Governo valida fecho de Linha do Alentejo para obras durante quase dois anos

Gabinete de Miguel Pinto Luz entende que suspensão dos comboios entre Casa Branca e Beja por 21 meses é a melhor forma de evitar derrapagens nos trabalhos de eletrificação. Histórico das últimas duas décadas mostra o contrário, de que é exemplo a Linha da Beira Alta.
Entre Casa Branca e Beja circulam 12 comboips nos dias úteis, seis por sentido. Foto: GI
Entre Casa Branca e Beja circulam 12 comboips nos dias úteis, seis por sentido. Foto: GI
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"A solução de suspensão total da circulação por 21 meses, associada à existência de serviços rodoviários alternativos, é claramente a melhor solução do ponto de vista técnico, económico e do serviço de transportes públicos prestado às populações.” É desta forma que o Ministério das Infraestruturas aprova o fecho da Linha do Alentejo por quase dois anos para a eletrificação do troço de 63,5 quilómetros entre Casa Branca e Beja. Os trabalhos devem arrancar entre o final de 2026 e o início de 2027, com um custo de 300 milhões de euros. O orçamento, para já, não contempla a ligação do comboio ao Aeroporto de Beja, nem a reativação do troço Beja-Funcheira, permitindo uma solução de recurso para a ligação entre Lisboa e Faro. 

A citação consta de uma resposta do gabinete de Miguel Pinto Luz, na semana passada, a três deputados do PS, e confirma que, mais uma vez, a Infraestruturas de Portugal (IP) vai fechar temporariamente uma linha ferroviária para obras de modernização. Algo que não acontecia, por exemplo, quando era a CP a gerir as linhas de caminho de ferro: por exemplo, entre 1993 e 1996/1997, toda a Linha da Beira Alta foi modernizada e eletrificada sem encerramentos.

No lançamento do concurso para a elaboração do projeto, em 2021, o caderno de encargos da IP previa que as obras fossem feitas com a linha férrea “em exploração ferroviária” e “sem grandes condicionalismos”. O período de interdição da linha seria apenas entre a as 00.30 e as 4.30 da manhã. Entre Casa Branca e Beja circulam 12 comboios nos dias úteis (seis por sentido); ao fim de semana, o serviço é reduzido para metade.
Ao fechar a linha, o Governo argumenta que “os riscos associados à execução da obra” ficam “muito mitigados”. O histórico das últimas duas décadas está longe de confirmar isso.

Exemplo mais recente é o da Linha da Beira Alta: encerrada em abril de 2022 por um período inicial de nove meses, só começou a receber comboios no passado dia 25 de novembro e num terço do percurso (Celorico da Beira-Guarda); a reabertura completa só deverá ocorrer em março do próximo ano (ver texto ao lado). 
Também em 2025 - mas em janeiro - deverá reabrir parte do percurso entre Meleças e Torres Vedras, na Linha do Oeste. Esta interrupção deveria ter ocorrido entre abril e agosto deste ano, mas problemas suplementares com um túnel ditaram novo adiamento. Igualmente por causa de um túnel, o troço entre Caíde e Marco de Canaves fechou por quatro meses em vez de três.

Mais atrás, em março de 2009, o percurso Covilhã-Guarda, na Linha da Beira Baixa, deveria ter fechado para obras durante dois anos; acabou por apenas reabrir em maio de 2021, já eletrificado. Na Linha de Évora, houve dois fechos até Casa Branca: em fevereiro de 2006, as obras demoraram oito meses em vez de cinco; entre 2009 e 2010, a ligação fechou por um ano.
Apesar do histórico, o Governo alega que se os comboios continuassem a circular, “as soluções construtivas seriam mais exigentes e especializadas, sendo o desenvolvimento dos trabalhos fortemente condicionado”, porque os “meios auxiliares de construção requereriam a existência de limitações à velocidade de circulação” dos comboios. O gabinete de Miguel Pinto Luz sustenta ainda que “a execução de uma obra nas condições limitadas pela continuidade da operação na linha aumentaria a probabilidade de atrasos nas atividades, com consequências negativas para a disponibilidade e eficiência dos serviços ferroviários.

Argumento semelhante já tinha sido dado pela própria IP no mês passado, quando anunciou a intenção de encerrar a linha, segundo o jornal Público. Também houve cidadãos que se queixaram e partilharam com o DN a resposta da empresa: “Está em causa a construção de uma nova plataforma que permitirá a instalação de infraestruturas essenciais (sinalização, telecomunicações, catenária) bem como a substituição de todas as pontes metálicas existentes no trajeto.”
O ministério, ainda na resposta ao PS, considera que um autocarro de substituição é uma solução “adequada à satisfação das necessidades das populações”. O autocarro, no entanto, não tem capacidade para o transporte de bicicletas, não permite ao passageiro deslocar-se no interior e o acesso a uma casa de banho também é mais complicado. O espaço a bordo também é menor. 
Não foi considerada a possibilidade, por exemplo, de suspender a circulação em subtroços - para aproveitar as 24 horas diárias de linha disponível - mantendo os comboios a circular no resto do percurso. 

Comboios a 200km/h 
Ao contrário de obras mais recentes - focadas no transporte de mercadorias - a modernização da Linha do Alentejo vai acelerar os comboios para passageiros, com a velocidade máxima a subir dos 140 para os 200km/h e a permitir uma viagem entre Lisboa e Beja em menos de duas horas - deixa de ser necessário o transbordo para material diesel na Estação de Casa Branca. O orçamento da obra mais do que triplicou face a um estudo preliminar de 2015 da Refer e consta do Programa Nacional de Investimentos 2030.

A antecessora da IP previa uma verba de 94 milhões para os comboios atingirem até 200km/h, através da construção de 12,5 quilómetros de variantes, vedação de todo o troço, eliminação das passagens de nível, renovação de toda a via, instalação de sinalização eletrónica, catenária e ainda pontos de cruzamento para poderem circular comboios com 750 metros de comprimento. 

Do atual projeto, para já, não constam a variante para o Aeroporto de Beja - permitindo viajar até Lisboa em uma hora e 30 minutos - e ainda a reativação do troço entre Beja e Funcheira, encerrado desde 2012. O regresso dos comboios a este troço permite “salvaguardar a possibilidade de se dispor , por um lado, de redundância na ligação ferroviária do porto de Sines às regiões Centro e Norte de Portugal e à fronteira com Espanha”, assente apenas numa via única da linha do Sul, salientou a Refer no estudo de 2015.

Por outro lado, a reativação do troço serviria como “reserva estratégica para aumentar a capacidade instalada na infraestrutura ferroviária, caso a capacidade da linha do Sul venha a ser excedida e se verifique necessidade de intervir na sua duplicação”.

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