Há falta de engenheiros para o Plano de Recuperação e Resiliência

O PRR representa uma oportunidade para o país se transformar e para isso vai precisar do contributo da Engenharia, defende a Ordem dos Engenheiros.
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"A execução do Plano de Recuperação e Resiliência vai necessitar de muitos engenheiros. Onde estão? Não há. Não vai haver mão de obra suficiente para monitorizar e acompanhar tudo, porque todos os departamentos públicos vão querer fazer monitorização dos seus processos e não têm quadros", afirma Carlos Mineiro Aires, Bastonário da Ordem dos Engenheiros num debate sobre os desafios da Engenharia. Este responsável abordou este problema durante o debate DV Talks subordinado ao tema "Olhar os desafios da Engenharia XXI", e que contou, além de Carlos Mineiro Aires, com a presença de Miguel Castro Neto, subdiretor da Nova IMS, Francisco Ferreira, da Associação Zero e Rita Moura, da Plataforma PTPC/Cluster AEC.

Entre os vários temas debatidos, um deles foi a questão da falta de profissionais na área que já se faz sentir há algum tempo, mas que será agravada no período pós-pandemia com os prometidos fundos europeu destinados à recuperação económica. "Fazem falta engenheiros em Portugal. O país vai precisar de muitos engenheiros, ligados às tecnologias, à transformação digital, e para a chamada reindustrialização da Europa, mais limpa e mais moderna", afirma. Acrescenta ainda que está prometida a contratação de milhares de engenheiros para a administração pública, mas a dificuldade será encontra-los e sobretudo, atraí-los ao setor público.

Carlos Mineiro Aires explica que a par com o problema demográfico do envelhecimento da população, os baixos salários também não fixam os jovens engenheiros no território nacional. Tendo Portugal uma qualidade elevada na formação destes profissionais muitos são atraídos por melhores condições oferecidas por outros países europeus. "Custa ver os nossos jovens a sair, à procura de procura de melhor qualidade de vida. Há países, como a Noruega e a Dinamarca, que vêm fazer recrutamento na Ordem dos Engenheiros, por exemplo, e que oferecem salários de cinco mil euros e casa paga. É impossível competir com isto".

Para este responsável, Portugal tem uma geração muito bem formada um dos vários desafios do país é também o de cativar e criar condições para que os jovens não saiam pois fazem falta no desenho de uma nova economia mais sustentável. "Temos infraestruturas, temos conhecimento, mas falta-nos um clique. Este clique está na liderança política, que reconhece essa preocupação nos seus discursos, mas falta ainda qualquer coisa. Temos de mudar o país em conjunto e criar uma economia nova e mais sólida. Custa olhar para os rankings europeus e ver o Chipre à nossa frente e atrás de nós apenas a Bulgária. Isto é lamentável. Somos dos países mais pobres e com a economia mais débil da Europa. O diagnóstico está feito, mas o medicamento nunca mais aparece", desabafa o Bastonário.

Falando ainda nos diversos desafios da Engenharia, além daqueles que o PRR vai trazer nos próximos dez anos, o Bastonário da Ordem afirma que esta profissão enfrenta ainda a questão das alterações climáticas, a da transição energética e a da transformação digital, sobretudo no desenho das novas cidades, pois "os tempos modernos não se compadecem com modelos antigos". Se O PRR será a cura ou não, não sabe, mas pelo menos este plano serviu para unir a Europa num objetivo comum. "Espero que, se cada país conseguir os resultados a que se propõe, daqui saia uma Europa mais unida, mais preparada, mais coesa e moderna. Portugal tem de ser mais competitivos, e de se afirmar no mercado europeu e para isso temos de ter algumas infraestruturas básicas", afirma o responsável.

Falando em infraestruturas surge obviamente a questão do novo aeroporto de Lisboa, que o Bastonário entende que não pode resultar de soluções do tipo Portela mais um ou mais dois, porque este qualquer dia vai ter de encerrar definitivamente. "A solução está perfeitamente identificada pela engenharia: passa pelo campo de tiro de Alcochete, mais precisamente nos concelhos de Montijo e Benavente, junto à freguesia de Canha. Tem de ser um aeroporto com duas pistas, porque sempre foi este o conceito referido no NAL- Novo Aeroporto de Lisboa", afirma.
Também a decisão de fazer uma linha ferroviária dedicada entre Lisboa e Porto lhe parece bem "até porque os voos inferiores a 600 quilómetros vão acabar e por isso vamos ter de fazer também uma ligação a Madrid". Com o novo aeroporto e as linhas férreas vamos poder criar um sistema logístico de ligação à Europa, já que somos o primeiro porto de entrada no continente, e podemos ambicionar a ter uma posição de charneira, explica o Bastonário.

Rita Moura, por sua vez entende que a questão que devia estar em cima da mesa seria a de "uma terceira travessia sobre o Tejo que tem de ser equacionada ou, eventualmente, um túnel que ligue Algés à Trafaria ou outro local, não apenas pelo novo aeroporto, mas porque a ponte 25 de Abril já tem muitos anos e quando tiver necessidade de uma reparação trará grandes constrangimentos à circulação".

Centrando a sua intervenção mais na área da construção, Rita Moura, refere que o grande problema na engenharia da construção é a falta de incorporação tecnológica lacuna que ainda existe face a outras indústrias. "Temos um gap de 70% em relação às outras indústrias em geral, o que atrasa a transformação digital. É uma indústria que necessita de muita mão de obra, e se a nível superior estamos bem salvaguardados, com boas universidades, mas nos níveis mais abaixo temos de qualificar mais", explica. Refere ainda que, nesta atividade o tecido empresarial é muito fragmentado, composto por muitas pequenas e médias empresas, e torna-se assim mais difícil fazer chegar a mensagem de modernização, da uniformização dos processos de gestão e das tecnologias que são os grandes drivers da mudança. "Necessitamos de novos materiais avançados, soluções da natureza mais sustentáveis, fazer um uso eficiente dos recursos naturais. A indústria da construção absorve 40% dos recursos naturais, mas também produz 40% dos resíduos, e esta é uma questão difícil de resolver", explica.

Já a intervenção de Francisco Ferreira, também engenheiro de formação, foi direcionada para a questão da sustentabilidade. "Temos de ter alguns cuidados com o tipo de infraestruturas que vamos desenvolver e qual a sua racionalidade. Por exemplo, reconhecemos que estando Portugal na periferia da Europa é muito complicado não utilizar o avião para além de Espanha. Mas temos de o fazer de forma racional, pois a aviação é o setor no pré-pandemia que mais crescia nas emissões de gases com efeitos de estufa", afirma. Para ele, o PRR tem uma vertente - cerca de 37% dos fundos - dirigida para a transição climática, mas alguns Estados-membros estão a considerar na alguns financiamentos que não fazem a diferença nesta transição. E nalguns casos até são contraditórios com o que a Europa defende", afirma. Por isso, alerta que temos de saber se todas estas infraestruturas se enquadram num desenvolvimento verdadeiramente sustentável. A Associação Zero defende a ferrovia, aceita a necessidade de alternativas como o hidrogénio, o elétrico e a exploração de lítio, mas sempre com conta e medida. "É fundamental saber usar a engenharia para estas soluções. A eficiência é o critério absoluto", afirma.

Já Miguel Castro Neto, coordenador do NOVA Cidade e do Urban Analytics Lab, acredita que temos de mudar não apenas as grandes infraestruturas, mais ligadas à mobilidade, mas também as pequenas, como as habitações e outros edifícios. "A Europa tem a ambição de construir cem cidades climaticamente neutras e inteligentes até 2030 e estamos a falar de uma profunda alteração da realidade em que vivemos e que inclui, claro, a mobilidade", afirma. Precisamos reduzir a utilização do veículo privado nas cidades para que tenham mais espaço para as pessoas e permitam uma maior vida em comunidade, e reforça a importância de se aprofundar a parceria entre academia, empresas e municípios. Na área da transição digital refere três importantes pilares de atuação: conseguir criar espaços de dados onde seja possível partilhar dados públicos e privados para alterar o paradigma das cidades, conseguir maior conectividade e apostar no talento. "Estas três dimensões são campos de excelência da intervenção da engenharia e precisamos de engenheiros nesses três pilares para alavancar a mudança", diz.

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