A Agência Espacial Europeia (ESA) anunciou esta manhã um recorde nos candidatos a astronauta, com 22 589 pessoas (22 846, já incluindo os candidatos a paraastronauta) de 25 países elegíveis (os que fazem parte da ESA), mais 268% do que na última abertura de vagas para astronauta, em 2008. Portugal viu as candidaturas de portugueses disparar 52,8%, para 321.
"Quando comparados com os valores de 2008 vemos que Portugal teve um acréscimo de mais de 50% no número de candidatos, o que é significativo, mas talvez o mais importante a reter seja o facto do número de mulheres portuguesas que querem ser astronautas ter duplicado, o que nos deixa muito satisfeitos", congratula-se Hugo Costa, diretor da Agência Espacial Portuguesa - Portugal Space.
No total foram 317 candidatos para as 10 vagas de astronautas - mais 20 possíveis astronautas de reserva -, sendo 256 homens e 61 mulheres, registando-se também quatro candidatos portugueses (todos homens) na nova categoria de paraastronauta, para pessoas com deficiências motoras (haverá pela primeira vez um paraastronauta selecionado).
Só 1,4% do total dos candidatos são portugueses, o país que se destaca é a França - que tem atualmente o astronauta Thomas Pesquet a comandar a Estação Espacial Internacional na órbita terrestre), com 7137 candidatos (segue-se a Alemanha com 3700).
O Dinheiro Vivo participou na conferência de imprensa onde se anunciou as candidaturas recorde, que irão selecionar também um número recorde de astronautas (de seis em 2008 para 10 agora). A presença de 20 astronautas de reserva "serve para a ESA ter mais flexibilidade para futuras missões que possam surgir, numa altura em que o espaço é cada vez mais aposta não só para os EUA, mas para a China (já com três astronautas em órbita) e para países como a Índia, além da própria ESA".
David Parker, o diretor da exploração humana e robótica da ESA garante que haverá "bem mais oportunidades de missões para os astronautas nesta nova década daí a necessidade de ter reservas que podem ser chamados".
O responsável lembra que a missão Lunar Gateway (prevista para 2024 ou 2025), que irá criar uma estação espacial em torno da Lua "e levar astronautas para o mais longe da Terra que alguma vez algum ser humano esteve" deverá ser um dos primeiros grandes desafios dos novos astronautas. Mas na próxima década "haverá mais oportunidades do que nunca de voar além da Estação Espacial Internacional", "incluindo em missões a Marte que estão nos planos".
O processo de recrutamento termina no final de 2022, até lá vão registar-se seis fases. A principal é a primeira, que irá reduzir os 22 mil para cerca de 1500 candidatos - só pela análise aos perfis e currículos - que irão para a fase dos testes psicológicos. Seguem-se testes práticos, seleções médicas e, no final, estima-se que podem ser 40 os candidatos a entrar na última fase de entrevistas presenciais, numa altura em que o perfil de pessoas capazes de trabalhar em equipa e manter calma sob pressão será valorizado.
O número de mulheres candidatas disparou 421% face ao que se tinha visto em 2008, num total de 5419 (antes tinham sido 1287), são agora 24% de todos os candidatos (tinham sido 15,8% há 13 anos). Ao Dinheiro Vivo, Antonella Costa, responsável dos recursos humanos da ESA, explicou que embora não existam quotas no processo, existem critérios onde se tentará que 24% da seleção dos 10 astronautas (entre dois e três) e dos 20 astronautas (cinco) em reserva sejam mulheres.
Na seleção de 2008, dos seis astronautas, a italiana Samantha Cristoforetti foi a única mulher.
O britânico David Parker explica que "não haverá vantagens na seleção para os países que contribuem mais para a ESA, a seleção será focada apenas nos melhores candidatos pertencentes aos 25 países elegíveis que se candidataram". A Alemanha é, de longe, o país que mais contribui para o orçamento da ESA (cerca de 29%) e a instituição já foi acusada no passado de favorecer na seleção os países que mais contribuem.
Outro factor que pode ser relevante é a experiência já acumulada de cada candidato. Um dos 317 portugueses candidatos às vagas de astronautas, João Lousada (atualmente é diretor de voo da missão Columbus, da Estação Espacial Internacional, gerida a partir da Alemanha) tem já experiência no terreno como astronauta análogo (missões exigentes na Terra em lugares remotos próximos aos da superfície de Marte para fazer testes).
Parker explica ao Dinheiro Vivo que "é um bom ponto de partida ter essa experiência, mesmo que não seja um requisito, porque é alguém que já fez vários testes", admitindo que Portugal pode assim sonhar em ter o seu primeiro astronauta, bem como outros países, como o mais recente membro da ESA, a Lituânia.
Josef Aschbacher, o diretor-geral da ESA, admitiu que esta é "uma semana histórica" para a instituição não só pelo recorde de candidaturas a astronautas "num dos trabalhos mais exigentes e entusiasmantes que se pode ter", mas também pelo acordo financeiro assinado ontem com a União Europeia (UE) que permite ter 9 mil milhões de euros para as missões de 2021 a 2027, um aumento considerável para os novos projetos previstos para a ESA.
O total de investimento da UE no espaço para este período será de 14,88 mil milhões de euros (os tais 9 mil milhões são para a ESA, que inclui por exemplo o Reino Unido, que já não pertence à UE)
O bloco de 27 estados membros espera ver assim uma expansão do investimento não só em exploração espacial, mas também em navegação de satélite, observação da Terra e segurança nas comunicações pelo espaço - é criada ainda a Agência da UE para o Programa Espacial.
Um dos contributos da ESA para a exploração espacial dos próximos anos será construir os módulos de serviço para missões como a Lunar Gateway ou o ambicioso programa Artemis liderado pela NASA, que poderá colocar de novo humanos na superfície da Lua já em 2024, pela primeira vez após as missões do programa Apollo - a última já de 1972. A Artemis também deverá levar à instalação de uma base lunar humana até ao final da década. A participação europeia deve-lhe dar três lugares para astronautas na missão.
"A exploração espacial é hoje uma prioridade e astronautas são um elemento muito visível do trabalho até pelas experiências que trazem de volta para a Terra", lembra o austríaco Aschbacher, admitindo que vamos ver nos próximos anos "estes astronautas a levaram atividades humanas além do planeta Terra, noutros corpos do Sistema Solar".
O diretor da ESA lembra que existem cada vez mais países a investir no espaço, incluindo a China e a Índia e espera que os políticos europeus nos próximos anos continuem a reconhecer a importância da exploração espacial e atividades ligadas ao espaço para a Europa.
Aschbacher explica ainda que a ESA está a atravessar um período de transformação, não só pelas novas missões mas porque tem vários funcionários perto de entrar na reforma. "Vamos ter mais de 500 novas contratações nos próximos anos", adianta, revelando que o entusiasmo renovado pelo espaço dos últimos anos tem feito aumentar anualmente as candidaturas para a ESA.
"Ser astronauta não é a única missão importante na ESA, temos outros cargos com relevância", diz o diretor-geral da ESA.