
A indústria conserveira portuguesa quer chegar aos mil milhões de euros de faturação em 2030. A meta foi definida em 2010 e, apesar de o setor estar longe desse montante, o presidente da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe (ANCIP) acredita que ainda é possível lá chegar. Mas tudo depende das políticas europeias que vierem a ser adotadas, argumenta.
É uma meta ambiciosa, mas não impossível”, diz José Maria Freitas, que considera que a indústria tem mostrado, desde 2010, “um bom ritmo de crescimento”, o que lhe permitiu duplicar a faturação nestes 14 anos, e, neste momento, “tem capacidade produtiva para alcançar os mil milhões”. Precisa é de crescer além-fronteiras.
“O problema é que o mercado europeu já é abastecido em mais de 50% com conservas de terceiros países, que aproveitam os acordos comerciais de livre comércio entre esses países e a comunidade europeia. Facilmente se deduz que se a política europeia continuar a ser de abertura e entrada de conservas de outros países e mantiver esta tendência, vai dificultar o atingir desta meta”, sustenta.
Exportações valem 60% da produção
A verdade é que as exportações têm desempenhado “um papel crucial” na expansão das conservas portuguesas, que estão hoje na moda. A atestá-lo está a loja ‘O Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa’ que existe em Times Square, no coração de Nova Iorque, desde agosto de 2023, e que tem mostrado um “enorme sucesso”. Há também uma Loja das Conservas em Macau, em tudo semelhante à que existe em Lisboa, em que todas as marcas nacionais estão representadas.
Em 2023, as vendas ao exterior cresceram 10% para 334 milhões de euros. Espanha e França são os principais mercados de destino, com uma quota de 29% e 24%, respetivamente. Já em termos de preço de venda, destaque para o mercado norte-americano, o que mais valoriza a conserva de peixe portuguesa, pela qual paga 9,1 euros por kg, em média, seguido de Itália, com 8,5 euros.
Mesmo no mercado nacional, o potencial de crescimento é grande, designadamente ao nível da substituição de importações. Portugal importou, o ano passado, 67 mil toneladas de conservas no valor de 289 milhões de euros, um aumento de 8% face a 2022.
“Embora Portugal tenha uma indústria conserveira forte e capaz de responder à procura crescente, o mercado é amplamente influenciado por estratégias de importação, especialmente das conservas espanholas que entram nas grandes superfícies nacionais com propostas comerciais que as empresas portuguesas não conseguem igualar”, refere o presidente da ANCIP, reconhecendo que isso coloca as conservas portuguesas em desvantagem, “mesmo sendo altamente competitivas em qualidade e sustentabilidade”.
O importante, acredita, é a conscencialização do consumidor. “A indústria portuguesa teve de inovar e criar produtos diferenciados para que os consumidores possam distinguir as conservas portuguesas, contudo é essencial que estes aprendam a identificar o selo “PT” no fundo das latas, que as certifica como made in Portugal”, defende.
Por outro lado, a dependência externa pode ser vista como uma oportunidade. “Ao substituir essas importações por produtos de origem portuguesa, o país poderia garantir um aumento de receitas e mais autonomia no setor alimentar”, lembra José Maria Freitas, que aponta, ainda, os efeitos a nível da criação de emprego e do fortalecimento da economia nacional.
Em causa está um setor que chegou a ter 400 fábricas em Portugal - no auge da indústria conserveira nacional, no século XIX -, mas que hoje está reduzido a 20 fábricas, duas das quais nascidas em 2023, em Matosinhos e na Ilha do Pico, nos Açores. A associação acredita que este número não irá cair. “Pelo contrário, com a valorização das conservas portuguesas no mercado internacional, espera-se que o setor fique mais estável e preparado para responder às necessidades do mercado global. O cenário atual é de resiliência e crescimento”, frisa. Até porque o setor está hoje “mais eficiente”.
A produção aumentou “graças à modernização e ao investimento em tecnologia e está focado na qualidade e em oferecer um produto alimentar seguro”, uma evolução que permite que esta indústria “produza de forma mais sustentável e com melhores condições para os trabalhadores”. Os números mais recentes disponíveis são de 2022, ano em que a produção total foi de cerca de 80 mil toneladas, no valor de 468 milhões de euros. Números que representam um crescimento de 28% em valor e de 25% em quantidade face a 2021.
Falta de mão-de-obra
Em termos de emprego, a indústria conta com cerca de 3500 trabalhadores diretos, sendo que 90% destes são mulheres. A escassez de mão-de-obra nacional é uma realidade, devido ao “envelhecimento da população e à falta de interesse por parte dos mais jovens”. As empresas têm, então, recorrido a trabalhadores estrangeiros, que representam já “uma percentagem considerável” da força de trabalho nas empresas, oriundos do Brasil, Cabo Verde, Nepal, Índia, Angola ou Guiné, entre outros.
A associação pede políticas que facilitem a integração de trabalhadores estrangeiros. Já para impulsionar o crescimento da indústria, a ANCIP advoga políticas de apoio ao investimento em inovação, sustentabilidade, expansão da capacidade produtiva e internacionalização, mas também incentivos fiscais para modernização das fábricas, bem como programas de apoio à exportação.