Indústrias tradicionais fraquejam e perdem 873 milhões nas exportações

Metalurgia, componentes auto, têxtil, madeiras e mobiliário e calçado representam 60% das exportações nacionais e estão a sofrer os efeitos da retração do consumo e da conjuntura adversa. As guerras comerciais entre EUA, UE e China não ajudam, mas as exportações totais poderão manter-se em alta graças aos serviços.
Retração do consumo nos mercados de destino travou as exportações portuguesas no arranque do ano. FOTO: Artur Machado/Global Imagens
Retração do consumo nos mercados de destino travou as exportações portuguesas no arranque do ano. FOTO: Artur Machado/Global ImagensRetração do consumo nos mercados de destino travou as exportações portuguesas no arranque do ano. FOTO: Artur Machado/Global Imagens
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As exportações portuguesas de bens tiveram, em março, a maior queda dos últimos 12 meses, com menos 13,6% em termos homólogos. No acumulado do trimestre, a quebra é de apenas 4,2%, com janeiro e fevereiro a compensarem a má performance de março. Só as indústrias tradicionais perderam 872,9 milhões de euros comparativamente a 2023.

Dos 19 688 milhões de euros de bens transacionáveis vendidos ao exterior até março, 11 903 milhões foram assegurados por cinco setores industriais: metalurgia e metalomecânica, fileira dos componentes para automóvel, têxtil e vestuário, madeiras e mobiliário e o calçado. Todos a padecer do mesmo mal: a retração do consumo e os efeitos ainda da crise inflacionista.

Atrasos no PRR preocupam fileira do metal

No Metal Portugal, a campeã das exportações nacionais, a perda acumulada foi de 5,8% no trimestre. Foram menos 372 milhões de euros. Ainda assim, a fileira da metalurgia e metalomecânica exportou bens no valor de 6080 milhões e lembra que janeiro e fevereiro foram meses “bastante bons” e que março, apesar de cair, compara com um mês homólogo “extraordinário”. Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP, a associação do setor, sublinha que o primeiro semestre de 2023 foi “o melhor de sempre”, o que complica a comparação.

A “grande maioria” das empresas está a “resistir muito bem” a uma conjuntura “adversa” nos principais mercados de destino, como Espanha, Alemanha e França. O cluster automóvel na Alemanha está “com grandes dificuldades e há muitos fornecedores alemães em risco de insolvência”. Em Espanha, é a instabilidade política que não ajuda. 

Os próximos “dois ou três meses” poderão ainda ser difíceis. A solução é encontrar alternativas e o cluster da Defesa tem sido uma oportunidade. Há já empresas certificadas para fornecer as Forças Armadas francesas e de outros países. “Pode ser uma oportunidade muito interessante nesta altura em que a Europa está a ser ameaçada e descobriu que não é possível a paz sem Forças Armadas”, defende. 

Sobre as preocupações mais imediatas, a AIMMAP aponta o aumento da produtividade, “fundamental para ganhar valor acrescentado e reter os trabalhadores, remunerando-os cada vez melhor”. Mas também a “brutal carga burocrática” que vem de Bruxelas e as dificuldades de execução do PRR. “Ao contrário do que se diz, o PRR tem uma execução residual. Estamos todos muito preocupados com a ineficiência dos organismos intermédios e com a possibilidade de grande parte dos fundos ficarem por executar”, garante Rafael Campos Pereira.

A AIMMAP está envolvida em projetos do PRR com um investimento global de 266 milhões de euros, mas admite que o valor “pecará seguramente por escassso, já que haverá muito outros” com empresas do setor. “Foram recebidos 23% correspondentes aos adiantamentos. Mas isso não significa que tenham sido executadas tais quantias. A taxa de execução é muito inferior, desde logo porque os organismos intermédios não dão respostas e não esclarecem dúvidas. Há empresas que manifestam a intenção de desistir”, sustenta.

Retração do consumo penaliza automóvel

Também na fileira dos componentes para a indústria automóvel os tempos são de apreensão, já que a queda, em março, foi de 16%. No acumulado do trimestre ficou-se pelos 4,4%. O setor vendeu ao exterior bens no valor de 3213 milhões de euros, menos 149 milhões do que há um ano, fruto da contração do consumo na Europa que levou a uma menor produção de veículos.

“A conjuntura internacional não é interessante e, além de estarem preocupadíssimos com o futuro da Europa, os consumidores estão também cada vez mais críticos e a reequacionar a sua forma de mobilidade”, diz o presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA). 

José Couto aponta o “crescimento brutal” no primeiro trimestre de 2023, o que enviesa a comparação. De qualquer forma, a performance de 2023 “mostra que conseguimos entrar em novos modelos, tanto de combustão tradicional como elétricos, o que foi muito positivo. Permite-nos manter a posição competitiva da nossa indústria”, refere. 

Para 2024, o setor estimava crescer até 5%, face aos 12 816 milhões exportados no ano passado, mas já admite que o acréscimo possa ser só de 1 ou 2%. Para as empresas, a preocupação é encontrar forma de se reajustarem, sem perderem a capacidade de reação rápida, se o mercado mudar rapidamente, a par da necessidade de darem resposta aos desafios da digitalização e da descarbonização, que exigem investimentos avultados, num setor obrigado a modernização constante. 

A capitalização das empresas é outro dos motivos de apreensão, bem como o necessário ganho de escala. “O setor precisa de se apresentar com outra robustez e competitividade junto dos clientes, e precisamos que o Banco de Fomento nos ajude nisso”, defende.

Perspetivas pouco risonhas na fileira têxtil

No têxtil e vestuário o panorama é igualmente difícil, com a fileira a cair 11% nos primeiros três meses do ano, para 1416 milhões de euros. São menos quase 181 milhões. A Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) admite que a situação não está fácil, mas decorre do “arrefecimento global” da economia europeia. Não admira, por isso, que o número de processos de insolvência tenham mais do que duplicado, e que os lay-off estejam a subir. O problema, admite Mário Jorge Machado, é que os lay-off “têm um custo muito elevado” para as empresas. Os programas Qualifica, de apoio à formação, são alternativa, mas não deixam de ser “mecanismos com regulamentos demasiado rígidos para a flexibilidade que a situação exige”.

Sobre as perspetivas para 2024, o presidente da ATP assume que “não são muito risonhas” e que o setor continuará a ter um ano de “procura mais difícil”. O que não significa que faltem clientes, pelo contrário. As questões da sustentabilidade e da procura por fornecedores mais próximos faz com que as empresas estejam a ser muito procurados. “Estamos a ter mais clientes, estão é a comprar menos”, refere Mário Jorge Machado, lembrando que a Europa vive há dois anos “numa economia de guerra e isso tem custos”. 

Por outro lado, e apesar dos dados da UE não estarem ainda disponíveis para março, os existentes revelam que, em 2023, e em janeiro de 2024, a quebra das exportações de Portugal para a União Europeia é inferior à verificada na importação da UE, “o que mostra que Portugal tem reforçado a sua quota de mercado nesta geografia, em resultado do esforço que as empresas têm feito no tema da sustentabilidade e circularidade, mas também pelo facto de algumas marcas estarem a privilegiar fornecedores de maior proximidade”, sublinha.

Madeira e mobiliário reforçam aposta nos EUA

Responsáveis por 4,1% das exportações e por 4,4% do PIB em 2023, as exportações da fileira da madeira e do mobiliário caíram 9,3% nos primeiros três meses do ano, ficando-se pelos 763,3 milhões de euros. São menos 79 milhões, mas com realidades diferentes: as exportações da madeira e suas obras estão a cair 15%; no mobiliário, colchoaria e iluminação a perda fica-se pelos 7%.

Para a Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal, há que ter em conta que estes são produtos necessários “no fim da linha”, o que pode significar que “a crise chega mais tarde” ao mobiliário, mas, se assim for, também significa que, depois, arrancará mais tarde. Mas Vítor Poças, presidente da AIMMP, acredita que grande parte das quebras são resultado do reajuste do valor nominal dos bens, depois do aumento significativo que tiveram, fruto do disparar dos custos energéticos e das matérias-primas, muito influenciados pela guerra na Ucrânia. Até porque, refere, no que ao segmento das serrações diz respeito, a quebra das importações, em valor, foi de igual dimensão: 22%.

Já nas embalagens, as chamadas paletes, a coisa é mais complicada. Sim, há um “forte reajustamento no preço”, mas há também uma diminuição efetiva na quantidade vendida. Um mau sinal: “As embalagens são produtos que andam muito em linha com aquilo que são as exportações dos bens transacionáveis dos outros setores, o que significa que este é o impacto direto e imediato da quebra do comércio internacional”, refere. 

Apesar de tudo, Vítor Poças mostra-se convicto de que, “se nada se alterar no panorama internacional”, a fileira poderá fechar o ano com números “muito próximos, até acima” dos 3156 milhões de 2023. Com as principais economias europeias em dificuldades, a fileira decidiu apostar em força no mercado norte-americano que, pela sua dimensão e poder de compra, tem um “enorme potencial” de crescimento.

Os EUA representam, para já, 5% das exportações portuguesas de mobiliário, qualquer coisa como 24 milhões de euros nos primeiros três meses do ano, mas Vítor Poças acredita que a indústria tem condições para duplicar as vendas para este mercado. O Médio Oriente e, em especial, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos são outra das grandes apostas. 

Calçado aponta sinais de recuperação

Com uma quebra de 6% em quantidade e de quase 18% em valor, a indústria portuguesa de calçado fechou o primeiro trimestre a vender 19,4 milhões de pares de sapatos ao exterior no valor global de 431 milhões de euros. Foram menos 92,5 milhões do que no ano passado, com quebras a dois dígitos nos seus dez principais mercados. Em quantidade, Portugal vendeu mais pares de sapatos para França e para Espanha, mas com quebras em valor de 11% e de 15%, respetivamente. Mas há um mercado a crescer: as exportações para a China, embora pequenas, aumentaram 27,4% em quantidade e 17,2% em valor. 

“Os resultados deste primeiro trimestre estão em linha com o que apontávamos no final de 2023. O primeiro semestre será muito exigente para o setor. Desde logo porque, no primeiro trimestre do ano passado, as exportações estavam a aumentar 6,82%. E terminámos junho em terreno positivo, mas o abrandamento económico internacional revelou-se, em particular, no segundo semestre, e continua ainda a ter reflexos este ano”, diz o porta-voz da APICCAPS, a associação do calçado.

Paulo Gonçalves acredita que a recuperação chegue depois do verão. “Temos sinais que os negócios estão a recuperar. O próprio desemprego já está a dar sinais de inversão e, no último mês com dados disponíveis (março), já temos resultados positivos ao nível da criação de postos de trabalho”, afirma. 

Para o bastonário da Ordem dos Economistas, o cenário “não surpreende”, até porque, não só “não é exclusivo de Portugal”, como resulta das “grandes tendências” do comércio internacional, influenciado pelas guerras comerciais entre os EUA, a Europa e a China. “Está a haver uma ‘desglobalização’, ou um fracionamento da economia global, com a constituição de blocos que tendem a concentrar o comércio entre eles, por afinidades políticas, proximidades geográficas, etc.. É muito cedo para dizer se é uma fase, ou se é mesmo uma tendência mais forte”, defende António Mendonça.

Já Manuel Caldeira Cabral lembra que parte da quebra nas exportações se deve à redução dos preços que, depois de influenciados pela subida da inflação e pelo disparar dos custos energéticos, estão a voltar a descer. O que ajuda a explicar também, diz, o comportamento equivalente das importações, levando a que, apesar das exportações nacionais estarem a diminuir, o saldo externo da economia portuguesa tenha melhorado. Além disso, o antigo ministro da Economia destaca o bom comportamento das exportações totais nacionais, à boleia dos serviços. O que não significa, defende, um agravar da dependência do turismo, pelo contrário.

“O turismo tem crescido, mas representa metade das exportações de serviços”, diz, dando o exemplo das exportações de serviços informáticos “que, em oito anos, passaram de mil milhões para mais de quatro mil milhões de euros”. E se na indústria, acredita, as dificuldades se deverão manter no resto do ano, nos serviços, a dinâmica “deverá manter-se positiva”, assegurando que as exportações totais não caiam. 

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