor que poderíamos ser todos mais bonzinhos e, por isso, felizes. Porém, é lícito imaginar que muitos dos jovens de hoje não estivessem a embarcar nesta visão romântica da vida.
Espero que marqueteiros e publicitários de todo o mundo não façam (como eu tinha feito) ilações apressadas sobre o que a Coca-Cola está a tentar dizer. Pior do que imitar o líder é fazer isso de maneira equivocada.
Ou como diria o meu Tio Olavo, parafraseando Pessoa: “Tudo o que é criativo primeiro estranha-se, depois entranha-se”.