
Os preços da energia em Portugal registaram uma acalmia durante uma boa parte do segundo semestre deste ano mas, em dezembro, parece que acabou o alívio, mostram as estimativas provisórias da inflação, divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), esta segunda-feira.
De acordo com um levantamento feito pelo DN, este mês que hoje termina (terça-feira) foi dos piores dezembros dos últimos 13 anos em agravamento dos preços da energia.
Tirando a reta final de 2021, em que já havia graves constrangimentos nos circuitos e fornecimentos globais de matérias-primas e um prenúncio de guerra (que depois havia de eclodir com o ataque da Rússia à Ucrânia, em fevereiro de 2022, e provocar uma inflação energética recorde, superior a 20%, em dezembro desse ano), surgem agora os primeiros sinais de que a inflação da energia estar de regresso, puxado já pela inflação total, aliás.
Em dezembro, diz o INE, a subida geral dos preços em Portugal acelerou para 3% em termos homólogos (face ao mesmo mês de 2023), mais meio ponto do que em novembro, interrompendo uma tendência de descida (taxa média dos últimos 12 meses) que durava desde a primavera do ano passado.
E em dezembro que agora termina, a componente dos produtos energéticos subiu 5%. Estava a aliviar (taxa média) desde o início de 2023. Agora, parou e começou a subir novamente.
Sem contar com os meses homónimos de 2021 e 2022, é preciso recuar ao final de 2011 (das séries do INE, que remontam a 1992) para encontrar um encarecimento maior da energia nesta altura do ano.
Alguns economistas dizem que não é da sazonalidade. O custo da energia está de facto mais elevado por outras razões mais estruturais e ligadas à oferta.
A sazonalidade ditaria que este agravamento estivesse mais ligado ao facto de dezembro ser marcado por um consumo mais intenso devido à época festiva. Pelos vistos, não é por isso.
Pior: na alimentação, acontece algo parecido. De acordo com o INE, os preços dos produtos alimentares não transformados subiram mais de 3,4% face ao final de 2023, interrompendo uma tendência (taxa média dos últimos 12 meses) de alívio que durava desde meados do ano passado.
"Estes dois agregados [energia e alimentos] apresentaram os contributos mais relevantes para a aceleração do Índice de Preços no Consumidor (IPC) total" em dezembro, confirmou ontem o INE, nas estimativas provisórias. Os dados definitivos serão divulgados no próximo dia 13 de janeiro.
O salto na inflação da energia já reflete, em parte, a subida recente dos preços do petróleo, por exemplo.
O barril de referência para a Europa esteve a baixar durante bastante tempo, cotando próximo dos 70 dólares no final de novembro.
Desde então, que inverteu a tendência e começou a subir, estando atualmente perto dos 75 dólares, o que dá um aumento relevante superior a 7% em apenas um mês.
Os avanços da Rússia na Ucrânia, a escalada beligerante no Médio Oriente (destruição de Gaza por Israel e queda do regime de Assad, na Síria, incluída), mais a incerteza crescente sobre o grau de destruição no comércio global que resultará das ações do novo governo dos EUA (do Presidente-eleito Donald Trump) – tudo fatores que alimentam a incerteza e, ato contínuo, o custo da energia.
E fatores que também contaminam a inflação neste novo ano que agora entra, como avisou recentemente Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu (BCE).
Acresce outro aviso, mais recente, que provocou choque nos mercados. Há cerca de uma semana, em entrevista ao Financial Times (FT), o ministro da Energia do Qatar ameaçou cortar o precioso fornecimento de gás à Europa.
Em julho, entrou em vigor na União Europeia, uma diretiva para garantir diligência na área da sustentabilidade empresarial, com enfoque no devido cumprimento dos direitos humanos e ambientais. As multas previstas sobre empresas que falhem nestes desígnios podem ascender a 5% da receita total.
Saad Sherida al-Kaabi, o ministro do Qatar, insurgiu-se contra tal medida.
"Se perder 5% das minhas receitas por fornecer a Europa [com gás], então não vou abastecer a Europa". "Não estou a fazer bluff", atirou o governante árabe.
O Qatar tornou-se um "fornecedor" crítico de gás natural liquefeito da Europa, num quadro de redução da dependência face à Rússia. O Qatar tem contratos muito valiosos a longo prazo com Alemanha, França, Itália e Países Baixos.
Rutura no padrão normal da inflação
Em Portugal, "a dinâmica mensal dos preços em dezembro foi mais forte do que antecipávamos, especialmente no índice da energia e nos produtos alimentares não transformados, que, segundo o INE, os dois agregados que apresentaram os contributos mais relevantes para a aceleração do IPC total", reconhece Tiago Correia, economista do departamento de estudos do Banco BPI, numa nota de research.
Para o analista, "estes movimentos mensais quebraram o padrão de sazonalidade habitual nestas rubricas". Seja como for, "mensalmente os produtos alimentares transformados recuaram" cerca de meio ponto percentuais.
O problema é que, daqui em diante, pode ser um caminho de pedras.
No que respeita à economia europeia, existem "canais principais através dos quais a agenda da nova administração dos EUA pode acabar por ter impacto nas perspetivas económicas a curto e médio prazo", recorda a equipa de economistas do BPI.
"Os direitos aduaneiros encarecem as exportações da Europa para os EUA e reduzem a procura externa da Zona Euro"; "a valorização do dólar pode atenuar o impacto negativo na atividade europeia, mas à custa da importação de inflação que poderá acentuar-se em caso de guerra comercial e de retaliação tarifária por parte da Europa".
Adicionalmente, "o aumento da incerteza pode condicionar o sentimento dos investidores e a sua apetência pelo risco e, em última análise, deprimir a atividade económica".