Na maioria das empresas, o departamento de Compras é o sítio mais ingrato para trabalhar. Todos os anos estes profissionais sentem a pressão para baixar custos, mas se algum fornecimento falha, seja por que razão seja, arcam com a responsabilidade.
Olhando para os departamentos onde trabalharam os líderes das maiores empresas, vemos com frequência perfis comerciais, financeiros ou de operações. Raras vezes encontramos alguém que veio, ou sequer tenha passado, pelas Compras. Apesar de influenciarem uma parte significativa dos resultados, o seu palco é escasso.
Como se não bastasse suportar o ónus de falhas de fornecimento e de possibilidades de ascensão de carreira muito mais limitadas, os responsáveis de compras têm atualmente desafios ainda maiores: aumentos constantes de preços e escassez de fornecimentos.
Meses antes de chegar ao bolso dos consumidores, a inflação já provocava danos em muitas das nossas empresas. A partir de meados de 2021 a escalada de preços na indústria começou em níveis muito mais elevados dos que, até agora, passaram para os consumidores. Sendo certo que algumas indústrias conseguiram passar o sobrecusto para os seus clientes, a maioria só o terá conseguido fazer em parte. Em todos os casos, as Compras ficaram "debaixo de fogo". A um mandato de conter ou reduzir custos, sobrepõe-se uma realidade de aumentos constantes, que podem superar os 30 ou até os 50% nalgumas aquisições.
Por outro lado, as quebras de cadeia logística fizeram com que alguns componentes escasseiem. Porque limitam ou param a produção, torna-se urgente descobrir alternativas, seja de novos fornecedores ou de formas de transporte. Este era, normalmente, um processo moroso, que agora tem de ser feito no imediato. Por uma vez, as Compras estão no centro do processo de decisão, sendo a sua capacidade de resolver os problemas essencial para ajudar a continuar a laboração.
Dadas estas condicionantes - preços a subir, ónus por possíveis falhas de fornecimento - os responsáveis de compras têm optado pelo caminho mais lógico: aumentar stocks de segurança. Não só compram aos preços de hoje, em princípio mais baixos do que os de amanhã, como ficam com um "seguro" para falhas. Excelente decisão neste momento, ainda que com inconvenientes claros em qualquer contexto: empate de capital, falta de espaço ou obsolescência.
Sendo esta uma estratégia adequada ao momento a nível individual, quando tomada pela maioria dos departamentos de compras, agrava o problema para todos, provocando uma escassez de fornecimento que, por sua vez, contribui mais ainda para a subida de preços. Uma boa decisão individual provoca maus efeitos globais.
Imagine que está sentado a ver um espetáculo e alguém se põe de pé. Essa pessoa adquire de imediato uma visão melhor do que qualquer outra sobre o palco. À medida que, para poder ver, as demais se vão levantando, voltam a igualar, mas todos ficaram mais desconfortáveis. Se começarem a pôr-se em bicos de pés ou às cavalitas, pior ainda.
A situação que descrevi é relativamente rara em espetáculos, pois há uma pressão social forte contra os primeiros que se levantem. Tal não acontece em muitas outras situações, e assim começam guerras, militares ou comerciais.
As guerras de preços começam quando uma empresa decide baixar os seus preços para ampliar a sua quota, ou para se desfazer de stocks em excesso, e as demais vêm-se obrigadas a acompanhar. No final, todas estão mais pobres, ainda que os clientes normalmente beneficiem no imediato. Em 2020 beneficiamos da guerra comercial entre a Arábia Saudita e a Rússia, que fez baixar imenso os preços do petróleo. Infelizmente para nós, consumidores, esse cenário já se reverteu.
Outro exemplo poderia ser a Primeira Guerra Mundial, desencadeada pelo assassinato de apenas um homem, que despoletou declarações de guerra em série e conduziu milhões a uma morte prematura.
A acrescentar a todos os seus problemas, os departamentos de Compras de cada empresa, ao tomarem o que é a melhor decisão possível no contexto atual, estão a contribuir globalmente para que a situação de escassez e inflação se alongue no tempo. Ainda que seja muito improvável que as decisões de um comprador possam provocar a morte de milhões, estarão inadvertidamente a contribuir para o contrário de uma guerra de preços, subindo-os, tornando a sua vida ainda mais difícil.
Nos tempos interessantes em que vivemos, cumpre homenagear os profissionais das Compras, e desejar que o holofote que hoje têm sobre os seus departamentos possa contribuir para que, passada esta fase, mantenham a centralidade na tomada de decisões.
Partner da Expense Reduction Analysts