Na saga "Pesadelo em Elm Street", adormecer e sonhar com Freddy Krueger era uma fatal sentença de horror. A capacidade de introduzir cenários no nosso subconsciente durante o estado mais vulnerável a que nos submetemos diariamente era, ela própria, um pesadelo.
Pois bem, como se não estivéssemos já numa espécie de pós-apocalipse bizarro, este é o intuito de uma nova vaga de marketers que quer inserir anúncios no nosso cérebro enquanto dormimos, fazendo-nos sonhar com os seus produtos. Não podendo escapar à torrente de publicidade que nos persegue a cada segundo na rua, na televisão, no computador e no smartphone, agora temos a oportunidade de entupir o cérebro com mensagens subliminares desenvolvidas por publicitários.
Não é que a tentativa de manipular sonhos seja nova. Há milhares de anos que os humanos tentam influenciar aquilo com que sonham e extrair significados e profecias dos mundos oníricos em que mergulham durante o sono. Isto chama-se TDI na sigla inglesa, acrónimo de Targeted Dream Incubation, ou incubação de sonhos direccionados.
O que é novo é usar estas técnicas para fins lucrativos relacionados com a venda de produtos e consumo de serviços.
O primeiro teste em grande escala foi feito pela marca de cerveja Coors Light antes da Super Bowl, quando convidou os participantes a dormirem ao som de oito horas de uma gravação concebida para influenciar os sonhos. Em troca, receberiam 50% de desconto num pacote de 12 cervejas ou o pack gratuito caso enviassem o link a amigos. Esta iniciativa seguiu-se a outras dentro do mesmo conceito, como a "Made for Dreams" da Xbox, desenhada para influenciar os jogadores a sonharem com os seus videojogos favoritos, e o hamburger criado pelo Burger King para dar pesadelos aos utilizadores durante o Halloween.
Ainda não estamos a viver no "Inception" de Christopher Nolan, mas não é por falta de vontade dos estrategas de marketing que querem entrar-nos pelos sonhos adentro. Comecei a prestar atenção redobrada ao fenómeno quando, durante a pandemia, houve um ressurgimento de sonhos vívidos causados pelo confinamento. Quem costuma sonhar com frequência sabe quão intensos os sonhos podem ser, e como podem realmente alterar a nossa percepção ao iniciar de um novo dia.
Há uma susceptibilidade intrínseca no onirismo, e por isso a manipulação - ou incubação - de sonhos pode ser altamente preocupante. O que não falta pela História são exemplos de grandes eventos desencadeados porque alguém nalgum lado teve um sonho - a começar por José na Bíblia e indo desde as melodias de Beethoven à Teoria da Relatividade de Einstein.
Este mesmo alerta foi dado por um grupo de investigadores dos sonhos, Robert Stickgold, Antonio Zadra e AJH Haar, num artigo de opinião em que apontam para os riscos de uma abordagem comercial ao onirismo.
"Os sonhos estão ligados ao bem-estar das pessoas, e o conteúdo dos sonhos pode prever quão bem alguém se vai adaptar a desafios e receios, incluindo os que se relacionam com trauma e depressão", escreveram os investigadores. A alteração de sonhos pode ser benéfica, dizem melhorando a criatividade e capacidade de aprendizagem. Mas as acções podem ser negativas e perturbadoras.
"Tais intervenções claramente influenciam as escolhas que o nosso cérebro adormecido e a sonhar faz sobre como interpretar os eventos do nosso dia, e como usar as memórias desses eventos no planeamento do futuro, influenciando as decisões em prol da informação presente durante o sono."
Os investigadores estão especialmente preocupados com a manipulação subliminar. No caso da Coors Light, os consumidores decidiram activamente participar no teste. Mas com a digitalização das nossas vidas, "é fácil pensar num mundo em que os altifalantes inteligentes se tornam instrumentos de publicidade passiva e inconsciente durante a noite, com ou sem permissão."
Estamos rodeados de influenciadores por todo o lado, quer queiramos quer não. O bombardeamento de mensagens é incessante e destrinçar o que queremos realmente no meio delas está a tornar-se cada vez mais difícil. Acordados ou a dormir, os investigadores têm razão. "Os nossos sonhos não podem tornar-se mais um recreio para os anunciantes corporativos." Era mesmo só o que faltava.