A trajetória da taxa de inflação nas principais economias desenvolvidas está a níveis invulgarmente elevados. Entre outros fatores, trata-se do resultado do aumento dos preços da energia e dos estrangulamentos resultantes da capacidade da oferta satisfazer a recuperação da procura de bens no pós-pandemia.
Perante o comportamento observado da taxa de inflação, os bancos centrais procuram otimizar a política monetária ao contexto, embora operem a ritmos diferentes nos distintos territórios. Por exemplo, em março, a Reserva Federal dos Estados Unidos da América (a Fed dos EUA) aumentou as taxas de juro em 0,25 pontos percentuais (p.p.), anunciando que espera iniciar um ciclo mais agressivo de subida de taxas face ao verificado entre 2015 e 2018. Em contraste, o Banco Central Europeu (BCE) apenas insinuou com uma futura subida de taxas de juro.
Coloca-se a questão de saber porque difere o comportamento dos dois bancos centrais?
Em primeiro lugar, porque há diferenças na origem das pressões inflacionistas. Embora as causas do aumento das taxas de inflação sejam comuns - pandemia, secas, e aumento dos preços da energia -, nos EUA, o aumento foi superior face ao maior impacto dos estrangulamentos resultantes da capacidade da oferta satisfazer a recuperação da procura, certamente como consequência da ajuda fiscal direta mais ampla e generosa dos EUA em comparação com a promovida pelos países da União Europeia (UE). Além disso, o mercado de trabalho, fundamental para explicar as pressões inflacionistas a médio prazo, está sob muito maior pressão nos EUA do que na UE, como é comprovado, por exemplo, pelos aumentos salariais mais generosos nos EUA do que na UE.
O segundo fator que explica a resposta mais agressiva da Fed é o menor impacto da guerra na Ucrânia sobre a economia dos EUA. Dada a distância geográfica e a menor dependência energética da Rússia, a economia dos EUA está mais imune ao impacto da guerra, embora os efeitos também se façam sentir, por exemplo, via aumento de preços da energia e menor confiança das famílias e das empresas.
Por essas razões, o BCE e a Fed encontram-se efetivamente em situações diferentes. O primeiro está preocupado com as pressões inflacionistas, mas considera que está a tempo de evitar que a taxa de inflação aumente acima da taxa alvo a médio prazo. Contrariamente, a Fed está já preocupada em enfrentar a dinâmica dos preços, pois a taxa de inflação já excede os objetivos.
Dado o alvo para a taxa de inflação, o contexto do BCE apenas lhe tem solicitado que retire estímulos monetários mais gradualmente do que os Bancos Centrais homólogos de outras economias avançadas, como é o caso da Fed. Seja como for, o BCE não deixa de revelar a determinação de otimizar a política monetária ao contexto; assim, por exemplo, em termos de aquisição de ativos, o BCE prevê reduzir o montante e prevê ainda uma maior probabilidade da subida de taxas de juro.
Depois da pandemia, a guerra na Ucrânia está, pois, a gerar uma grande incerteza em relação à evolução das economias da UE, bem como em relação à resposta do BCE. Embora o conflito esteja a alimentar pressões inflacionistas - face ao respetivo impacto no aumento do preço da energia -, especialmente a curto prazo, poderá também enfraquecer a atividade económica e, por essa razão, afetar negativamente a inflação a médio prazo. É neste contexto de enorme incerteza que o BCE revela operar com cautela, adiando o aumento de taxas de juro.
A Fed, por outro lado, deverá prosseguir um ciclo de aumento de taxas ao longo do ano, como mecanismo de restauro da estabilidade dos preços, procurando que a economia não perca competitividade nos mercados internacionais e que não seja arrastada para uma recessão.
Diferenças à parte, certo é que num ambiente de elevada incerteza geopolítica, de forte volatilidade dos preços das mercadorias e de estrangulamentos de produção, os bancos centrais deverão ser muito cuidadosos para responder adequadamente às necessidades das economias.
Óscar Afonso, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e sócio fundador do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF)