O aumento do investimento público previsto na proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), que o governo vai entregar ao Parlamento na próxima segunda-feira ao final do dia, deverá rondar os 30% face a este ano, naquela que será a maior promessa de reforço deste investimento desde 2010, o último ano completo da governação do Partido Socialista (PS) de José Sócrates. Estava o país à beira da bancarrota.
A promessa de um salto quase histórico neste investimento é um sinal importante que o governo pode dar nas negociações de última hora com os partidos da esquerda parlamentar, designadamente Partido Comunista (PCP), Bloco de Esquerda (BE) e Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), de modo a tentar garantir por essa via uma viabilização do Orçamento.
Se estes três de abstiverem, por exemplo, bastam os 108 votos do PS para fazer passar o OE logo à primeira. A direita (PSD, CDS, Iniciativa Liberal e Chega) tem 86 votos.
Em 2010, o investimento público subiu 31,5%, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), tendo chegado a quase 9,5 mil milhões de euros. Depois, durante o programa de ajustamento do PSD/CDS e da troika, levou vários anos consecutivos de cortes e em 2016, já com António Costa e o então ministro das Finanças Mário Centeno no comando, este agregado da despesa interna sofreu outro revés, tendo recuado quase 29%.
Foi nesse primeiro ano de maioria socialista, já de retoma mas com o governo muito comprometido em reduzir o défice, que o investimento público atingiu o valor mais baixo da série do INE que remonta a 1995: 2,9 mil milhões de euros em termos nominais.
Deste então, o governo de Costa tem vindo a puxar pelo investimento, mas a execução tem ficado constantemente abaixo do prometido nos orçamentos. Portugal acabou por conseguir chegar a um excedente orçamental histórico de 0,1% do produto interno bruto (PIB) em 2019. Mas depois veio a nova crise.
Em 2020, o ano do início da pandemia, as Finanças chegaram a prever uma meta para o investimento próxima de 4,9 mil milhões (no OE suplementar, de junho desse ano, e no OE2021, de outubro seguinte), mas o valor final acabou por ser de 4,4 mil milhões.
Em 2021, parece que vai acontecer algo parecido. No Orçamento ainda em execução, o governo anunciou planos para injetar na economia mais de 6 mil milhões no final deste ano dito de retoma.
Não deve acontecer. No final de setembro, no reporte dos défices enviado a Bruxelas, as Finanças revelaram que o investimento público vai ficar bastante abaixo desse valor: o corte foi de 391 milhões e assim o investimento anual do Estado e outras entidades públicas deverá ficar-se pelos 5,6 mil milhões de euros.
É um valor compatível com o défice de 4,5% do PIB em 2021, que o ministro das Finanças, João Leão, comunicou nas reuniões que teve com os partidos na Assembleia da República.
Os dados da execução orçamental também mostram que este investimento (que tinha de subir mais de 26% para atingir a meta) estava a andar a um ritmo de 17,6%. Bastante abaixo, portanto.
'Efeito fundos europeus e eleições' existe mesmo
Nesta semana, o Banco de Portugal também assinalou a revisão em baixa do ritmo do investimento total em 2021 devido "às dificuldades nas cadeias de abastecimento de matérias-primas e outros bens intermédios". E que "na indústria transformadora, observou-se um aumento dos preços das matérias-primas e redução de stocks".
Mas disse que os fundos europeus e o efeito eleições estavam a segurar a fasquia. "Na segunda metade do ano, o investimento beneficia do recebimento de fundos europeus. Em particular, o investimento público deverá crescer em linha com o orçamentado em 2021, influenciado também pelas eleições autárquicas", refere o banco central agora governado por Mário Centeno.
Mas em 2022, já com os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência a todo o vapor (espera-se), o novo OE contempla o referido salto histórico de 30% em 2022. O número foi revelado pelo deputado do PEV, José Luís Ferreira. Significa isto que Costa e Leão estão a acenar com um investimento público que pode superar 7 mil milhões neste ano. Uma vez mais, é preciso recuar até à era Sócrates, a 2009 e 2010, para encontrarmos valores superiores (executados).
Numa aparente operação de charme virada à esquerda, com especial olho no BE, o primeiro-ministro disse há dias, citado pela Lusa, que as "prioridades do governo" são "apostar nas novas gerações, classe média, melhoria do investimento publico e dos serviços públicos". Estava "confiante" numa aproximação com o BE.