Aniversários, informação de familiares, emprego, rendimentos, propriedades detidas, histórico médico, benefícios sociais recebidos, atividade nas redes sociais, preferências políticas e registo sobre se determinado cidadão exerceu o direito de voto. São algumas das informações que o regime venezuelano, com a ajuda da gigante chinesa ZTE, está a recolher com o cartão da pátria, segundo uma investigação da Reuters.
O carnet de la patria foi criado no final de 2016. É um cartão eletrónico que servia inicialmente como um meio de pagamento para ser utilizado na compra de comida nos Comités Locais de Abastecimento e Produção.
Atualmente é essencial para ter acesso a prestações sociais e subsídios do Estado. Tem existido também pressão para que os funcionários públicos tenham um cartão deste tipo, que dispõe de um código QR e criados bónus para incentivar a adoção deste título de identificação. Maduro tem pedido em discursos para que os cidadãos peçam o cartão, de forma a “construir uma nova Venezuela”. E mesmo para receber medicamentos vai passar a ser necessário deter o carnet de la patria.
O cartão é já detido por 18 milhões de pessoas, cerca de metade da população. No ano passado, o governo venezuelano assinou um contrato com a empresa de telecomunicações chinesa ZTE para que esta criasse uma base de dados assente no cartão e criasse um sistema de pagamentos móveis.
O responsável da gigante asiática no país confirmou à Reuters que estavam a desenvolver esse sistema. Mas referiu que não era um sinal de apoio ao governo de Maduro. Apenas que estavam a desenvolver o seu mercado. E que não tinham violado qualquer lei local ou chinesa.
O cartão da preocupação
Os objetivos do cartão da pátria têm levantado preocupação entre organizações defensoras de direitos humanos e mesmo entre antigos responsáveis do Partido Socialista Unido da Venezuela. “É chantagem. Os venezuelanos com esses cartões têm mais direitos que os outros, disse, à Reuters, Héctor Navarro, antigo ministro do governo Chávez.
Existem receios de que o cartão esteja a ser utilizado como uma forma de controlar a população e alocar recursos apenas em apoiantes do regime. O sistema foi pirateado no ano passado. E nesse ataque foi descoberto que o governo estava a coligir dados associados ao detentor do cartão, como números de telefone, endereços de email, informação sobre participação em eventos do partido de Maduro e mesmo se tinha animais de estimação.
Especialistas contactados pela Reuters não foram conclusivos sobre se esta atuação da ZTE pode configurar uma violação das sanções americanas aos líderes venezuelanos. A empresa, cotada em bolsa mas que tem uma entidade estatal como maior acionista, já teve, no passado, problemas com as autoridades dos EUA. Acordou pagar mil milhões de dólares para entrar em acordo com o Departamento do Comércio num caso que envolvia fornecimento de equipamento ao Irão e à Coreia do Norte. Isto depois de uma investigação anterior da Reuters ter demonstrado que a ZTE tinha vendido a Teerão um sistema que permitia vigiar as telecomunicações dos seus cidadãos.
Esses casos têm sido utilizados por políticos americanos como argumentos de que a China está a querer exportar o seu autoritarismo. Críticas que chegam numa altura em que Washington e Pequim entraram em conflito sobre as suas relações comerciais.