Guerra Continente vs Nespresso: "A história da tecnologia está cheia de exemplos destes"

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O Continente lançou cápsulas de café "compatíveis" com as máquinas

Nespresso. A marca da Nestlé, que reconhece ter sido imitada por 50

marcas em 2011 e que procedeu judicialmente, não comenta esta situação.

Apenas adverte que só pode garantir o perfeito funcionamento das suas

máquinas com a cápsula original Nespresso.

Ao Dinheiro Vivo, o especialista da Área de Prática de Propriedade

Intelectual, Marcas e Patentes da sociedade de advogados PLMJ, Manuel

Lopes Rocha, analisa o caso.

É este um atentado à propriedade industrial, cópia de patente ou o quê?

A questão, tal como tem vindo a ser colocada, na imprensa, tem a ver com

uma utilização da marca Nespresso numa publicidade de um concorrente. É

só isso que está em causa.

A Nespresso deu início a ações legais noutros mercados. Em Portugal, tem material para o fazer?

Não sei que ações foram desencadeadas. Esta publicidade foi já exibida

em muitos países, embora com outras empresas, rigorosamente igual. Não é

uma questão de resposta imediata, nem fácil. Tudo gira à volta de saber

em que medida posso usar uma marca de outrem. A utilização de uma marca

de terceiros, em determinados contextos, não significa,

automaticamente, uma infração. O assunto tem de ser muito bem analisado e

a Nespresso pode ter argumentos muito válidos, como é óbvio.

Qual o resultado desta situação para a

Nespresso, que tinha uma espécie de exclusivo das cápsulas, já que nas

suas máquinas só entravam cápsula fabricadas por si?

Quem conhece a história da propriedade intelectual, relacionada com

tecnologia, sabe bem que estas situações são frequentes, sobretudo em

produtos relacionados com uma máquina. Os concorrentes querem fabricar

produtos compatíveis. Esta máquina está protegida por uma patente que

tem um limite de protecção determinado na lei, vinte anos.

Mas onde acaba a inovação e começa a cópia?

A máquina Nespresso beneficiou de uma patente, um exclusivo. Se a

obteve, é sinal de que esse invento era, ao tempo, uma novidade. Por

isso, durante vinte anos o detentor da patente foi justamente remunerado

pelo esforço da sua inovação. O grande inventor Edison foi titular de

diversas patentes, até o Presidente Lincoln foi titular de uma, bem como

a grande actriz Hedy Lamarr, cujos inventos e patentes estão na base

dos modernos telemóveis que usamos. O que o legislador entende é que,

passado esse período, já não faz sentido que a invenção constitua um

monopólio. Se durante esse período de protecção alguém copia a invenção,

a lei tem meios de reacção para tal, para proteger o titular desse

direito.

A guerra das máquinas de cápsulas já

tinha sido perdida com o surgimento de outros players no mercado, caso

da Delta Q e até máquina low cost do Pingo Doce. Agora a Nespresso

perdeu também a guerra das cápsulas?

A Nespresso teve e tem um merecido sucesso no mercado. Eu próprio sou um

utilizador diário. É, provavelmente, o mercado a funcionar. A história

da tecnologia está cheia de exemplos destes. Não sei se a questão passa

só pelas cápsulas. Quanto ao que tem vindo na imprensa, a discussão é à

volta da utilização da marca.

Qual a conclusão a retirar deste caso?

Este e outros casos demonstram que é imperioso que quem decide olhe para

estas matérias com atenção. Cada vez mais a propriedade intelectual é

nuclear, sobretudo para um país, como o nosso, que aposta no

empreendorismo e na atracção do capital Intelectual. Por isso, é

fundamental que o Tribunal de Propriedade Intelectual funcione

adequadamente. Como está, é um prejuízo tremendo, incalculável, para os

titulares de propriedade intelectual. Estas matérias são muito complexas

e têm de ser entregues a quem sabe e está preparado. Por outro lado, a

sociedade civil tem de ser ouvida quanto às consequências de um tribunal

especializado que acumula centenas de processos, sem resposta. Não

basta serem ouvidos uns quantos "especialistas" muitas vezes longe dos

tribunais e do mercado. Empresas como a Nestlé, a EMI, a Microsoft, a

Pfizer e muitas outras, empresas portuguesas como a Bial, a Hovione ou a

Critical Software que dão emprego a tanta gente e sustentam a nossa

economia, têm de ter uma palavra a dizer neste debate, bem como as

organizações em que se integram.

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