
A Confederação Europeia da Indústria Têxtil e Vestuário, pediu à Comissão Europeia que avance com o “levantamento imediato” da isenção “de minimis” de 150 euros que “permite que as plataformas online vendam massivamente produtos têxteis de baixo valor na União Europeia”. A medida faz parte de uma série de outras elencadas numa carta enviada, na semana passada, pela Euratex e assinada pelo líder português da confederação, Mário Jorge Machado, em nome das “200 mil empresas de têxteis e vestuário existentes na Europa”.
O documento, a que o Dinheiro Vivo teve acesso, visou felicitar Ursula von der Leyen pela sua reeleição, mas também fazer uma apreciação crítica às orientações políticas assumidas pela presidente da Comissão Europeia neste seu segundo mandato. E diz a Euratex que vê como positivas as orientações estratégicas da UE para os próximos cinco anos, reconhecendo a necessidade da Europa “se focar na sua competitividade, num contexto global de turbulência; de estimular o empreendedorismo, de reduzir a carga burocrática e de lutar por condições de concorrência equitativas”.
No entanto, sublinha Mário Jorge Machado, e embora a indústria partilhe destas preocupações, “apelam a uma ação urgente e imediata”, em detrimento de mais planos que possam ter um impacto apenas a longo prazo. “Existe um sentido de urgência entre os nossos empresários, que enfrentam uma forte concorrência externa”, lembra a Euratex, reclamando então o levantamento de imediato da isenção “de minimis”, a legislação em vigor em dezenas de países em todo o mundo, embora com valores diferenciados em cada um, e que permite que as encomendas abaixo de determinado valor - no caso da Europa são os tais 150 euros - entrem sem pagar taxas aduaneiras.
Foi criada, inicialmente, como forma de permitir que os turistas não tivessem que pagar taxas alfandegárias pelas pequenas compras que faziam em viagem, mas acabou por abrir a porta à entrada de milhões de encomendas diárias em todo o mundo a partir de plataformas de e-commerce como a Shein, a Temu ou a AliExpress, entre outras.
A reclamação não é nova, mas ganha novo fôlego com a recente decisão do governo de Joe Biden de rever a legislação “de minimis” que prevê a entrada, sem tarifas de importação ou verificação alfandegária, de encomendas abaixo de 800 dólares.
De acordo com o comunicado emitido pela Casa Branca, nos últimos dez anos, o número de remessas que entram nos EUA reivindicando a isenção “de minimis” passou de 140 milhões por ano para mais de mil milhões. A maioria destas encomendas “têm origem em várias plataformas de comércio eletrónico fundadas na China, colocando os consumidores americanos em risco, prejudicando os trabalhadores e as empresas americanas e resultando na importação de enormes volumes de produtos de baixo valor, como têxteis e vestuário, no mercado dos EUA com isenção de impostos”.
Na Europa, vários países têm pressionado Bruxelas para agir. A França já aprovou legislação nesse sentido, mas não a regulamentou. No verão, o jornal Financial Times avançava que a Comissão Europeia ia apresentar uma proposta para impor direitos aduaneiros aos produtos de ultra fast fashion destas plataformas, mas ainda nada surgiu. Avançou, sim, com taxas sobre a importação de carros elétricos chineses.
Não falta quem aponte “forças de bloqueio fortíssimas”, quer das próprias plataformas, quer dos importadores europeus e dos operadores logísticos, aos quais interessa manter este modelo de negócio. Prejudicando não só a indústria, mas também os retalhistas. Números oficiais não há, mas estima-se que, só em 2023, tenham entrado na União Europeia, sem controlo e por via da legislação “de minimis”, produtos no valor de 2300 milhões de euros.
Sem pagar taxas aduaneiras.
O presidente da Anivec, a Associação Nacional dos Industriais de Vestuário, acredita que, até ao final do ano, Bruxelas avance com legislação específica pondo fim a este regime. E aponta precisamente a questão ambiental como uma das maiores preocupações.
“Há uma retração no consumo, que se espera que possa mudar com o alívio da inflação e a descidas das taxas de juro, mas as incertezas na conjuntura mundial são muito grandes. Por outro lado, as pessoas viciaram-se nas compras baratas, de produtos de baixo valor acrescentado e que vão levantar problemas complicados a nível da circularidade. Quem é que vai reciclar esse produtos, e quem é que vai pagar para os reciclar”, questiona César Araújo.
Ambiente em risco
A diretora executiva da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), diz o mesmo. “É verdade que estamos num momento de contração do consumo, e que não ajuda à sustentabilidade das empresas. Mas o problema aqui vai para além disso, é que estamos a inundar o nosso mercado e a integrar na nossa economia, que se pretende que seja circular, uma série de artigos que não têm qualquer controlo. Como é que se aplica o passaporte digital, a ecotaxa, tudo isso que temos previsto a partir de 2027, a estes produtos?”, questiona Ana Paula Dinis. Que lembra que os industriais europeus são chamados a fazer grandes investimentos para garantir a circularidade do têxtil e vestuário, assegurando que os produtos são desenhados e fabricados de forma sustentável, a nível ambiental e social, e exigem que as mesmas regras são aplicadas ao que é feito fora.
Mesmo para além da realidade das plataformas de e-commerce, cujos números passam ao lado das alfândegas, os números oficiais das importações de roupa e de calçado estão a crescer de forma substancial.
Os dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que, nos primeiros sete meses do ano, Portugal importou quase 68 mil toneladas de artigos de vestuário no valor de 1641 milhões de euros, números que representam um crescimento de 9% em volume e de 1,6% em valor, o que significa que se importam mais produtos e mais baratos. Comparativamente ao período homólogo de 2019, o crescimento, em valor, é de quase 30%.
E se é verdade que Espanha, Itália, França e Alemanha são as principais origens das importações portuguesas de roupa, surgindo a China apenas em quinto lugar, tal não significa que não se trate na mesma de produtos chineses, que aqui chegam de forma indireta através das grandes marcas europeias que os importam.
No calçado a realidade é a mesma. As importações estão a crescer 22,6% em quantidade e 3,9% em valor, correspondendo a 39 milhões de pares e a 446,8 milhões de euros. O preço médio foi de 11,41 euros, menos dois euros quase em cada par importado. Espanha, Alemanha e China são as origens principais.