Imóveis penhorados geraram 3,5 mil milhões de euros em oito anos

Credores garantiram a venda de mais de 42 mil bens desde a entrada em operação do portal e-leilões. É menos de metade do total de ativos que foram anunciados na plataforma.
No ano passado, foi vendido um imóvel em Lisboa por 5,3 milhões de euros.
No ano passado, foi vendido um imóvel em Lisboa por 5,3 milhões de euros.Diana Quintela/Global Imagens
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Casas, prédios e terrenos são de longe os ativos mais vendidos no portal e-leilões, lançado em abril de 2016 para agilizar a alienação de bens penhorados em processos de execução de dívidas. Desde a entrada em operação desta plataforma eletrónica e até agora, foram adquiridos 33 134 imóveis, que garantiram aos credores a recuperação de 3524 milhões de euros. Estes ativos são o grande motor do e-leilões. É que numa situação de incumprimento de um crédito à habitação e sucedendo a execução, o bem que responde em primeiro lugar é o imóvel. A penhora incide sempre no artigo dado como garantia, seja qual for o valor da dívida.

Os dados da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (OSAE), gestora da plataforma, revelam que, nestes oito anos, os leilões eletrónicos geraram um total de 3590 milhões de euros de volume de vendas. Foram licitados 119 849 bens, mas só pouco mais de um terço, precisamente 42 245, tiveram comprador. Depois dos imóveis, são os direitos (créditos, quotas, heranças) o segundo ativo que desperta mais interessados, tendo já gerado 36,3 milhões de euros a venda de 1451 destes bens. Segundo o bastonário da OSAE, Paulo Teixeira, “em direitos, somos o número 1 da Europa”. Seguem-se os veículos, que garantiram 19,7 milhões, os equipamentos (6,3 milhões), o mobiliário (1,8 milhões) e as máquinas (1,7 milhões).

No ano passado, o número de bens submetidos a leilão apresentou um decréscimo de 16% face a 2022, para 13 592. O volume de vendas desceu 22%, totalizando 409 milhões de euros, com a tomada de 4635 ativos. Desde que o portal eletrónico entrou em velocidade de cruzeiro que não registava uma tão baixa atividade. Este quadro deve-se à introdução, a partir de março de 2020, devido à crise pandémica, de “medidas legislativas que visaram proteger a casa de morada de família”, justifica Paulo Teixeira. Essas normas “fizeram diminuir o número de ações executivas hipotecárias” e, por isso, originaram “menos penhoras e, consequentemente, menos vendas”, diz. Em 2023, foram comprados através do e-leilões 3207 imóveis, o volume mais baixo alguma vez registado num exercício completo do portal. Tanto em 2018, como em 2019, o número de ativos imobiliários vendidos ultrapassou os seis mil. Em contrapartida, aponta, verificou-se “um aumento no número de viaturas adquiridas”, aliás, para um patamar nunca antes alcançado no e-leilões, tendo sido alienadas 658. O bem que atingiu o valor mais elevado foi um imóvel situado na Rua de São Paulo, 206 a 216 e Rua da Bica Grande, 2, que acabou adquirido por 5,3 milhões de euros. Mas, como realça Paulo Teixeira, no e-leilões “vende-se de tudo”. E a todos os preços. No ano passado, foi adquirida uma marca proveniente da insolvência de uma empresa por 1,11 euros.

Fim das proteções

Entretanto, em julho do ano passado, a Lei n.º 31/2023 “determinou, de forma expressa, a cessação de vigência de leis publicadas no âmbito da pandemia da doença covid-19, em razão de caducidade, de revogação tácita anterior ou de revogação por esta lei”, lembra o bastonário. A perda destas proteções podem levar a um aumento no médio prazo dos processos de execução de dívidas. A difícil conjuntura, marcada pelo aumento do custo de vida e pelas elevadas taxas de juro cobradas pelos bancos, poderá conduzir muitas famílias e, também, empresas a situações de incumprimento das suas obrigações. Há dias, o Banco de Portugal (BdP) revelou que, em 2023, mais de meio milhão de agregados familiares com crédito à habitação estavam em risco de não conseguir pagar a prestação mensal. Os bancos reportaram o início de 123 400 processos mensais (em média) no âmbito do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento. No crédito ao consumo, a situação não é melhor. Segundo o BdP, foram abertos mais de dois milhões de processos.

Nas empresas, o quadro também não é animador, No ano passado, as insolvências aumentaram 18% face a 2022, divulgou a Informa D&B. Segundo a consultora, “este crescimento segue-se a dois anos com valores anormalmente baixos neste indicador e que refletiram o efeito de muitas das medidas de apoio iniciadas no período pandémico”. O setor da indústria foi o que registou o maior número de processos de insolvência em 2023, apresentando uma subida de 47%. Por sua vez, a seguradora Cosec revelou que, no primeiro trimestre deste ano, o número de empresas insolventes em Portugal cresceu 19,5% quando comparado com o período homólogo.

A criação do e-leilões visou o estabelecimento de “um sistema de cobrança de dívidas célere e eficaz para que, quando fosse necessário fazê-lo pela via judicial, se contrariasse a tendência apontada por diversos relatórios internacionais quanto ao atraso nos pagamentos e dos efeitos nocivos para a economia”, afirma Paulo Teixeira. Na sua opinião, o portal eletrónico assegurou vantagens como a transparência dos processos, o baixo custo das operações, assim como possibilitou a introdução de mecanismos para incrementar a valorização dos bens, beneficiando os interessados na compra e também o executado, que “vê assim os seus bens a serem vendidos por um preço mais justo e adequado aos valores de mercado”.

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