Hugo Martins em entrevista nos estúdios do Dinheiro Vivo. Julho 2025
Hugo Martins em entrevista nos estúdios do Dinheiro Vivo. Julho 2025Reinaldo Rodrigues

Hugo Martins: "Não existe, para o grosso do mercado, um match entre as preocupações das pessoas e o consumo"

A liderar a Salsa Jeans desde 2022, o gestor fala da estratégia de internacionalização e dos desafios de liderança num tempo em que consumo e mercado mudam de forma acelerada.
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Como é pegar numa empresa familiar, com todas as características que estas têm, e transformá-la numa empresa que exporta cerca de 70% da sua produção e que está presente, em quase 50 geografias, aos dias de hoje?

Na verdade esta integração foi relativamente simples porque, apesar de terem dimensões muito diferentes, quer a Sonae quer a Salsa são empresas familiares. A Sonae é provavelmente uma das empresas familiares mais de maior dimensão que eu conheço, mas há muitos valores que são semelhantes. Isso facilitou muito o processo de integração. Esta aquisição veio trazer, numa altura muito importante - e até mais do que nós achávamos no início - três coisas de que a Salsa precisava muito nessa altura e que me ajudaram a coordenar este processo de transformação. Estabilidade financeira - e isto foi mesmo muito importante, porque passámos pela Covid-19 e pelo choque inflacionário logo de seguida, e portanto essas variáveis não foram um entrave às medidas que precisavam de ser tomadas para a transformação da empresa; a empresa precisava de entrar num ciclo de refrescar o seu posicionamento e a sua proposta de valor. Tinha uma verdade muito boa, mas precisava de a comunicar, se calhar, de uma maneira um bocadinho diferente. E precisava, adicionalmente, de um ímpeto de expansão novo. De um modelo novo de expansão ou novas ideias de expansão. Porque a Salsa sempre foi, ou desde cedo foi, uma empresa com uma exposição internacional relativamente elevada. ;as estava a ter, nessa altura, alguma dificuldade em conseguir acrescentar novas camadas de expansão.

Precisava de músculo?

Músculo, que vem muito da capacidade financeira, mas também desta capacidade de perceber que estavam a surgir novas formas de expansão. E que o modelo tradicional de expansão pela abertura de retalho próprio é um modelo que estava a ficar ada vez mais complicado. Especialmente na Europa.

Houve aqui um movimento de maior flexibilidade? Uma espécie de adoção do taylor-made para cada geografia?

Sim. Atualmente podemos fazer tudo o que quisermos. O importante para nós é, e isso percebemos muito bem dentro desse processo de transformação. Nós dissemos não a entrar em determinadas geografias porque sentimos, por exemplo, durante o processo de negociação, que o parceiro não tinha o perfil que nós procuramos ou não partilhava dos nossos valores. Nós já conseguimos perceber em que há algumas dimensões em que as coisas não vão encaixar. E se antes se calhar avançávamos para ver se dava, hoje preferimos não avançar porque sabemos que, tipicamente, não dá.

Isso exige muita flexibilidade também, não?

Em termos de modelo, nós somos muito flexíveis porque temos também a sorte de, internamente, estarmos montados de uma maneira que eu chamo “agnóstica”, em termos de canal. Ou seja, tudo que são os nossos sistemas e os nossos processos foram montados - e aí desde o início, é uma coisa que já vem desde há muito tempo - tendo a noção de que não podiam, de forma nenhuma, constranger o canal ou o modelo em que iam ser utilizados.

Nós hoje em dia trabalhamos numa miríade de modelos: exploramos as nossas próprias lojas; temos acordos de franchising em várias geografias... Estes acordos de franchising tanto funcionam sendo nós a gerir a própria gama e o stock que está na loja, e o risco é nosso; mas também gerimos lojas em que o risco de stock é do parceiro e eles fazem a escolha dos produtos. Pode contar ou não com produtos customizados para essa região; fazemos um sale multimarca - e as pessoas não têm tanto essa noção mas, por exemplo, França é um dos nossos maiores mercados, valendo cerca de 15% a 17% das nossas vendas, e essa distribuição é feita não só pelos nossos canais diretos, mas por uma rede de 600 lojas multimarca que estão pelo país todo... Os meus parceiros são tão importantes quanto os meus canais diretos. E há uma maneira fácil de gerir isto, e quem trabalha com marcas e com produto e com retalho vai compreender esta diferença: nós não fazemos reserva de stock de produto. Portanto, se eu tenho um determinado produto pensado para vender nos meus canais, mas tenho um parceiro que de repente está a vender mais depressa do que eu e precisa de mais produto, o parceiro tem direito a levar esse produto.

A Salsa faz parte do grupo de marcas portuguesas que decidiu adotar um nome estrangeiro. Isso torna a aceitação dos consumidores mais fácil ou não faz diferença?

Eu acho que não há nenhum preconceito. Fora do setor, há um grande desconhecimento do que é Portugal. Fora do setor. No consumidor médio. Entre os nossos parceiros, não. Quando falamos com um parceiro e sabem que vimos de Portugal, ele já tem uma expetativa de determinada qualidade, do que é o craft, da forma cuidada de trabalhar. Para o consumidor, é um nome perfeitamente do mundo. E nós comentamos isso até porque há um caso, que acho que é o mais engraçado e nós levamos isso com alguma boa disposição, é o que nos acontece em Espanha: nós estamos há tantos anos no mercado espanhol que muitos dos nossos clientes acham que somos uma marca espanhola(risos). Porque como Salsa também é uma palavra com um sabor latino, as pessoas nem põem em causa que não seja.

Hugo Martins em entrevista nos estúdios do Dinheiro Vivo. Julho 2025
Salsa Jeans reforça em Portugal e chega à Bulgária
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Salsa. Do push-up ao "push-in", os jeans portugueses nunca mais foram os mesmos

Produzem tudo em Portugal?

Não.

Onde fazem a produção?

Em 2019, quando entrei na Salsa, tomámos uma decisão - e nem sabíamos o que o futuro nos reservava! - de tentar equilibrar um bocadinho a cadeia de produção. E seguimos uma regra a que chamamos 50/50. Temos 50% da nossa produção no que chamamos de origens de proximidade, e já vou explicar o que é, e depois 50% em origens mais distantes. Há tipologias de produto que, pela sua natureza, têm de ser feitos, ou são maioritariamente feitos, em origens mais distantes, porque já há muito pouca capacidade instalada ou em Portugal ou em Espanha para para fazer este tipo de de produtos, nomeadamente para o nosso posicionamento, mas depois temos toda uma dimensão, e que está mais no nosso produto core, que é tudo o que é o denim, onde nós continuamos a produzir sobretudo em proximidade. E trabalhamos num modelo integrado, em que trabalhamos com um número muito reduzido de parceiros de confeção. O desenvolvimento é todo feito in-house, em Portugal, para todos os produtos. E depois, esse denim é maioritariamente acabado na nossa própria lavandaria, porque é o processo mais distintivo na produção de denim, esse processo final, em que cada calça de ganga passa a ser única pelas técnicas de lavagem e de acabamento, muitas delas manuais. ainda hoje.

Quais são as geografias de proximidade?

Nós trabalhamos ainda muito em Portugal, e é a principal geografia de proximidade. A nossa segunda geografia é a Tunísia, onde temos um parceiro com quem trabalhamos, creio, que praticamente desde o início, e temos alguma coisa na Turquia.

E nos destinos mais longínquos?

Não trabalhamos com muitas origens. Trabalhamos com a China, com a Ìndia... Acima de tudo trabalhos com duas coisas que para n´so são muito importantes: trabalhamos com parceiros de muito elevado nível, gente que conhecemos há muitos anos. Mais de metade da nossa base de fornecedores são parceiros com quem trabalhamos há, pelo menos, 5 anos. E creio que com cerca de 30% dos nossos fornecedores já trabalhamos há mais de 10 anos, que são números muito elevados para o setor. Nós conhecemos profundamente esses parceirose já os visitámos dezenas de vezes. Temos também uma política de auditorias extremamente apertada. Temos equipas locais para fazer esses controles com frequência. Trabalhamos com parceiros que nos dão essa segurança e gostamos pouco de trocar, ou de ir atrás para ganhar 1% na negociação. Preferimos a certeza da qualidade que nos entregam.

A questão da produção, da pegada, é muitas vezes apontada como sendo fundamental pelos novos consumidores. Sentem isso?

Gostava de sentir mais. E vou ser honesto. Hoje em dia, e os últimos estudos têm mostrado isso, não existe para o grosso do mercado um match entre aquilo que são as preocupações das pessoas e o seu comportamento de compra. E isso é perfeitamente visível naquilo que foi a subida completamente galopante dos fenómenos do 'ultra fast fashion' como a Shein e a Temu nos últimos anos. E por isso é que também percebemos que se calhar tínhamos de nos focar mais nas batalhas que fazem menos ruído, em termos de comunicação, mas que são as que acreditamos ter mais impacto e que nós, por propósito e missão, temos de trabalhar mais. E o que temos trabalhado mais tem sido o fim de vida: a circularidade e todos o tema dos materiais e das técnicas de produção. Até porque, em comparação com as outras indústrias, é onde podemos fazer a diferença.

Hugo Martins assumiu a presidência-executiva da Salsa em 2022
Hugo Martins assumiu a presidência-executiva da Salsa em 2022Reinaldo Rodrigues

Pode dar um exemplo?

Temos alguns programas que nos permitem poupar cerca de 50% de água, o que é uma diferença muito grande, porque a nossa indústria usa realmente muita água, e daria também o exemplo do nosso programa Infinity, que muita gente ainda não conhece, que é de recolha e recuperação das nossas peças de denim. Portanto, se uma pessoa for a uma das nossas lojas - e todos os nossos vendedores têm formação específica para isto - vão fazer a análise da peça, sugerir o tipo de reparação - e isso vai desde substituir um fecho a apertar uma perna ou reduzir um tamanho de calça - e depois enviar a peça para o nosso ateliê, que ainda temos na nossa sede em Famalicão. Continuamos a ter uma pequena linha de confeção que utilizamos para fazer pequenas coleções cápsulas, amostras e que faz todo este trabalho de reparação. Ou seja, a pessoa fica com uma peça reparada pelas mãos das costureiras Salsa mais experientes que podem que podem existir.

As pessoas aderem muito?

Quando conhecem, sim.

Mas a Salsa não é só denim, e também não é só para senhoras. O vosso segmento de homem tem crescido muito, não é?

Aquilo que nós sentimos, e que temos vindo a sentir nos últimos tempos, têm sido agradáveis surpresas em territórios menos core, se quisermos. Um crescimento muito grande em tudo que é produto para homem, onde fizemos um reposicionamento e um e um refrescamento da própria proposta de produto, que tem corrido muito bem.

Sentiram que que era uma coisa que era procurada ou sentiram ou era uma necessidade vossa?

Nós precisávamos de fazer esse esse refrescamento mas também havia procura. Foi um bocadinho um misto das duas coisas.

Lidera uma equipa muito diversa, e esse vai ser o futuro das empresas. Acredita que é possível fazê-lo bem apenas com sensibilidade pessoal ou pode aprender-se?

Eu acho que se pode desenvolver, sim. E acho que estamos a viver provavelmente um dos momentos mais desafiante em termos de contexto, e a nossa empresa não é exceção, que é termos tantas gerações a conviver. Mais do que nunca, inteligência emocional é, para mim, um fator mesmo muito diferencial na liderança, e uma coisa que procuramos muito nos nossos próprios líderes.

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