Do algodão à energia solar, até a roupa interior pode ser sustentável

Impetus associou-se à Good Earth Cotton para produzir artigos de algodão carbono positivo. Investigação é outra prioridade do grupo de Esposende, que reforçou painéis solares para reduzir fatura
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A Impetus, grupo têxtil de Esposende especializado na produção de roupa interior para homem, está a reforçar a aposta nos painéis fotovoltaicos para autoconsumo, de modo a reduzir a sua fatura energética. Desde 2005 que o grupo tem grande parte dos telhados das suas unidades com painéis solares, mas assinou recentemente contrato com um parceiro para a instalação de um sistema de autoconsumo que lhe permitirá cobrir 30% das necessidades energéticas. Mesmo assim, a empresa estima que terá custos aumentados de energia na ordem dos 50 a 60%.

Ricardo Figueiredo, CEO da Impetus, explica que o grupo tinha um contrato fechado a três anos, "com um preço consideravelmente baixo", mas que foi cancelado a meio de 2021. E os custos dispararam, em especial na área da tinturaria e dos acabamentos. Em janeiro de 2021, a fatura energética pesava 2% nos custos de produção, em janeiro de 2022, pesou 46%. "Chegámos a ter faturas, como a de dezembro, por exemplo, acima de um milhão de euros. O que significa que os resultados foram completamente engolidos por estes custos extraordinários no último trimestre", diz o gestor. O grupo fechou 2021 com vendas consolidadas de 42 milhões de euros, 11 milhões acima já do período pré-pandemia.

No arranque do ano, e em especial com a invasão russa à Ucrânia, o preço da energia voltou a disparar para valores nunca antes vistos, chegando mesmo a superar os 500 euros por megawatt-hora no mercado ibérico. Uma situação que obriga as empresas a tomar decisões difíceis. "Por muito que se tente repartir estes custos, é difícil. Não posso fazer um aumento tal que torne impeditivo o preço de venda do produto. Temos que procurar gerir a situação da melhor forma, prejudicando a nossa margem", sustenta.
Parar a produção não é solução, sobretudo tendo em conta que o custo do gás natural na Turquia custa quatro vezes menos do que em Portugal. "Se nós pararmos, os clientes mudam de país, prejudicando todo o cluster em Portugal. O que nos custou tanto a conquistar, ao longo do tempo, pode perder-se num mês", alerta Ricardo Figueiredo.

Na área da tinturaria e dos acabamentos, onde os custos energéticos são mais elevados, a Impetus procurou "repensar e planear" as horas de funcionamento, com o objetivo de "otimizar ao máximo o fluxo de trabalho para diminuir o custo". Mas o impacto "não é muito significativo", admite o empresário. Sobre as medidas de apoio às empresas anunciadas pelo governo, designadamente a linha de crédito de 400 milhões de euros, Ricardo Figueiredo considera que aumentar o endividamento pode não ser a melhor solução, sobretudo no caso de empresas em dificuldade. "Quando tiverem que pagar, vai ser ainda pior", admite.

Sustentabilidade

No grupo Impetus, as perspetivas são de um crescimento de 10 a 15% este ano. A sustentabilidade é a área de grande aposta, a par da digitalização e da tecnologia 3D. "A sustentabilidade, seja ao nível ambiental ou da responsabilidade social, esteve sempre presente na estratégia da Impetus desde a sua fundação. Somos, se calhar, a única empresa têxtil com a certificação SA8000 [responsabilidade social] já há muitos anos. E continuamos a fazer grandes apostas a nível ambiental, tanto de produtos como de processos", explica o CEO do grupo.

O dirigente garante que 80% dos fios usados pela Impetus são comprados diretamente ao produtor, "com rastreio direto da cadeia de abastecimento". Além de usar já fio produzido a partir de desperdícios da sua própria produção, em especial da secção de corte, o grupo acaba de anunciar que se associou à Good Earth Cotton, para uso do "primeiro algodão do mundo com carbono positivo e rastreável, produzido de forma sustentável".

O objetivo é tornar toda a coleção rastreável, através da tecnologia Fibertrace - que incorpora pigmentos na fase de plantação do algodão ou na fiação, de modo a garantir a sua origem -, para que, através de um QR code que acompanhará as peças, o consumidor possa ver o percurso completo daquilo que está a comprar e o seu impacto ambiental. Mas há desafios ainda a ultrapassar. "Sendo esta uma matéria nova para todos, a questão da avaliação da pegada ambiental tem que ser coordenada e certificada por alguém. E é isso que estamos a ver com entidades externas, para garantir a transparência da informação, de modo a que o cliente tenha confiança naquilo que lhe estamos a transmitir", defende Ricardo Figueiredo.

Também a aposta no 3D ajuda a evitar o desperdício, já que permite fazer amostras digitais, facilmente alteráveis, em vez da produção de uma nova amostra física sempre que é introduzida uma alteração até ser encontrado o produto final pretendido. O grupo tem já quatro pessoas em exclusivo nesta área e acredita que o futuro é por aí. "Ainda é difícil convencer o cliente, que gosta de sentir a amostra física do tecido, mas acreditamos que é uma questão de hábito. Depois de feitas, as amostras são difíceis de alterar, em 3D, é tudo muito mais simples", frisa.

Novos lançamentos

Nascida em 1973, pela mão de Emília e Alberto Figueiredo, pais do atual CEO, a Impetus começou com seis pessoas e quatro máquinas. Hoje são 950 trabalhadores. distribuídos por dois pólos fabris, em Esposende e Barqueiros, numa estrutura vertical que vai da tecelagem à confeção do produto final.

Conhecida pela roupa interior para homem, a Impetus faz hoje muito mais do que isso, com uma grande aposta em artigos de conforto, mas também no desporto e no vestuário técnico, fruto de grandes investimentos em I&D. O desenvolvimento de um pijama inteligente que ajuda a combater os distúrbios do sono ou de vestuário que previne a ocorrência de úlceras de pressão em doentes acamados são alguns dos exemplos. Destaque ainda para o Texp@ct, o projeto de 58 milhões de euros liderado pela Impetus e já pré-qualificado no âmbito das agendas mobilizadoras do PRR, que junta 35 empresas ligadas ao têxtil, tecnologias de informação e eletrónica para o desenvolvimento de soluções no âmbito da Indústria 4.0.

O relançamento da linha de senhora, que está agora a chegar às lojas, é outra das novidades. "O mercado de senhora é muito mais concorrencial do que o de homem e a Impetus sempre foi conhecida pelos seus artigos para homem. Em senhora, tivemos uma abordagem muito por via da lingerie, com rendas e detalhes, na qual a concorrências de marcas produzidas em países de mão de obra muito barata não permitiu o desenvolvimento deste negócio. Estamos agora a relançar esta aposta, com produtos mais simples, mas muito assentes no conforto e na delicadeza das nossas malhas", explica este responsável.

Em termos de instalações, e porque o espaço já começa a ser curto para tanta gente, a Impetus está a renovar as suas instalações, num investimento de um milhão, que contempla a criação de um novo showroom para receber clientes, entre outras valências.

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