
Falta apenas uma semana para o Natal, mas na restauração impera a incerteza sobre o desempenho da procura nesta época festiva. Cerca de 27% dos empresários do setor admitem que o negócio será pior este ano face a 2023, 40% perspetivam igualar a operação do ano passado e 24% apontam para um balanço acima do registado em igual período homólogo. Os dados da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), avançados ao DN, e com base num inquérito realizado às 15 delegações da associação em território nacional, indicam ainda que 38% das empresas esperam um bom volume de negócios este mês, 32% consideram que será apenas suficiente e 26% afirmam que ficará abaixo das expectativas.
“Há muita incerteza, desconfiança e prudência. Os nossos empresários estão cautelosos e receosos também. Temos a notícia recente da descida das taxas de juro, mas até à data ainda não sentimos o impacto. E a verdade é que o poder de compra dos portugueses tem vindo a diminuir”, explica a secretária-geral da AHRESP. Ana Jacinto esclarece que existem assimetrias expressivas no mapa nacional, com os restaurantes das zonas turísticas a apresentar um maior otimismo, contrariamente aos estabelecimentos localizados fora dos grandes centros de procura, que cada vez mais “têm dificuldades em manter as portas abertas”. Apesar de as perspetivas serem, para já, “favoráveis”, há vários fatores que serão determinantes para o sucesso da época, como o volume de reservas last minute ou a meteorologia que é um fator determinante para os portugueses que fazem planos em cima da hora.
A responsável admite que as celebrações de Natal e de fim de ano se traduzem num balão de oxigénio para o setor, principalmente à boleia de um reforço do orçamento por via dos subsídios de Natal. Ainda assim, as contas da época não são suficientes, em muitos casos, para robustecer as tesourarias dos restaurantes que têm vindo a somar desafios desde a pandemia. “O problema é que depois destas festas as famílias ficam sempre com menos recursos e o setor acaba por se ressentir no início do ano. Particularmente aquelas microempresas que não estão tão estruturadas. Viemos de uma pandemia, as empresas não se reestruturaram, estão apagadas, ainda estamos a sofrer os processos inflacionistas. Qualquer diminuição de fluxo na procura é o suficiente para abanar as empresas que são muito micro e é sempre muito difícil de se aguentarem”, enquadra a responsável.
A somar aos desafios pesa o facto de o mercado nacional continuar a ser o principal cliente da restauração. Olhando para as reservas no Natal, 39% das empresas aponta os portugueses como os principais clientes. Já para 32% dos inquiridos são os estrangeiros que mais pesam nas contas, com destaque para os mercados de Espanha, Países Baixos, Canadá e Estados Unidos. É a elevada dependência, de muitos restaurantes, do mercado nacional que tem fragilizado o quadro.
“O mercado interno perdeu o poder de compra e já não vai à restauração todos os dias. Há cada vez mais pessoas a comer menos vezes fora de casa. Isto é resultado, obviamente, da perda de poder de compra e é uma realidade. Existe alguma apreensão devido a esta retração dos hábitos de consumo que se estão a alterar. Ir a um restaurante é cada vez mais uma experiência em ocasiões especiais do que uma rotina”, assume Ana Jacinto.
Encerramentos são ameaça
Os indicadores já conhecidos não deixam margem para dúvidas de que 2024 será o melhor ano de sempre para o turismo do país que espera arrecadar um resultado histórico de 27 mil milhões de euros em receitas. Se, por um lado, o alojamento turístico tem batido recordes, com um crescimento nos proveitos totais de 11% até outubro, as contas na restauração são mais complexas de fazer.
“Há poucos dados relativos à restauração, que é muito diversa. Quando dizemos que a atividade turística está a crescer é preciso ver que é composta de vários setores de atividade e nem todos os setores crescem ao mesmo ritmo. É preciso ter algum cuidado e olhar para todos os setores que acompanham a atividade turística”, alerta Ana Jacinto. A secretária-geral da AHRESP frisa que é imperativa uma leitura aos diferentes segmentos que compõem a atividade no país.
“Todos os outros setores que gravitam à volta do alojamento também têm de crescer, de forma a termos uma atividade turística robusta. No caso da restauração, nem todas as empresas têm capacidade para crescer ao mesmo ritmo”, acrescenta, reiterando que há estabelecimentos de restauração inseridos em zonas de maior procura turística que terão um ano recorde enquanto que outros, mais dependentes do cliente nacional, enfrentam dificuldades. No inquérito realizado pela AHRESP, 41% das empresas da restauração afirma que 2024 foi um ano melhor do que 2023, enquanto 28% considera que foi pior e 22% aponta um desempenho idêntico ao do ano anterior.
Também no capítulo dos preços, existem discrepâncias entre as várias franjas de atividade. A representante da restauração e similares defende que o alojamento turístico teve mais flexibilidade para aumentar as tarifas uma vez que depende, essencialmente, de hóspedes estrangeiros para quem os preços praticados no país eram vistos como baixos. Já para a restauração que vive, sobretudo, do mercado português a atualização de preços foi “uma ginástica difícil”.
“Muitos dos estabelecimentos de restauração tiveram bastante dificuldade em atualizar preços e, portanto, foram engolindo os sucessivos aumentos inflacionistas e, muitas vezes, no final do dia, estavam a trabalhar para aquecer. Às vezes basta aumentar um euro que seja que os clientes reclamam porque não têm poder de compra. E não havendo aumentos, muitos restaurantes acabam a fechar portas”, elucida.
“O encerramento de estabelecimentos continua a ser uma ameaça ao setor. Com 2025 a poucas semanas de distância, os prognósticos são reservados. “Ou, de facto, há aqui alguma recuperação por parte do poder de compra dos portugueses e continuamos a ter uma procura significativa junto dos nossos estabelecimentos, ou então teremos alguma dificuldade, porque o mercado internacional ainda não é suficiente para todos os estabelecimentos do território uma vez que se encontra muito concentrado em determinadas zonas turísticas”, antecipa
Hotéis batem recordes de preços
Se a época se faz de prudência para a restauração, que espera ainda as reservas de última hora para traçar um balanço do ano, do lado da hotelaria o cenário é o oposto. Depois de um ano a bater recordes de dormidas, hóspedes e proveitos, o último mês do ano avizinha-se de boas perspetivas principalmente no que respeita às tarifas que irão atingir novos máximos para a época.
Os hotéis estarão mais vazios este ano na altura do Natal e passagem de ano, mas o aumento das tarifas irá compensar a quebra das dormidas. No período de Natal, entre 22 e 26 de dezembro, os preços médios deverão atingir os 151 euros, uma subida de 12% face ao ano passado.
Já no que respeita ao réveillon, que considera estadas entre 28 de dezembro e 2 janeiro, os preços irão disparar 20% para os 202 euros, de acordo com as conclusões de um inquérito realizado pela Associação da Hotelaria de Portugal (AHP). Numa leitura mais fina aos preços, e olhando para a próxima semana, destacam-se acima da média nacional a Grande Lisboa (191 euros), o Alentejo (190 euros), o Norte (179 euros) e a Madeira (153 euros). As mesmas regiões são também recordistas de tarifas para o fim de ano, com o Alentejo a liderar com um preço médio por noite de 283 euros. A Grande Lisboa será a segunda região do país a pesar mais na carteira no fim de ano (249 euros), seguindo-se a Madeira (243 euros) e o Norte (229 euros).
Já a ocupação prevista para a época festiva que se avizinha será mais baixa face a 2023, com os inquiridos a apontar para uma taxa média de ocupação estimada de 52% no Natal (56% no ano passado) e de 68% no fim de ano (75% em 2023). “A taxa de ocupação será pior este ano do quem 2023. Isto representa um claro abrandamento daquele que foi o ritmo de crescimento até 2023, altura em que todos os indicadores cresciam a dois dígitos. Há otimismo, mas muito mais moderado”, referiu ontem a vice-presidente executiva da AHP, Cristina Siza Viera durante a apresentação do estudo.
Analisando os mercados, os portugueses são indicados como uma dos três principais nacionalidades para 84% dos hotéis nestas semanas de dezembro, seguindo-se os turistas do Reino Unido, da Espanha e da Alemanha. Em destaque surge também os Estados Unidos que ocupa o top 3 para 48% e 27% dos hoteleiros em Lisboa e no Norte, respetivamente.