O Ministério da Administração Pública admite recuperar um mecanismo de "distinção de mérito" nos melhores serviços públicos que até ao início de 2013 permitia alargar a proporção de dirigentes e trabalhadores cujas avaliações eram mais bem classificadas, com a atribuição de mais pontos para progredir na carreira.
A intenção foi inscrita num memorando entregue ontem aos sindicatos da função pública numa ronda inicial de negociações para rever o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho da Administração Pública (SIADAP), que atualmente impõe que apenas 25% dos trabalhadores podem ter nota "relevante" (dois pontos anuais para progressão em dez necessários nas carreiras gerais) e, destes, 5% podem ter "excelente" (três pontos anuais). Até ao final de 2012, havia majorações para 35% e 10%, respetivamente, nestas avaliações, com base em distinções de mérito reconhecidas aos serviços dentro de cada ministério.
Os sindicatos defendem a eliminação das quotas, mas o governo continua a considerar que haverá "muita dificuldade" em fazê-lo, segundo adiantou o secretário de Estado da Administração Pública, José Couto. Já a recuperação do bónus que existia até 2013 "não estará longe" dos objetivos, indicou.
Segundo José Couto, o governo admite a possibilidade de "a distribuição de quota poder ser feita de acordo com a avaliação dos próprios serviços e, portanto, poder haver um ganho de quota para os serviços que tenham melhores avaliações". "É esse o objetivo: que os resultados tenham consequências, e que os trabalhadores sintam que esses resultados dependem também deles."
No memorando entregue aos sindicatos, o governo refere o objetivo de "recuperação dos efeitos da distinção de mérito dos serviços", ao mesmo tempo que fala no "eventual aumento de quotas". Mas, sem concretizar a intenção.
O documento estabelece para já apenas princípios, como a anualização de avaliações - atualmente, ocorrem a cada dois anos - e também a simplificação de processos, com a queda de algumas etapas (mas sem interferir nos mecanismos de contestação de nota ao dispor dos trabalhadores, assegura o secretário de Estado, dizendo que tal é "ponto de honra").
A ideia principal é a de uma maior ligação do desempenho dos serviços junto dos utentes às avaliações do SIADAP, o que, sem concretização de proposta, deixa para já preocupados os sindicatos.
"O secretário de Estado não nos avançou mais do que já era conhecido, que há a ideia de majorar. Não avançou mais nada e estas quotas são de tal maneira injustas que se vai deixar muita gente para trás", considerou após a reunião o secretário-geral da Fesap, José Abraão. "Se há um serviço em que são todos excelentes porque é que só alguns podem ser excelentes? Trata-se de uma injustiça", disse. "Se há um sistema para reconhecer o mérito tem de ser outro e não apenas as quotas."
A intenção de fazer refletir a avaliação dos serviços nas notas dos trabalhadores, mesmo que para alargar quotas, é por outro lado vista como problemática. "Parece um princípio bastante razoável, mas depois, se pensarmos um bocadinho sobre isso, as coisas são complicadas até haver uma concretização da proposta", considerou Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, que defende a revogação do SIADAP.
"Avaliar o desempenho de um serviço público como uma escola num bairro problemático ou noutro que não o é são coisas diferentes. Avaliar um serviço com número de trabalhadores suficientes e um com défice de trabalhadores não pode ser feito da mesma maneira", expôs, considerando ainda que a proposta vai criar "um problema de competição entre os serviços da Administração Pública, que não favorece nada o serviço público".
Também a presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), Maria Helena Rodrigues, lembrou após a reunião que não são os trabalhadores que têm "os meios" para garantir que os serviços funcionam melhor. "Os trabalhadores são aqueles que estão no front office, que dão a cara, mas não são aqueles que dispõem dos recursos financeiros, dos recursos materiais, de tudo aquilo que permite que a sua ação seja uma ação bem-sucedida", argumentou.
Na reunião com os sindicatos, o governo não deu ainda conta da forma como a anualização de avaliações se poderá refletir numa aceleração de progressões, que tem vindo a ser referida como objetivo pela ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão.
"Teremos de ver em que termos exatos o podemos fazer, porque todas as atitudes e as decisões que temos a tomar têm de ser sustentadas, também tendo em conta o momento em que vivemos", disse José Couto. "Reconhecemos que dez anos, com os atuais ciclos bienais, é muito tempo para que as pessoas tenham uma perspetiva de carreira, mas todas as decisões têm de ser ponderadas no âmbito da sua sustentabilidade e da correlação com outros instrumentos: financeiros, orçamentais, estratégicos e outros."
O objetivo do governo é prosseguir negociações até ao final deste ano, mas mantendo a previsão, para já, de que quaisquer mudanças apenas tenham efeito em 2023, ano de início do próximo ciclo avaliativo.
Em 2021, iniciou-se um novo ciclo de dois anos. "Não faz sentido interromper ciclos de gestão", diz José Couto, sem descartar a discussão de outras possibilidades com os sindicatos.
Com Paulo Ribeiro Pinto