Governo corta 500 milhões no investimento público e compensa com mais apoios à TAP e SATA

Desde que o governo Costa assumiu o poder, ficou por gastar mais de 3,5 mil milhões de euros em investimentos face ao prometido nos sucessivos Orçamentos do Estado.
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O investimento público executado em 2020 (medido em contabilidade nacional, a que interessa para o cálculo do défice público) ficou muito abaixo do prometido no Orçamento do Estado (OE) do ano passado (o suplementar, aprovado em julho), e o deste ano parece que vai pelo mesmo caminho.

No ano passado, o governo voltou a desbastar mais de 500 milhões de euros entre o prometido e o realizado e boa parte dessa folga acabou por ser consumida em empréstimos à TAP e garantias bancárias à SATA (a companhia aérea dos Açores), ambas em graves dificuldades financeiras por causa da pandemia e da quase interrupção do turismo e das viagens. Esta informação foi confirmada pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), o grupo de peritos que presta apoio ao Parlamento em temas de finanças públicas.

De acordo com um levantamento feito pelo Dinheiro Vivo (DV), desde que o atual governo assumiu o poder, há mais de cinco anos, o investimento público prometido ou previsto nos sucessivos OE ficou sempre e de forma dramática abaixo desse primeiro valor no fim do ano orçamental. O Instituto Nacional de Estatística (INE) é a entidade responsável pelo apuramento do valor final de cada ano, em contas nacionais.

Segundo as contas do DV, desde 2016, inclusive, o governo deixou por gastar, não conseguiu ou não quis executar mais de 3,5 mil milhões de euros em investimento público. É a diferença entre aquilo que foi previsto nos orçamentos iniciais, valores que serviram tantas vezes para dizer que o investimento público iria crescer 20% ou mais nesses anos, e aquilo que acabou por ser a realidade.

O maior desfasamento (entre previsão e execução) aconteceu, justamente, 2019, o ano do primeiro excedente orçamental da História de Portugal em democracia.

Em 2019, o governo não executou quase 840 milhões de euros em investimentos públicos face ao que tinha assumido no orçamento. Neste caso, foi o último OE do então ministro das Finanças, Mário Centeno, hoje governador do Banco de Portugal.

Mas o atual ministro, João Leão, também está a ter sucesso em arranjar folgas no investimento público. No OE suplementar, já em plena pandemia, o governo pôs a tónica no investimento público para tentar tirar Portugal da grave crise e inscreveu uma meta de quase 5 mil milhões de euros para gastar em projetos estruturantes públicos.

Na altura, o governo congratulou-se com este plano "ambicioso" que faria o investimento fixo do Estado (novo investimento) subir quase 25% no ano passado. Não aconteceu. O investimento ficou 504 milhões abaixo do orçamentado e avançou a metade desse ritmo (11%).

E este ano, parece que a folga também se está a formar. No OE2021, as Finanças inscreveram um objetivo de 6 mil milhões de euros para o investimento público, mas cálculos do DV a partir dos pressupostos do novo Programa de Estabilidade para esse rácio de investimento e para o produto interno bruto (PIB) nominal, deixam perceber facilmente que a marca já é mais baixa. Rondará agora os 5,5 mil milhões de euros. É quase menos 500 milhões de euros face a outubro.

O governo afirma que agora é que é. O investimento público vai disparar nos próximos anos, sobretudo muito apoiado no Plano de Recuperação (PRR, o novo pacote de subsídios europeus a fundo perdido), que lhe dará um impulso ainda maior, refere o executivo.

Segundo as Finanças, "a formação bruta de capital fixo (FBCF, investimento fixo ou novo) reflete um crescimento muito acentuado nos próximos dois anos, resultado do efeito conjugado dos investimentos estruturantes já aprovados e em curso, bem como do PRR".

"Em 2024 e 2025, expurgando os efeitos do PRR, a FBCF cresce 5,5% na média dos dois anos", acrescenta o ministério de João Leão.

Apoios para levantar companhias aéreas

Certo é que Portugal tem experimentado um histórico já longo de subinvestimento público face ao que é definido nos orçamentos do Estado aprovados no Parlamento.

Segundo a UTAO, "ao nível da despesa de capital, a execução da FBCF abaixo do previsto em termos anuais foi, em grande medida, compensada por uma execução das outras despesas de capital superior ao projetado".

A FBCF cresceu 11% "no conjunto do ano 2020 face ao período homólogo, o que compara com uma projeção de crescimento de 21,7%, contribuindo, assim, para um aumento da despesa primária inferior ao projetado".

No entanto, os técnicos que apoiam o Parlamento observam que "as outras despesas de capital, por sua vez, ajustadas do efeito de medidas temporárias ou não recorrentes mais do que triplicaram o seu valor face ao ano anterior".

Aqui, ao contrário do que sucedeu com o investimento público, o crescimento "superou o projetado".

"Várias operações já anteriormente referidas encontram-se refletidas nesta rubrica. Desde logo, as operações relacionadas com companhias de transporte aéreo. Trata-se do empréstimo à TAP no valor de 1,2 mil milhões de euros e das garantias prestadas à SATA pelo Governo Regional dos Açores no valor de 132 milhões de euros", enumera a UTAO.

Mais economia, menos investimento, menos défice

Como o DV já noticiou, não foi só o facto de, como diz o ministro das Finanças, a economia ter resistido "melhor" do que se esperava à covid e aos confinamentos que explica o porquê de o défice público ter ficado em 5,7% do PIB em 2020 e não nos 7,3%, como Leão chegou a aventar.

A moderação no investimento do Estado reflete-se diretamente no peso da despesa pública. No primeiro ano da pandemia (2020) este rácio foi dos que aumentou mais devagar no conjunto dos 19 países da zona euro, mostrou o Eurostat.

Com toda esta moderação, o governo português acabou por conseguir manter o peso da despesa pública pouco acima dos 48%, apesar da enorme crise pandémica que rebentou há mais de um ano. O rácio português avançou de 42,5% em 2019 para 48,4% no final do ano passado.

Já o rácio médio da despesa pública da zona euro disparou de 47% para 54,1%. Portugal mantêm-se assim claramente abaixo dessa média dos seus pares da moeda única e até cavou esse fosso já que o rácio da despesa nacional aumentou muito mais devagar, como referido.

Portugal foi dos mais poupados e compara facilmente com o que aconteceu em alguns dos países mais ricos do norte da Europa, como Finlândia, Suécia, Dinamarca, onde a carga da despesa pública cresceu relativamente mais devagar.

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