Habitação: problema só se resolve centralizando decisões num Ministério próprio

Há uma grave falta de habitação no país, sobretudo para o mercado do arrendamento. Três especialistas, reunidos num debate DV Talks sobre o tema, defendem que o Estado deveria criar um centro nevrálgico de decisão e execução, um ministério, por exemplo, com poderes e competências para decidir esta matéria com urgência e envolver a iniciativa pública, a privada e o setor social.
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Formou-se a tempestade perfeita no setor da construção: Portugal tem falta de habitação, sobretudo acessível e destinada ao mercado de arrendamento e o problema já se agrava há mais de 10 anos. Agora a urgência é total uma vez que esta crise se vai juntar à instabilidade que já se sente na economia, com os custos da construção a aumentarem cerca de 25% desde 2019, reflexos da pandemia, da crise energética e com a subida da inflação a valores de há 30 anos e consequente subida das taxas de juro. "Temos de criar um programa de emergência para a habitação, senão dentro de poucos meses - e não anos -, haverá muita gente a dormir debaixo da ponte", afirma José Almeida Guerra, CEO da Rockbuilding, durante o debate no âmbito das Dinheiro Vivo Talks.

Dedicado ao tema "Desafios da Habitação em Portugal", o evento, emitido hoje no site do Dinheiro Vivo, foi moderado pela diretora do Dinheiro Vivo, Joana Petiz, e contou com a participação de José Almeida Guerra, CEO da RockBuilding, Fernando Santo, presidente do Conselho Português da Construção e do Imobiliário da CIP e de João Freitas Fernandes, sócio-gerente da FCC - Gestão de Projetos Imobiliários. José Almeida Guerra, licenciado em Organização e Gestão de Empresas, pelo ISCTE, conta com 45 anos de experiência no ramo da Construção e Imobiliário, e a sua empresa atua na área da gestão integrada de projetos. Fernando Santo, engenheiro civil de formação foi Bastonário da Ordem dos Engenheiros, secretário de Estado da Administração Patrimonial e Equipamentos, do Ministério da Justiça, administrador da EPUL e do Banco Montepio, tendo ainda assumido outros cargos. Também João Freitas Fernandes, engenheiro civil, tem larga experiência no setor e além de fundador da FCC, passou pelo Grupo SIL, sendo ainda docente convidado do ISEG.

Para os três especialistas em mesa redonda, a falta de habitação é um problema grave e estima-se que nos próximos anos faltem cerca de 80 mil fogos em Portugal - e já há quem fale em 100 mil -, e muito pouco está a ser feito para enfrentar este desafio. Além disso falta habitação para arrendamento, sobretudo para as gamas média e média baixa. "É preciso que se perceba que as políticas de habitação são necessárias para o próprio crescimento económico, para manter as pessoas no país. Se não se resolver o problema da habitação, os nossos jovens quadros vão para o estrangeiro, porque cá não tem rendimentos nem habitação. Eu estou farto de estudos, o que faz falta é arregaçar as mangas e fazer", afirma José Almeida Guerra.

Por isso, estes três oradores defendem em uníssono que o problema da habitação deve ter um centro nevrálgico de decisão e de execução, que poderá até ser chamado de Ministério da Habitação, com plenos poderes para decidir. "Não faz sentido repartir o poder por várias eiras onde ninguém sabe malhar. Tem de ter pessoas competentes, já que este é um problema técnico, da área das engenharias e também da sociologia, e o seu governo tem de ser eficiente. Precisamos maior agilidade nos licenciamentos e de disponibilidade de terrenos públicos para praticar preços aceitáveis", explica Almeida Guerra.

João Freitas Fernandes concorda e afirma a propósito que só se anda para a frente se este assunto for mesmo levado a sério. "Ter um ministério da habitação a sério, ter pessoas experientes a sério, descentralizar o que for possível descentralizar", afirma. Este especialista refere que em 1982 faltavam cerca de 500 mil fogos e apenas se resolveu 10% desta lacuna. Nos últimos 10 anos, pouco ou nada se construiu - apenas uma média de 15 mil fogos ao ano. Afirma ainda que "temos atualmente um parque habitacional público de 120 mil alojamentos, o que representa apenas 2% do total. Holanda, Áustria, França e Reino Unido têm entre 15% a 35% de parque habitacional público destinado a rendas acessíveis. Temos um milhão de edifícios a necessitarem de obras de reparação, dos quais 60 mil estão muito degradados. Temos 26 mil famílias com graves carências habitacionais".

Fernando Santo reforça esta ideia dizendo que os portugueses têm hoje habitação que custa o dobro por metro quadrado do que custava há 10 anos, embora o seu rendimento seja o mesmo. A solução que antevê é uma concentração de poderes como se fez com a Expo, e por outro lado, implementar políticas que deixem as ideologias de lado e que deixem entrar os fundos. "Portugal precisa ter mais fogos para o mercado do arrendamento, pois não é a compra de habitação que resolve os problemas dos jovens. Antes do 25 de abril 48% da produção anual era destinada ao arrendamento", afirma. É necessário produzir mais para arrendamento e a preços que os portugueses possam pagar, resume.

Almeida Guerra defende que, apesar de estarmos numa crise económica, o problema da habitação não é uma questão de dinheiro, é uma questão de definir uma política clara e sobretudo de querer fazer. Tem de haver uma decisão forte de construir e estamos nesta situação de preços altos porque há muita falta de oferta, afirma o especialista. Diz que há muito dinheiro disponível para investir, cerca de 70 mil milhões de euros até 2030, seja dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), seja do Portugal 2020 e revela que há fundos de investimento desejosos de aplicar dinheiro a rentabilidades de 2,5% a 4%, desde que haja condições para isso. "Tenho conhecimento de uma grande entidade americana que tem disponíveis mil, dois mil e até três mil milhões de dólares para financiar habitação, mas para isso necessita de ter regras claras e de estabilidade", explica. Para ele, os investidores querem garantias e para isso não se pode mudar a lei hoje e, entretanto, chega outro político e muda as regras novamente. "Estes fundos emprestam dinheiro a muito longo prazo para financiar a nossa política de habitação, porque Portugal é um risco bom, e não estamos a aproveitar para captar este investimento, o que é uma pena", diz Almeida Guerra.

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