Nos últimos meses, a inteligência artificial (IA) tornou-se objeto de discussão nos mais variados meios, seja pelas suas aplicações criativas em diferentes indústrias, seja pela capacidade de programação informática, produção de artigos (inclusive científicos), histórias, pinturas ou mesmo sugestão de respostas automatizadas de e-mails.
Com o aumento do uso de ferramentas baseadas em sistemas de IA, novos problemas jurídicos vêm à tona. Desta vez, a discussão recai sobre a suposta utilização e reprodução de imagens e obras protegidas.
Na última semana, a empresa Stability AI foi acusada pela Getty Images de violar os seus direitos de propriedade intelectual, nomeadamente direitos de autor, pela cópia e processamento de milhões de imagens protegidas sem obter a licença adequada. A Getty Images insurgiu-se contra a suposta violação dos termos de utilização do site, especialmente em relação ao chamado web scraping (recolha de dados estruturados de forma automatizada).
Os trâmites processuais foram iniciados no Supremo Tribunal do Reino Unido. A Stability AI ainda não se pronunciou sobre o caso, mas afirmou estar a aguardar o acesso aos documentos oficiais para devida análise.
A Getty Images é uma empresa de media visual que disponibiliza um banco de imagens com fotografias, ilustrações e vídeos diversos. A Stability AI, por sua vez, é a criadora da ferramenta Stable Diffusion, utilizada principalmente para gerar imagens com base em descrições em texto.
Até à data, não foram divulgados mais detalhes do caso, mas existem questões que parecem carecer de resposta, a saber: a) se a reprodução em apreço de facto constitui uma infração autoral; e b) se esta utilização pode ser considerada como uso justo ("fair dealing", no Reino Unido, ou "fair use", nos Estados Unidos).
Para responder a essas perguntas, analisam-se os requisitos de proteção jurídico-autoral, bem como se as imagens foram utilizadas de forma transformadora, além da natureza comercial dessas ferramentas e do potencial impacto negativo no licenciamento das obras originais.
A Stability AI já é alvo de outro processo judicial semelhante nos Estados Unidos, onde artistas ajuizaram uma ação coletiva alegando que a empresa reproduziu biliões de imagens sem autorização.
No caso da ação coletiva, ajuizado em 13 de janeiro de 2023, os autores afirmam que houve violação dos direitos de autor, alegando que as ferramentas de IA das empresas Stability AI, Midjourney e DeviantArt, reproduzem imagens protegidas por direitos de autor sem autorização.
Argumentam ainda que isso resulta na criação de obras ilegais entregues aos usuários. Em termos gerais, é possível treinar as ferramentas de IA para entender e aprender elementos essenciais de obras e personagens, gerando imagens completamente novas. No entanto, essas novas obras podem ainda conter fragmentos de outras obras protegidas por direitos de autor.
Em termos jurídicos, como em muitos casos envolvendo a proteção de direitos de autor, as questões de infração são avaliadas com base na existência ou não de proteção jus autoral, verificando se os requisitos de originalidade e origem intelectual da expressão foram atendidos.
Deste modo, enquanto as alegações recaem sobre direitos autorais, inicia-se um longo debate quanto à existência dos direitos, na individualidade de cada obra e imagem. É fundamental que as questões jurídicas sejam solucionadas para garantir a proteção dos direitos de autor e a continuidade do desenvolvimento das ferramentas de IA. Por outro lado, considerando que este debate engloba milhares de obras, seja pela gestão de uma base de dados, seja por uma ação coletiva de artistas, parece que a resposta não será alcançada de forma ágil.
Este caso ilustra como as ferramentas baseadas em IA podem criar desafios jurídicos inesperados, tornando-se cada vez mais essencial as empresas que exploram sistemas de inteligência artificial terem uma compreensão sobre os riscos jurídicos relacionados.
De uma perspetiva legal, é crucial que as leis sejam atualizadas para lidar com as novas realidades criadas por tecnologias baseadas em IA. É também essencial que problemas jurídicos advindos da inovação sejam analisados e direcionados, visando sempre garantir a proteção dos autores e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento técnico e científico.
Mariana Hazt Lencina, advogada e consultora jurídica na Inventa