A redução do défice público está a ser muito mais rápida do que se esperava, refere o Conselho das Finanças Públicas (CFP) num novo estudo intitulado Perspetivas Económicas e Orçamentais 2022-2026, feito numa base de políticas invariantes, isto é, em que nada se altera face a 2021 e em que não há um cenário de guerra, nem uma nova crise económica daí decorrente (como já se perfila), nem um agravamento da pandemia covid-19, por exemplo.
Seja como for, o CFP diz neste novo exercício que, em 2021, apesar da crise e da pandemia (antes da guerra rebentar), o desequilíbrio das contas públicas terá ficado em apenas 3% do produto interno bruto (PIB) no ano passado, bastante abaixo do défice de 4,3% estimado pelo ministério das Finanças, de João Leão, em outubro. E abaixo dos 4,2% calculados pelo próprio CFP, em setembro.
Ponto de partida do défice "significativamente mais favorável"
"O atual cenário orçamental de médio prazo em políticas invariantes aponta para uma trajetória de correção do défice orçamental e de regresso a uma posição de equilíbrio orçamental semelhante à alcançada um ano antes da eclosão da crise pandémica" e revê-se em baixa "a estimativa de défice do CFP para 2021 de 4,2% do PIB apresentada em setembro para 3% do PIB", o que "implica uma alteração do ponto de partida para projeção orçamental significativamente mais favorável", observa o novo estudo.
Já para este ano, tudo em aberto. Se nada se alterasse e não houvesse a atual calamidade da guerra em curso, disrupções nos abastecimentos de matérias-primas e inflação cada vez mais alta, o governo poderia conseguir reverter mais medidas de apoio pandémicas e chegar a um défice 1,6%.
Mas lá está. "Tratando-se de uma projeção em políticas invariantes, não são considerados os efeitos das medidas dirigidas às famílias e empresas que venham a ser legisladas para mitigação do impacto da subida do preço dos bens energéticos, tais como as anunciadas já depois da data de fecho de informação deste relatório [10 de março]", avisa o Conselho.
Assim, "na ausência de novas medidas de política, a estimativa para o défice orçamental em 2022 deverá situar-se em 1,6% do PIB, refletindo a reversão da quase totalidade das medidas de política orçamental de resposta ao covid-19 adotadas em 2021 e estimadas em 2% do PIB, a par de um abrandamento do crescimento económico", refere.
"Para 2023 e 2024, projeta-se a continuação da redução do défice orçamental, respetivamente para 0,6% e 0,1% do PIB, perspetivando-se, a partir de 2025, uma estabilização do saldo em torno do equilíbrio orçamental."
Nesse mundo ideal, a dívida caía bem
Além disso, neste cenário de políticas invariantes, a dívida cai e bem, claro. "O rácio da dívida deverá reduzir-se ao longo de todo o horizonte de projeção, atingindo 102,7% do PIB em 2026. Esta evolução representa uma diminuição de cerca de 25 p.p. (pontos percentuais) do PIB face a 2021."
Só que a realidade já é e vai ser outra menos favorável, pelo que estes números para 2022 e em diante, tenderão a ser muito mais negativos do que se refere.
"Este enquadramento do cenário em políticas invariantes publicado pelo Conselho das Finanças Públicas caracteriza-se pela elevada incerteza associada à invasão da Ucrânia pela Rússia, não obstante a situação mais estável da pandemia de covid-19."
Cenário feito quase às escuras
Mas este estudo foi feito em condições muito adversas, diz. A entidade presidida por Nazaré Costa Cabral observa que "com base na informação disponível, são ainda de difícil mensuração os efeitos das sanções económicas impostas à Rússia, com impacto significativo no preço dos bens energéticos e de outras commodities [matérias primas] e consequente efeito adverso no crescimento das economias dos principais parceiros económicos de Portugal".
Mesmo com esta forte limitação e incerteza quanto ao que vai acontecer na Ucrânia e na Rússia (e as suas ondas de choque), que irá determinar bastante tudo o resto que possa acontecer até ao final deste ano (nova crise, nova recessão, novos estados de calamidade económica, com mais desemprego e falta de produtos básicos e custos incomportáveis com energia, por exemplo), o CFP abalança-se para uma projeção do crescimento do PIB.
Assim, este novo estudo "aponta para um abrandamento do ritmo de crescimento do produto interno bruto (PIB) real para 4,8% em 2022 e para 2,8% em 2023 (4,9% em 2021)".
Ou seja, em 2021, a economia até cresceu um pouco mais do que se esperava (o CFP dizia 4,7%, as Finanças 4,8%).
Mas em 2022, a tendência é para perder gás. Estamos em março e com a pouca informação disponível e total indefinição sobre o que vai acontecer no mundo, o CFP considera que a economia portuguesa já só consegue crescer os referidos 4,8%. Em setembro, dizia 5,1%. O governo previa 5,5% em outubro.
"No curto prazo esta evolução resulta principalmente dos contributos do consumo privado, das exportações e, em menor grau, da formação bruta de capital fixo (FBCF)", explica o CFP.
A inflação, que explodiu nos últimos meses por causa das ruturas em vários fornecimentos industriais, energéticos e alimentares (situação que a guerra na Ucrânia piorou muito mais), de chegar a 4% este ano, diz o CFP. É mais dobro do que estimava em setembro (1,9%). O Ministério das Finanças estava à espera de 1,3% na proposta do Orçamento do Estado de 2022, portanto, percebe-se bem o grau de desatualização atual desse OE, que acabou chumbado.
Cenário adverso
O CFP faz um pequeno cenário adverso para tentar captar os efeitos da guerra e de uma degradação mais acentuadas das condições económicas mundiais e nacionais.
"Neste cenário adverso, perspetiva-se que o ritmo de crescimento do PIB real abrande em 2022 para 3,5%", substancialmente menos do que os 4,8% projetados no cenário central ou de base, em que não há mais crise ou guerras.
Aqui, "é assumido um abrandamento mais intenso da procura externa por bens e serviços portugueses devido a constrangimentos na capacidade produtiva nos parceiros comerciais da área do euro, no curto prazo".
"Este efeito é amplificado pela diminuição nos níveis de confiança dos agentes económicos, superior à implícita no cenário central. Num ambiente de maior incerteza e volatilidade é expectável que os custos de financiamento na área do euro possam refletir um prémio de risco mais elevado, penalizando o ritmo de crescimento do investimento e levando a maior poupança por motivos de precaução", refere a entidade que avalia as contas públicas.
Num mundo mais severo, o CFP considera que a inflação portuguesa também não se ficará pelos 4% projetados para 2022. "A inflação em Portugal pode atingir os 5,6% em 2022".
"Neste cenário adverso, a magnitude do choque no preço dos bens energéticos e de outras commodities é superior e mais persistente do que no cenário central, fruto de uma eventual disrupção no fornecimento das matérias-primas por parte da Rússia aos parceiros europeus. O choque nos preços reflete-se em custos de produção e de transporte mais elevados", logo, numa inflação maior que vai penalizar famílias e empresas. E sobretudo as pessoas mais pobres, claro.
(atualizado às 13h com pequenas correções)