Galp passa os 300 mil barris/dia: "Não foi por sorte que descobrimos o Tupi"

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O anúncio chegou ao fim do dia: Galp, Petrobras e BG Group tinham descoberto reservas de 8,3 mil milhões de barris de petróleo no bloco de Tupi, na bacia de Santos, ao largo do Rio de Janeiro, no Brasil. Estávamos em 2007 e era a maior descoberta mundial de petróleo dos últimos 30 anos, num local atípico e difícil de chegar: o pré-sal, ou seja, em alto-mar e a seis mil metros de profundidade, depois de uma camada de sal com dois quilómetros de espessura.

"Já tínhamos feito descobertas na bacia de Santos mas o grande filão foi o Tupi. Revolucionou a Petrobras porque nos apercebemos do nível de investimento que teríamos de fazer", conta Anelise Lara, especialista da empresa brasileira. E a Galp "sofreu uma metamorfose", diz o CEO, Manuel Ferreira de Oliveira, que hoje investe ali 600 milhões de euros - quase metade do que vai aplicar na empresa toda -, apesar de a sua participação ser só de 10%.

Só a construção de cada uma das 14 plataformas que vão retirar o petróleo do fundo do mar custa ao consórcio 1,2 mil milhões de euros. São 18 mil milhões, fora a perfuração dos poços, que em alto-mar custam até 225 milhões cada, e ainda as sondas de exploração que valem 750 mil por dia. "Só naquela sonda ali ao fundo colocámos 75 mil dólares por dia", aponta Ferreira de Oliveira, olhando para a estrutura que está ancorada na bacia de Santos, a alguns quilómetros do navio-plataforma Cidade Angra dos Reis.

Este antigo petroleiro convertido em moderna plataforma petrolífera - e que já produz 95 mil barris por dia - está a 300 quilómetros da costa, no meio do Atlântico. São quase duas horas de helicóptero. O isolamento é extremo - "Às vezes esquecemos que dia é", diz Rivadavia Freitas, um dos engenheiros-chefe da plataforma. E o risco também. "Temos aqui tudo para ter acidentes": extração de petróleo, uma refinaria, uma central a gás para produzir eletricidade e uma torre para libertar o gás que sai dos poços e evitar que tudo vá pelos ares.

Mas é estar ali confinado vários dias seguidos que mais pesa nos cerca de 100 operários e técnicos. "A cada 14 dias há uma troca de pessoas que depois ficam pouco mais de duas semanas em terra antes de voltar", explica Rivadavia. Contas feitas, metade do ano é passada ali. "Perdemos muita coisa. O aniversário dos filhos e o Natal... mas aprendemos a lidar com isso. E compensa." José David, 38 anos, casado e com três filhos, é um dos residente no Cidade Angra dos Reis. "Aqui ganho seis mil reais [cerca de dois mil euros] por mês. Em terra ganharia dois mil [650 euros]".

Ferreira de Oliveira sabe o que é estar isolado. "Nunca fiquei a viver numa plataforma, mas trabalhei numa vários anos, ia e vinha de lancha todos os dias porque era em águas rasas, mais perto da costa. Mas era chefe de turno, tinha de gerir as pessoas - num local como este isso é muito importante. Ao fim de uns dias as pessoas pegam-se."

O Tupi "não foi sorte"

Ferreira de Oliveira é um homem do petróleo. Já tinha na bagagem a exploração e produção quando entrou na Galp, nos anos 90, no momento em que a petrolífera decidiu expandir-se. Começou por Angola, de onde já retira crude há vários anos, e depois virou-se para a América Latina. A primeira meta era produzir 30 mil barris por dia - que praticamente já alcançou - depois passou para 80 mil e com o Brasil escalou para 300 mil em 2020.

"Este objetivo não é uma aspiração, está relacionado com programas em curso e que respondem a colocar em produção reservas já descobertas", diz o CEO, referindo-se aos 14 navios-plataforma que vão estar a operar até 2018.

Além do Cidade Angra dos Reis, está já a funcionar o Cidade de Paraty, que em breve estará a produzir para o consórcio 120 mil barris/dia. "Se estas duas plataformas estivessem em Portugal equilibrávamos as contas públicas e a troika já podia ir embora", diz Ferreira de Oliveira. No terceiro trimestre de 2014 chegará o Cidade de Mangaratiba, que está agora em construção nos estaleiros das Brasfels em Angra.

Esta é a última fase de um processo de transformação da Galp que começou em 1998, quando chegou ao Brasil para procurar petróleo. "Entre o momento em que se adquire um contrato e aquele em que, se a exploração tiver sucesso, começamos a produzir, são uns 10 anos."

No Brasil não foi preciso tanto, diz Anelise Lara. Na bacia de Santos houve oito grandes descobertas em quatro anos, enquanto na de Campos foram precisos 23 anos para fazer 42 descobertas. "Mas não foi por sorte que descobrimos o Tupi", garante o CEO da Galp. "Estamos a construir uma bela equipa. Só em Lisboa temos dez nacionalidades diferentes", conta, revelando que foi ele que recrutou Stephen Whyte, administrador que tem há um ano o pelouro da exploração e produção.

Libra, o próximo Tupi?

A Galp já tem 24 projetos no Brasil e no final de agosto fecha contratos para mais nove poços que vai depois começar a explorar para saber se têm petróleo suficiente. O maior deles é na bacia de Barrerinhas, também em alto-mar, "e se a natureza estiver connosco teremos um trabalho gigante por muito tempo".

O filão Brasil está longe de esgotar e Ferreira de Oliveira antecipa que será possível passar a meta dos 300 mil barris/dia. "Os blocos que vamos assinar, como a Namíbia, Moçambique e outras geografias onde estamos a trabalhar, terão reservas cuja produção já entra numa meta pós-2020."

E em outubro será lançado um outro concurso para o bloco Libra, também na bacia de Santos, onde se estima que haja tantas ou mais reservas que no Tupi. Ferreira de Oliveira não revela se vai concorrer, mas não esconde que é tentador: "Será o primeiro bloco a aplicar novos contratos que exigem pagamento de mais impostos, exatamente porque se sabe que há ali petróleo". *no Rio de Janeiro, Brasil, a convite da Galp

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