Os números divulgados esta semana pela OCDE deram corpo ao que já era bastante óbvio, e que é a realidade assustadora do mercado imobiliário nacional, sobretudo tendo em consideração a combinação de estagnação de salários, subida vertiginosa dos preços das casas, e do atual enquadramento de taxas de juro elevadas. Mas o que não teríamos era a perceção da forma como este fenómeno se compara com o resto dos países europeus. E, de facto, Portugal foi o país da União Europeia onde as condições de acesso à habitação mais se agravaram na última década. Desde 2015, o esforço das famílias portuguesas para adquirir um imóvel, tendo em conta os seus rendimentos, aumentou mais de 50%, o maior agravamento entre os países do agregado económico europeu.
Existem de facto várias razões para este facto. É certo que as razões relacionadas com programas de incentivo ao investimento estrangeiro em Portugal, os designados programas de golden visa, tiveram algum impacto e alimentaram algum dinamismo no período pós-troika, com os preços e a atividade imobiliária a serem influenciadas por esta variável.
Porém, não obstante o valor económico positivo da medida, o impacto das transações provenientes desta legislação parece demasiado circunscrito regionalmente às áreas metropolitanas, e com os valores totais das transações – de acordo com dados disponíveis no INE e do antigo SEF – terá representado um valor de 6450 milhões de euros durante a sua vigência, ou seja, cerca de 3,14% quando calculado sobre o valor total de transações de ativos imobiliários, de 205 mil milhões de euros , durante o mesmo período de tempo. Muito pouco peso para poder inflacionar uma movimentação agressiva dos preços em todo o mercado.
É certo também que, sobretudo nos últimos cinco anos, se registou uma subida dos custos relacionados com a construção, provocada pela subida dos preços das matérias-primas, e também por uma perda de capital humano, com trabalhadores especializados na construção a serem em menor número, e consequentemente, mais caros. Mas o mais provável é que tudo esteja relacionado com o velho exercício de equilíbrio entre procura e oferta de casas.
Todos sabemos hoje, que a crise das dividas soberanas teve custos elevados para a atividade da construção em Portugal. Os bancos, obrigados a reposicionar os seus balanços, foram forçados a reduzir drasticamente os empréstimos à atividade de construção de novas habitações, e a restringir também o acesso ao crédito aos particulares, como forma de diminuir a exposição de toda a economia ao endividamento bancário, e desta forma também diminuindo o risco do balanço das entidades financeiras, que na altura se encontravam sob elevado escrutínio. Os excessos cometidos nas últimas décadas mostraram afinal, que em momentos de crise, a elevada exposição do setor bancário ao setor imobiliário eram, e são, perigosamente sistémicas.
O reposicionamento da banca em Portugal foi especialmente influente na atividade da construção e promoção imobiliária. E enquanto nas décadas anteriores, o crescimento da oferta de casas ficou sempre acima de 15% em termos médios, a partir de 2011 a atividade praticamente estagnou, com a construção de novas habitações a rondar as 10 mil. Também terá sido influente a maior passividade legislativa dos governos pós-troika. As restrições no mercado de habitação já se faziam sentir nos primórdios da nova década, em 2020. Simplesmente, as condições monetárias do Banco Central Europeu eram extremamente baixas, e permitiram uma acomodação mais suave do impacte da subida dos custos financeiros. As subidas de taxas nos últimos anos, a inflação nos custos do setor agravaram o gargalo e a situação tornou-se muito mais complexa. E hoje, os portugueses são os que, em percentagem do seu salário, mais pagam para poder comprar casa.
Um problema que provavelmente apenas poderá ser resolvido, criando condições de maior nível de construção, mas não só. É necessário reformular todo o mercado imobiliário, dando condições para que existam garantias de melhores preços finais para as famílias, porque os salários continuarão a ser uma limitação nos próximos anos. A participação de mais operadores de dimensão internacional atraídos por parcerias com entidades públicas no sentido de garantirem usufruto de terrenos públicos para projetos residenciais, contra a garantia de rendas ou custos aceitáveis para um ordenado médio de uma família é um dos caminhos possíveis. Mas é preciso legislar e conferir credibilidade, transparência e liquidez. O mercado, como vem nos livros de economia, fará o resto e voltará a encontrar o equilíbrio. E as famílias portuguesas vão agradecer.
Economista, presidente do Internacional Affairs Network