Idade e habilitações não fazem diferença

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Ter menos ou mais idade, menos ou mais experiência profissional e mais ou menos habilitações pouca diferença tem feito a estas cinco famílias que aceitaram partilhar os seus casos com o Dinheiro Vivo.

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Dos pratos para a gestão

Duarte e Manuel Martins

Quando o Dinheiro Vivo o contactou, Duarte Martins (28 anos) tinha uma proposta de trabalho para uma cadeia de pizarias em Birmingham. A mudança prometia um ordenado melhor e exigia que deixasse para trás Coventry, cidade inglesa onde chegou com o pai, Manuel Martins (55 anos), em outubro 2012, atrás de um contrato que afinal era falso. Foi Duarte quem convenceu o pai a sair de Portugal. Trabalhava numa empresa de telecomunicações a contrato e "até ganhava bem" (mais de mil euros), mas o dinheiro chegava à risca para as contas. "Fartei-me, e no dia 15 de agosto acordei com a ideia de emigrar." O pai recebeu-a com ceticismo, mas acabou por concordar, deixando para trás uma empresa de construção que chegou a faturar 2,5 milhões, mas que estava em dificuldades financeiras. A chegada a Coventry e a descoberta de que o contrato que o amigo do amigo prometera afinal não existia abalou-os, mas não os fez desistir. "Comecei a bater à porta de restaurantes a perguntar se precisavam de alguém", conta Duarte. O pedido chegaria aos ouvidos de Nélio Rodrigues, também emigrante, e foram ambos contratados para lavar loiça num restaurante. Recebiam 6,19 libras/hora. A idade e maior capacidade de adaptação de Duarte permitiram-lhe ir subindo das "cleanings" (limpezas) para as "deserts" (sobremesas) e para o grill. Chegou a subgerente. Trabalha 14 horas por dia, mas agora "Birmingham is calling".

Fechada a cadeado

Maria Augusta Simões e Fernando José

Em 2006, a fábrica de cerâmica onde Maria Augusta Simões sempre trabalhara fechou. Hoje com 55 anos, e depois de duas recusas ao pedido de reforma por invalidez, continua à procura de trabalho - difícil de surgir para quem deixou a escola muito cedo. Conseguiu ficar três anos numa creche e um ano e meio num aviário. Desde então, nada. "Procuro trabalho sazonal, no campo, mas há pouco", diz, e recorda os 34 anos na fábrica de cerâmica, onde chegou a chefe da secção de tijoleira. França e Holanda eram dos principais mercados da empresa mas a crise ditaria o encerramento. Com um curso de hotelaria, o filho de Maria Augusta, Fernando Jorge (35 anos) não tem tido mais sorte. Foi dispensado do hotel onde trabalhou três anos e a sua esperança é conseguir um trabalho em catering. Mas nada de permanente se perspetiva.

Depois do curso, logo se vê

Teresa e Henrique Morujo

A proposta de acordo para rescindir surpreendeu Teresa Morujo. Tinha 23 anos quando decidiu que queria trabalhar na banca e sempre achou que tinha um emprego estável. Ficou desempregada no final de 2012 e depois de ultrapassar uma primeira fase "muito difícil", retomou os estudos do curso de gestão bancária, em que se inscrevera um ano antes. Vai acabá-lo - não gosta de "deixar coisas a meio" - mas não credita que chegue a aplicar o que está a aprender porque não quer voltar à banca. Teresa, 50 anos, não está angustiada com a falta de trabalho. Está a receber o subsídio de desemprego e apesar de o seu estatuto de estudante a isentar da procura ativa de emprego a que os subsidiados estão obrigados, nunca deixou de enviar currículos. E mesmo que fiquem por regra sem resposta, acredita que conseguirá fazer alguma coisa, nem que seja dar explicações na área da informática - a que estava ligada no banco. "Não fico angustiada a pensar que não vou voltar a ter um emprego para a vida." Mas sabe que o filho, Henrique, 21, terá mais dificuldades em encontrar algo tão estável como ela quando começou a carreira, em meados dos anos 80. "Na altura estive um ano para conseguir trabalho", mas assim que conseguiu, entrar no quadro foi fácil. Henrique, que está tirar um curso profissional de hotelaria e turismo, trabalha como "night auditor" (rececionista) num hotel, em Lisboa. Vínculo laboral? Um contrato de oito meses.

Precárias desde sempre

Paula e Paula Gil

Para Paula Gil (mãe, 49 anos) e Paula Gil (filha, 29), a precariedade é uma realidade de sempre. Divorciada, com dois filhos pequenos e sem ajudas, a mãe, teve de deixar a licenciatura em Matemáticas Aplicadas e aceitar os trabalhos que iam surgindo. Uns a contrato, outros a recibos verdes, alguns sem qualquer vínculo. Já fez de tudo: trabalhou em restaurantes, cantinas, escolas, vendas. "Fui sempre precária." Agora recebe o rendimento social de inserção. Responde com frequência a anúncios, faz cursos de formação profissional, mas as ofertas de trabalho escasseiam. Paula, a filha, tem uma larga experiência a recibos. E acumula também uma lista bem variada de empregos. Já foi guia, tradutora, assessora política numa junta de freguesia, serviu à mesa, lavou pratos - "literalmente". Neste momento faz a comunicação de uma Instituição Particular de Solidariedade Social, um trabalho que se aproxima mais da sua licenciatura em Relações Internacionais e Ciência Política.

À espera da reforma

Luís e Sara Caetano

Luís Caetano está conformado com a sua (nova) condição de precário, mas angustia-se perante a ideia de a filha Sara (25 anos), licenciada em Comunicação e Ciências da Cultura, não conseguir ter um emprego estável. Sara terminou o curso em 2010, teve bebé e agora conseguiu um estágio remunerado de um ano numa clínica dentária. A crise, mais uma vez na construção, ditou o fecho da empresa de metalurgia onde Luís trabalhou 15 anos como soldador. A sua experiência valeu-lhe um contrato de seis meses numa empresa do sector, a ganhar os mesmo 485 euros que recebia do subsídio de desemprego. O trabalho começou em fevereiro (um mês antes de esgotar a prestação) e há perspetivas de renovação. "As pessoas conhecem o meu trabalho e gostam de mim", diz, mas sabe que os contratos a termo são o melhor que vai conseguir. "Quando perdi o emprego, há três anos, fiquei muito assustado." E assusta-o "ser precário", porque sabe que a reforma, mesmo antecipada, está longe dos seus 52 anos. "Sei que a minha idade não ajuda e por isso acho que não volto a ter um trabalho sem ser assim."

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